Morreu em Lisboa o príncipe Aga Khan, líder dos muçulmanos ismailis. Uma "figura notável", destaca Marcelo
Morreu esta terça-feira em Lisboa o príncipe Aga Khan, fundador e presidente da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), e líder dos muçulmanos xiitas ismailis, confirmou à Lusa fonte oficial do imamat ismaili. Tinha 88 anos.
A comunidade que representava é um ramo minoritário do islão xiita, com origem no Médio Oriente há mais de mil anos, mas hoje está sobretudo presente na Ásia do Sul e através da diáspora na Europa e América do Norte.
Em Portugal existem alguns milhares de ismaiilis, vindos de Moçambique após a independência da ex-colónia portuguesa.
Têm em Lisboa há vários anos um centro cultural na zona das Laranjeiras.
A capital portuguesa também foi escolhida para ser a sede mundial do Imamat Ismaili, com a aquisição de um palácio perto da Praça de Espanha.
"Foi um bom amigo de Portugal", destaca Marcelo Rebelo de Sousa
O Presidente da República manifestou "profundo pesar pela morte de Sua Alteza o Príncipe Aga Khan".
Marcelo Rebelo de Sousa, que "teve a honra de conhecer bem", referiu que Aga Khan "foi um bom amigo de Portugal".
"Marcou a sua vida por um trabalho incansável em prol da elevação da dignidade humana e da proteção dos mais desfavorecidos. Sob a sua liderança, a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento promove um trabalho extraordinário e multifacetado, dando desde há décadas um contributo fundamental para o desenvolvimento humano a nível global, trazendo melhorias tangíveis às condições sociais de milhares e milhares de pessoas em diversos continentes", pode-se ler na nota divulgada no site da Presidência da República.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, Aga Khan "assumiu-se também como figura notavel de uma fé aberta ao mundo, sob o signo da tolerância no profundo respeito pelo outro, sendo igualmente notável o seu trabalho de apoio à cultura, às artes e à educação".
"Com o acordo da criação da sede do Imamat Ismaili em Portugal em 2015, a relação já estreita com a comunidade ismaelita aprofundou-se, em benefício da sociedade portuguesa e de uma cada vez mais bem-sucedida integração daquela comunidade em Portugal. Inesquecível foi o Jubileu de Diamante, em 2018, que trouxe a Lisboa cerca de 50.000 fiéis, no qual interveio o Presidente da República Portuguesa", sublinhou o chefe de Estado no comunicado.
Na mensagem escrita, Marcelo Rebelo de Sousa apresentou "sentidas e muito amigas condolências aos muçulmanos ismailis e a todos os que se sentem inspirados pela figura do príncipe Aga Khan".
Luís Montenegro diz que a pessoa e obra ficam "para sempre na memória dos portugueses"
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, manifestou "profundo pesar" pela morte de Aga Khan, sublinhando que a personalidade e obra do líder dos muçulmanos xiitas ismailis "permanecerão para sempre na memória dos portugueses".
"É com profundo pesar que o Governo português lamenta o falecimento do Príncipe Aga Khan, Imã da Comunidade Muçulmana Xiita Ismaili. A sua personalidade e a sua obra permanecerão para sempre na memória dos portugueses. Os mais sentidos pêsames à família de Sua Alteza e à comunidade ismaelita do mundo inteiro", pode ler-se, numa nota de Luís Montenegro na rede social X.
Guterres lembra símbolo de paz, tolerância e compaixão no mundo conturbado
O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou a morte de Aga Khan e sublinhou que o líder dos muçulmanos xiitas ismailis era "um símbolo de paz, tolerância e compaixão no nosso mundo conturbado".
"Estou profundamente triste com a notícia de que Sua Alteza o Príncipe Karim Al-Hussaini, Aga Khan IV, faleceu. Ele era um símbolo de paz, tolerância e compaixão no nosso mundo conturbado", frisou o diplomata português, numa nota na rede social X.
Guterres expressou também as "mais profundas condolências à família de Sua Alteza e à comunidade ismaelita".
Pedro Nuno Santos sublinha "legado de transformação na comunidade ismaelita"
O secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, sublinhou que Aga Khan deixa um "legado de transformação na comunidade ismaelita", lembrando a "presença importante e respeitada" em Portugal.
"Lamento profundamente o falecimento de Sua Alteza Karim Aga Khan IV, líder espiritual da Comunidade Muçulmana Xiita Ismaili. Deixa um legado de transformação na comunidade ismaelita, que em Portugal tem uma presença importante e respeitada, com especial relevo para a presença da sede do Imamat Ismaili em Lisboa, desde 2015, e para os projetos educativos, culturais e sociais da Fundação Aga Khan no nosso país", destacou o líder socialista, numa nota na rede social X.
Pedro Nuno Santos endereçou ainda "os mais sinceros pêsames à sua família e à comunidade ismaelita".
Morte do líder dos ismaelitas deixa "enorme vazio" em Lisboa - Moedas
O presidente da Câmara de Lisboa frisou esta noite que a morte de Aga Khan deixa "um enorme vazio" na cidade, desde onde o líder dos muçulmanos xiitas ismailis "fez um palco para a sua visão que juntou culturas".
"A morte do Príncipe Aga Khan, imãn dos muçulmanos ismaelitas, deixa um enorme vazio em Lisboa. Foi graças à sua obra e visão que milhões de pessoas em todo o mundo escaparam à pobreza, tiveram acesso a cuidados de saúde e encontraram uma oportunidade para estudar", frisou Carlos Moedas, numa nota na rede social X.
O autarca apontou que a obra de Aga Khan "estendeu-se a Lisboa, onde (...) encontrou uma casa, uma casa da qual fez um palco para a sua visão que juntou culturas e cruzava fronteiras - algo que se enquadra perfeitamente na natureza e na história da nossa cidade, feita desse cruzamento contínuo de culturas e de experiências".
"Hoje, o Príncipe Aga Khan deixa-nos. No entanto fica a sua obra e o seu sonho, que são um legado que Lisboa orgulhosamente manterá vivo", garantiu.
Patriarca de Lisboa recorda cooperação "em prol do bem comum"
O patriarca de Lisboa, Rui Valério, lamentou a morte de Aga Khan, recordando "a longa cooperação do Patriarcado de Lisboa com a Fundação Aga Khan em prol do bem comum".
Em nota publicada divulgada esta quarta-feira, Rui Valério evoca, "de forma particular, o compromisso pela melhoria das condições de grupos marginalizados".
"Este trabalho conjunto foi e é testemunho do empenho que as religiões podem ter na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e humana", acrescenta o patriarca de Lisboa.
Aga Khan deixa legado de dedicação e serviço, diz empresário Marco Galinha
Uma das primeiras reações à morte de Aga Khan surgiu pela voz de Marco Galinha, acionista do grupo que detém o Diário de Notícias. "Foi com grande tristeza que recebemos a notícia do falecimento do Príncipe Karin. Neste momento de luto, queremos expressar as nossas mais profundas condolências à Sua Alteza, o Aga Khan, à Família enlutada e a todos que tiveram o privilégio de conhecer e trabalhar ao lado dele", começou por afirmar Marco Galinha.
Para o empresário, Aga Khan "deixa um legado de dedicação, valores e serviço que permanecerá como uma inspiração para muitos".
"Que a sua memória seja uma fonte de força e conforto para todos aqueles que o amavam e respeitavam", disse Marco Galinha, que acrescentou: "os nossos pensamentos e orações estão com vocês neste momento difícil. Que encontrem paz e consolo nas lembranças e no impacto positivo que ele deixou".
Shah Karim al Hussaini, príncipe Aga Khan, 49.º Imam hereditário dos muçulmanos ismaelitas, nasceu na Suíça, cresceu e estudou no Quénia e nos Estados Unidos, e tem ligações ao Canadá, Irão e França, e nos últimos anos também a Portugal, com a escolha de Lisboa para sede mundial da comunidade ismaelita, "Imamat Ismaili", tornando-a uma referência para os cerca de 15 milhões de muçulmanos da minoria xiita no mundo.
Discreto, tido como uma das pessoas mais ricas do mundo, Aga Khan IV nasceu a 13 de dezembro de 1936 na Suíça, filho do príncipe Aly Khan e da princesa Tajuddawlah Aly Khan. Cresceu no Quénia, frequentou a Le Rosey School, na Suíça, durante nove anos, e licenciou-se depois em Harvard, nos Estados Unidos.
Definiu-se como um "otimista mas cauteloso", alguém que não sendo um homem de negócios aprendeu a sê-lo, que acreditou que a pobreza existe, mas não é inevitável. E nas palavras de amigos foi alguém que nunca bebeu nem fumou e que dedicou muito do seu tempo ao trabalho e a visitas à comunidade.
Duas vezes casado, teve quatro filhos (um deles deve ser o seu sucessor mas não Zahara, a única filha, porque mulher Imam "absolutamente não"), foi um apaixonado por esqui mas também por cavalos, e criou um império que vai da banca à hotelaria, que financia projetos de desenvolvimento social, incluindo em Portugal, onde existe desde 1983 a Fundação Aga Khan.
A Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN) tem atividades em Portugal e no estrangeiro na área da cultura, da moda e dos festivais, da educação, com apoio a universidades, do ambiente, a ajudar a preservação de sítios, da área social, da sustentabilidade ou da saúde.
Fundo para o Desenvolvimento Económico apoia criação de empresas em 18 países
A filantropia económica em países em desenvolvimento é uma das várias áreas da rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKND), apoiando empresas em 18 países através do Fundo Aga Khan para o Desenvolvimento Económico (AKFED).
O fundo internacional destinado a ajudar empresas em países em desenvolvimento trabalha e ajuda a criar negócios em regiões do mundo que carecem de investimento direto e conta com mais de 90 empresas que empregam 55 mil pessoas.
Em 2021, segundo dados disponibilizados no site oficial do AKND, as receitas conjuntas das empresas apoiadas pelo AKFED ascenderam a cerca de 4 mil milhões de dólares. Os lucros são depois reinvestidos em projetos de desenvolvimento.
Um dos principais objetivos do fundo é "criar empresas rentáveis e sustentáveis através de investimentos a longo prazo que resultam em fortes posições de capital".
"Isto, por sua vez, permite-nos adotar uma abordagem prática, fornecendo conhecimentos técnicos e de gestão. Os lucros que geramos são reinvestidos noutras iniciativas de desenvolvimento económico sob a égide da AKFED".
O fundo, que existe há mais de 75 anos, faz investimentos e apoia empresas em países como Moçambique, África do Sul, Afeganistão, Burkina Faso, Burundi, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Índia, Quénia; República do Quirguizistão, Madagáscar, Maurícia, Paquistão, Ruanda, Senegal, Tajiquistão, Tanzânia e Uganda.
As empresas apoiadas variam desde a banca, energia elétrica, agricultura, hotelaria e telecomunicações, trabalhando simultaneamente com governos locais para a implementação de estruturas legais e fiscais que incentivem o desenvolvimento do setor privado nos respetivos países.
Com o objetivo de criar empresas "viáveis, autossustentáveis e rentáveis", o AKFED adota uma abordagem a longo prazo participando diretamente na gestão dos negócios.
Aga Khan definia a AKFED como uma "agência de desenvolvimento internacional com fins lucrativos que, devido à sua origem institucional e consciência social, investe em países, setores e projetos com base em critérios muito diferentes dos de um simples investidor comercial".
"As decisões de investimento baseiam-se mais nas perspetivas de uma vida melhor para os grupos de pessoas que serão afetados pelos investimentos e pelos seus resultados do que na rentabilidade final.
A Rede de Desenvolvimento Aga Khan, a principal organização filantrópica lida principalmente com questões de cuidados de saúde, habitação, educação e desenvolvimento económico rural. Trabalha em mais de 30 países e tem um orçamento anual de cerca de mil milhões de dólares para atividades de desenvolvimento sem fins lucrativos.
Uma rede de hospitais com o seu nome está espalhada por locais onde faltavam cuidados de saúde para os mais pobres, incluindo o Bangladesh, o Tajiquistão e o Afeganistão, onde investiu dezenas de milhões de dólares para o desenvolvimento das economias locais.
O seu gosto pela construção e pelo 'design' levou-o a criar um prémio de arquitetura e programas de Arquitetura Islâmica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e em Harvard e restaurou antigas estruturas islâmicas em todo o mundo.
Os ismaelitas - originalmente concentrados na Índia, mas que se expandiu para grandes comunidades na África Oriental, na Ásia Central e do Sul e no Médio Oriente - consideram um dever dar o dízimo de 10% dos seus rendimentos a Aga Khan como administrador.
"Não temos a noção de que a acumulação de riqueza seja má", disse Aga Khan à Vanity Fair em 2012. "A ética islâmica é que, se Deus nos deu a capacidade ou a sorte de sermos um indivíduo privilegiado na sociedade, temos uma responsabilidade moral para com a sociedade."
Aga Khan, fundador e presidente da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), e líder dos muçulmanos xiitas ismailis, morreu hoje em Lisboa, aos 88 anos, confirmou à Lusa fonte oficial do imamat ismaili.