Milhares de peregrinos enchem Santuário de Fátima na primeira peregrinação sem restrições

Desde 2019 que o Santuário de Fátima não registava uma moldura como a desta noite, em que milhares de peregrinos assistiram às celebrações da peregrinação internacional aniversária, presidida pelo Cardeal brasileiro Sérgio da Rocha, arcebispo de São Salvador da Bahia.
Publicado a
Atualizado a

Quatro das oito portas de acesso ao Santuário de Fátima foram encerradas ao início da noite, antes mesmo de se acenderem os milhares de velas que iluminaram de novo a fé dos peregrinos de Fátima.

"Peregrinar é dom, é graça, mas também é compromisso, oportunidade singular para dar passos de conversão e vida nova. Em Fátima, Nossa Senhora continua a nos convidar à conversão, à oração e à penitência", disse o cardeal Sérgio da Rocha, na homilia deste 12 de outubro, que assinala os 104 anos das aparições.

Vindo do Brasil, onde a pandemia tem atingido níveis de infeção e morte alarmantes, o arcebispo lamentou o que considera ainda mais grave que o negacionismo teórico: "uma espécie de negacionismo na prática. Como se negassem, pelo modo de se comportar, tão ou mais grave do que teoricamente. E ainda mais grave quando por parte dos que estão ao serviço do povo, pois desses espera-se uma redobrada responsabilidade", disse, quando durante a tarde falava aos jornalistas, durante a conferência de imprensa, ao lado do bispo António Marto e do reitor Carlos Cabecinhas.

Era suposto ser apenas um regresso entusiasmado dos peregrinos ao Santuário, sem limitação de presenças, fora dos círculos pintados no chão durante os tempos mais duros da pandemia. Mas a peregrinação internacional aniversária deste 12 e 13 outubro acabou por ser ensombrada pelo tema que, desde há vários dias, paira como uma nuvem sobre a Igreja Católica: a pedofilia em França, e as ondas de choque que acabam por fazer-se sentir no resto do mundo.

Se no recinto do Santuário de Fátima o tema parece passar ao lado da maioria dos milhares de peregrinos que regressam, já o bispo de Leiria fez questão de usar a habitual conferência de imprensa que antecede as cerimónias para falar do tema. Um recado para outros bispos? "Não! É para toda a Igreja em Portugal, e para toda a sociedade. É o que eu penso. Porque isto é necessário. Há muita gente que passa a leste disto, quer dentro quer fora da Igreja. Por isso citei o Papa Francisco e o Papa Bento XV, porque às vezes dizem que ele não fez nada [a este respeito]".

D. António Marto citara ambos, minutos antes, como quem lembra que o tema não chegou agora à Igreja. De resto, lembrara mesmo o que os jornalistas tinham perguntado a Bento XVI, em 2010, na viagem de avião até Fátima, quando o tema estava também na ordem do dia: "o perdão não substitui a Justiça".

Mas quando instado a responder, concretamente, "é a favor de uma investigação em Portugal?" (como a que aconteceu em França), o bispo de Leiria-Fátima não arrisca uma resposta clara, embora se depreenda das suas palavras que é apologista desse caminho: "Todas as ações que tiverem de ser feitas, devem ser feitas. Não devemos ter uma atitude de contemplação". E no passado, será que a Igreja em Portugal não teve?

"Que eu conheça não", diz António Marto. "Quando chega uma denúncia, acolhe-se e deve ser imediatamente comunicada às autoridades judiciais: ao Ministério Público e à Polícia Judiciária, que têm meios, recursos de vária ordem para investigar e chegar ao apuramento da verdade muito melhor e mais rapidamente do que nós. Depois é preciso que as pessoas que se sentem vítimas, seja no presente ou no passado, façam ouvir a sua voz. Podem fazê-la na sua diocese, mas também noutra qualquer. Porque assim e vai apurando a verdade".

As declarações de António Marto aconteceram poucas horas depois da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), também em Fátima, ter admitido a constituição de "um grupo a nível nacional a partir das comissões diocesanas" de proteção de menores e adultos vulneráveis, para acompanhar a questão dos abusos sexuais na Igreja.

Questionada pela agência Lusa sobre a situação em Portugal, na sequência da divulgação do relatório que aponta para a possibilidade de, em França, nas últimas décadas, terem sido vítimas de abuso sexual no seio da Igreja mais de 200 mil crianças, a CEP, através de informação do seu secretário, o padre Manuel Barbosa assegurou que "o Conselho Permanente e a Assembleia Plenária da CEP mantêm o assunto na agenda, continuando a tomar medidas para concretizar o que está decretado nas Diretrizes" aprovadas em novembro de 2020.

"Esta peregrinação inicia um novo ciclo marcado pela esperança. Estamos a vencer a pandemia . começamos a ter um nova normalidade, que nos convoca ao cuidado", considera António Marto, sem escamotear que "foram tempos difíceis" e que "ainda havemos de experimentar por ventura muitas dificuldades", pois as consequências reais e efetivas da pandemia, do ponto de vista económico e social "poderão não estar ainda todas contabilizadas". Ainda assim, é com regozijo que vê o Santuário "com outro colorido, embora longe de outros tempos".

Também o reitor do Santuário, padre Carlos Cabecinhas, considerou que há sinais positivos que importa destacar, depois deste tempo tão marcado pela pandemia. Em 2021 o santuário já foi visitado por um milhão e 300 mil peregrinos, mais 200 mil que em igual período do ano passado, embora longe dos seis milhões de outros anos. "Aprendemos muito. Tivemos que nos reinventar na forma de chegar aos peregrinos", disse. À distância, Vítor Santos e Susana Costa assistem, entusiasmados, ao aparato da conferência de imprensa que acontece na colunata. O casal veio de Famalicão, usou uns dias de férias para conseguir assistir às cerimónias, e consegue aquilo que tanto queria: uma fotografia com o bispo e o reitor. "Adoramos ouvir o D. António Marto, sobretudo quando fala aos "amiguitos e amiguitas"". E ouviram o que disse sobre a pedofilia? Sim. E concordam. Tal como muitos que o DN ouviu no recinto, consideram consideram que uma boa forma que a Igreja tinha de resolver "este problema era deixar que os padres casassem. De certeza que se notava logo a diferença nestas coisas".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt