"Metade dos átomos no nosso corpo passaram por fábricas" 

Professor do Instituto Superior Técnico fala sobre a importância ​​​​​​​de encontrar novas formas de alimentação num mundo de escassez.

Com a população mundial a crescer a este ritmo, a humanidade terá dificuldades ao nível da alimentação. Este será um dos temas em destaque na conferência?
A conferência pretende abordar este grande desafio de alimentar uma população em crescimento, mas também crescentemente próspera. Isso exerce uma pressão adicional sobre o planeta. Decidimos focar o programa na componente que é absolutamente crítica, nem sempre a mais falada, que é a disponibilidade de proteína. Se não tivermos proteína suficiente, não nos alimentamos corretamente. Como aprendemos na escola, temos três grandes grupos de alimentos: os hidratos de carbono, os lípidos e a proteína. Do ponto de vista químico, aquilo que distingue a proteína dos outros dois grupos é conter azoto. O azoto é um elemento absolutamente crítico porque, ao contrário de outros que obtemos do ar e da água, não é tão fácil de obter. Na realidade, é a essência do problema e é o nutriente fundamental que limita a atividade agrícola.

Essa escassez de azoto já se verificava no final do século XIX, quando foi encontrada uma forma de retirá-lo da atmosfera e transformá-lo em adubo. É uma solução que já não é suficiente?
Tal como hoje ouvimos alertas catastróficos sobre o que vai acontecer à humanidade por diferentes razões, há 100 anos o alerta era a falta de azoto que iria impedir a produção suficiente de alimentos, porque as leguminosas não chegavam. É aí que surge uma das mais importantes invenções do século XX, que permitia retirar o azoto da atmosfera e transformá-lo nos compostos químicos que podem ser usados como adubo. Isso foi decisivo. Isto permite fazer uma afirmação engraçada: metade dos átomos no nosso corpo e que vieram da alimentação passaram por fábricas. O problema são os compostos que resultam dessa transformação que, sendo muito úteis, são transportados para as águas e causam problemas gravíssimos de poluição. Embora não possamos deixar de o usar, podemos sem dúvida reduzi-lo.

Como?
Temos várias técnicas, mas a mais importante é reforçar o uso de leguminosas porque são quase a única planta com capacidade de ir buscar sozinha o azoto sem que tenha de vir em forma de adubo. Se aumentarmos a nossa ingestão de proteína vinda de grão, ervilha ou feijão temos uma fonte de proteína que dá origem a muito menos impacto do que produtos de origem animal, por exemplo. Sendo que, sem dúvida, há benefícios para o ambiente e até em termos de saúde, mas o ideal não é passar 100% para proteína de origem vegetal. Em termos de saúde é controverso, é uma questão em aberto.

A desconstrução de ideias erradas sobre os alimentos será também uma prioridade desta conferência...
Sim. Por exemplo, andam por aí muitas ideias fáceis que estão erradas, como dizer que consumir produtos de origem animal é sempre mau para o ambiente. É preciso analisá-las, debater os argumentos e fazê-lo permite-nos identificar situações em que a produção animal é muito negativa para o ambiente, algo que deve ser corrigido, mas também situações em que até é favorável. A conferência tem uma perspetiva positiva e quer mostrar que, em vários casos, Portugal é pioneiro ou está, pelo menos, a par com outros países. Estamos a falar de soluções que pretendem responder à necessidade de alimentar a humanidade de uma forma amiga do ambiente. A tecnologia, uma adequada reconfiguração da produção animal, mas também o potenciar de fontes vegetais de proteína são algumas das soluções.

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