Menos 1133 bebés em 2024 do que em 2023. Portugal não consegue igualar números pré-pandemia
No ano de 2024, nasceram 84 631 bebés, menos 1133 do que no anterior, que registou 85 764. Os dados são do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN), recolhidos através do Teste do Pezinho, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) à quase totalidade dos nascidos em Portugal, para despistagem de doenças raras.
O número final não surpreende em relação ao que já se tinha alcançado no terceiro trimestre do ano, altura em que já se registava menos 430 bebés do que no mesmo período de 2023. Mesmo assim, e ainda de acordo com os dados do INSA, o número de 2024 é superior ao de 2022 (83,436) e ao de 2021 - (79 217. o primeiro ano em que o país desceu da barreira dos 80 mil nascimentos), mas ainda longe dos números alcançados em 2019 (87 364) ou em 2016 (87 577), que eram indicadores de que algo poderia começar a mudar na trajetória das últimas duas últimas décadas da natalidade em Portugal.
A socióloga e ex-presidente da Sociedade Portuguesa da Demografia, Maria Filomena Mendes, explica: “Nos anos antes da pandemia, o país começava a recuperar das crises socioeconómicas que tiveram também impacto na decisão dos casais em terem filhos. A leitura que se fazia era que aqueles que tinham adiado esta decisão começavam a concretizá-la, até porque se registou mais nascimentos de segundos e terceiros filhos. Mas, logo a seguir, apareceu a crise sanitária da Covid-19 que está a ter também impacto a nível socioeconómico. Nunca se tinha tido períodos tão longos de crises, o que faz com que a natalidade continue a oscilar com pequenos avanços e recuos”. Mas os números têm estado "sempre longe dos alcançados no início deste século, por exemplo no ano 2000, em que se registaram 120 008 nascimentos.
O futuro, diz Maria Filomena Mendes, “será assim”, defendendo mesmo que, enquanto país, “vamos ter de ir enfrentando esta realidade e não continuar a pensar-se, quase de uma forma romântica, que voltaremos a ter muitos nascimentos e recuperar os números de outras épocas, com as circunstâncias que tínhamos na altura”.
Em relação a 2024, os números registados pelo INSA confirmam que Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Faro continuam a ser as cidades onde mais se nasce no país. É assim há muitas décadas. No entanto, há um dado que surpreende, nomeadamente o dos nascimentos no Porto, já que esta foi a cidade que mais contribuiu para a queda em relação ao ano passado, ao registar menos 533 bebés. O porquê ainda não se sabe, mas Maria Filomena Mendes diz poder ter a ver com o facto de a população jovem se estar a concentrar noutras cidades à volta da Invicta. No ano passado nasceram no Porto 14 923 bebés, em 2023 nasceram 15 456, ano que esteve mais próximo de alcançar os nascimentos de 2015, que foram 15 631.
Lisboa está a fazer uma trajetória diferente, é de crescimento, mas como diz a especialista em demografia, “muito à custa da imigração e de conseguir captar população mais jovem de outras regiões do país pelas condições que cria, como mais oportunidades de emprego”. A capital registou 25 865 nascimentos em 2024, mais 60 bebés do que em 2023 (25 805) e mais 264 do que em 2015 (24 601).
Contudo, na região norte, há uma cidade que está a fazer uma trajetória idênctica à da capital. Braga é a quarta cidade onde mais se nasce no país e registou 6288 nascimentos em 2024, 6275 em 2023, e desde 2015 (quando atingiu 6189), que se mantido com números idênticos.
Mas é na margem sul que está a terceira cidade onde mais se nasce no país, Setúbal, que, no entanto, registou no ano passado menos um nascimento do que no ano anterior (6903 contra 6904), mesmo assim muito mais do há uma década em que teve 6445 nascimentos.
Faro é a quinta cidade nos nascimentos, com 4368 em 2024, 4439 em 2023, e pode dizer-se que é das que tem vindo também a registar aumentos em relação ao que se passava há uma década (4024 nascimentos em 2015). Em relação a 2024, depois de Faro, aparecem Aveiro (3965), Coimbra (3607), Leiria (3026), Santarém (2874) e Viseu (2049). Na casa do milhar, estão Viana do Castelo (1428), as regiões dos Açores (1806) e da Madeira (1752), Évora (1075) , Castelo Branco (1045) e Beja (1020).
No interior, estão as cidades onde menos se nasce, Bragança com 494 em 2024, menos do que em 2023 e do que há dez anos, Portalegre com 547, que segue a mesma trajetória, Guarda com 666, mais do que em 2023 (646), mas menos do que há dez anos, e Vila Real com 926, menos do que em 2023 e há dez anos também.
Ao DN a socióloga destaca que são cidades que “têm tido mais dificuldade em manter a sua população jovem em idade fértil e que não têm conseguido atrair nova população. A sua população vai saindo para outras regiões do país ou emigra e quanto menos jovens têm, menos crianças nascem”.
Em relação ao futuro, Maria Filomena Mendes assume que as previsões “não são muito risonhas”. Isto porque a maioria das mulheres continua “a ter filhos numa idade muita tardia, o que faz com que depois ou desista ou já não consiga sequer concretizar a decisão de ter pelo menos mais um ou dois filhos”. Mas, quer se queira ou não, “a decisão de ter filhos continua a caber aos casais, por mais políticas de natalidade que se adotem”. E, por vezes, "as expectativas em relação ao futuro sobre melhorar o rendimento no emprego, com o objetivo de estabilizar ou de progredir, associado ao ter tempo para a família acaba por ter um impacto muito significativo nas decisões da fertilidade”, argumenta.
Maria Filomena Mendes diz mesmo que não se pense que “a situação vai modificar-se de um dia para o outro. É claro que se conseguirmos diminuir a nossa emigração de jovens ao mesmo tempo que conseguirmos manter a imigração elevada, poderemos aumentar a natalidade e compensar os nascimentos perdidos nas últimas décadas, mesmo assim, teríamos de alcançar valores que não são razoáveis sequer esperarmos”.
A socióloga considera ainda que não é com uma ou outra medida política que se consegue reverter a tendência da natalidade no país. “Há muitas circunstâncias que pesam na decisão de se ter um filho, como a habitação, que é muito importante, o emprego estável, os salários e até as circunstâncias das guerra dentro e fora da Europa, pela perspetiva que dão do futuro dos próprios e para os seus filhos”, diz. Ou seja, tem de se perceber quais as medidas políticas que podem envolver uma boa parte de todos estes fatores, que “são muito importantes", de forma a que possam "contribuir depois para a tomada da decisão dos casais no sentido de terem um filho ou mais que um com outra segurança e certezas face ao futuro”.