Medidas fazem sentido, mas "é preciso vacinar crianças com segunda dose rapidamente"

O diretor de serviço de pneumologia do Hospital Universitário de Coimbra, Carlos Robalo Cordeiro, que integra o Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, diz que o Governo ganha tempo com estas medidas para reforçar a vacinação dos adultos e ganhar tempo para a proteção contra a nova variante. Contudo, sustenta, faltam duas coisas que não se ouve falar: o reforço dos meios do SNS para dar resposta aos utentes e reduzir o intervalo da segunda dose para as crianças. Só assim a comunidade funcionará com maior segurança.
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O governo foi mais além do que o proposto pelo grupo de peritos que o tem apoiado na gestão da pandemia ao manter o teletrabalho obrigatório e as discotecas e bares fechados por mais uma semana. Era necessário?
Faz sentido. O prolongamento destas medidas permite ao governo ganhar tempo no reforço da vacinação, quer com a terceira dose para os adultos quer na vacinação das crianças. É uma forma de se ganhar tempo na proteção da população em relação a esta nova variante, a Ómicron, que sabemos que é mais contagiosa.

E a dose de reforço para eliminar a testagem é mesmo necessária?
Evidentemente que as medidas têm de estar coordenadas com a evolução da epidemia, com o conhecimento científico sobre a nova variante e sobretudo com o estado vacinal da população. Este último é um aspeto muito importante, porque o nível de reforço vacinal, a toma da terceira dose ou da segunda para os vacinados com a Janssen, ainda não atingiu os níveis que se esperava, e que se registaram no tempo da task force em que se chegou a vacinar mais de 100 mil pessoas por dia. Os vacinados com a dose de reforço que temos agora já deveriam estar vacinados há mais tempo. Por exemplo, o ideal era que os profissionais de educação tivessem todos já a dose de reforço antes de as escolas abrirem.

Mas concorda com o prolongamento do teletrabalho e o adiar da abertura de bares e discotecas?
​​​​​​​Estou de acordo. Temos de reconhecer que o teletrabalho pode e deve ser utilizado sempre que for exequível e onde se verificar eficaz. É das medidas que permitem desfasar horários e diminuir a mobilidade e a exposição ao risco, portanto parece-me que faz todo o sentido. Relativamente aos bares e discotecas o adiar da abertura também é essencial no sentido de se ganhar tempo no reforço da vacinação e travar a disseminação da doença.

Nos bares e discotecas, a partir de dia 14 será necessário, além do certificado de vacinação, um teste negativo para quem ainda não tem a dose de reforço. Isto faz sentido?
É fundamental que continue a ser assim para proteção de todos. O governo considera que só não é necessária a realização de teste a quem tem dose de reforço há mais de 14 dias, a Ordem, aqui, até acha que quem tem esta dose há mais de sete dias poderia ser isentado do teste, vamos mais além, mas é fundamental que se mantenham estas medidas.

Porquê? A população que tem esquema vacinal com duas doses tem dificuldade em perceber...
Em primeiro lugar, porque a variante Ómicron é extremamente transmissível e uma coisa é as pessoas que estão em determinadas atividades em espaços arejados, onde têm de usar máscara e manter o distanciamento, que correm menos riscos. Outra são os espaços dos bares e discotecas, onde não é isso que acontece. As pessoas estão ao lado umas das outras, sem máscara, a dançar e a transpirar, e o risco de transmissibilidade é enorme. Portanto, exigir testagem dá mais segurança, e esta testagem deve ser feita o mais próximo possível dos eventos. A Ómicron é mais contagiosa e mais rápida no tempo de contaminação, daí que os testes devam ser feitos horas antes do evento para se diminuir a contagiosidade. No caso de um teste PCR até 48 horas antes, nos de antigénio 24 horas e nos autotestes até 12 horas antes.

Destaquedestaque"A testagem para grandes eventos faz todo o sentido, mesmo com certificado de vacinação. Se não fosse assim, a solução seria impedir as pessoas de frequentarem esses espaços. Não é o que se deseja."

Isto quer dizer que defende a testagem antes de eventos desportivos e culturais e das visitas a lares ou a hospitais, mesmo com certificado de vacinação?
Isso faz todo o sentido. Para quem ainda não tem dose de reforço na vacinação ou para quem não tem de todo qualquer vacina. É uma segurança para o próprio, mas também para quem trabalha nesses espaços ou para quem lá está. Se não fosse assim, a solução seria impedir as pessoas de frequentarem esses espaços. E não é isso que se deseja.

Se o governo adiasse a abertura do ano letivo seria muito prejudicial para crianças e jovens?
Seria. E os jovens e as crianças já foram suficientemente prejudicados ao longo destes dois anos de pandemia. O impacto mental, social e psicológico é relevante e tem de ser minimizado. O que se tem de fazer é manter as medidas básicas de proteção individual, como o uso de máscara e o distanciamento nas salas de aulas e acelerar a dose de reforço aos profissionais e a vacinação das crianças. É muito importante que isto aconteça. Em setembro e outubro perdeu-se muito tempo a avançar com o processo das doses de reforço aos adultos e com a vacinação das crianças. Nesta altura, poderíamos estar a reabrir as escolas com os profissionais já todos com a dose de reforço e com a maioria das crianças já vacinadas com a segunda dose, seria muito mais seguro para elas e para a comunidade. Isso faria a diferença agora.

É por esse facto que a Ordem propôs a redução do intervalo da segunda toma da vacina para crianças dos 5 aos 11 anos para três a quatro semanas?
Essa redução permitiria que já tivéssemos crianças a fazer agora a segunda dose e a entrar na escola mais protegidas, mas não temos. Não vamos chorar sobre o leite derramado, mas é preciso continua a promover a vacinação. Esta ainda é a grande arma contra esta variante, porque ainda não chegámos ao pico desta onda epidémica. E na próxima semana, na abertura das aulas, é importante que se continue a promover a testagem intensiva na comunidade escolar para haver mais segurança. É preciso manter a vigilância e a monitorização apertadas nas escolas para se tentar evitar casos positivos que possam passar despercebidos.

Há mais alguma medida que deveria estar no pacote do governo e não está?
​​​​​​​Acho que se devia ter pensado em outras coisas que são importantes e não ouvimos falar, como dar capacidade ao SNS para dar resposta aos utentes. Ou seja, reforçar a capacidade de tudo que seja resposta a montante dos hospitais, como saúde pública, medicina familiar, linha SNS24, para se conseguir responder ao número de casos que estamos a ter, quer sejam 40 mil ou 60 mil. Depois, a redução do intervalo das vacinas nas crianças e o do período de isolamento para cinco dias, e não para sete como foi decidido.

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