Marcha-atrás. Plano sofre revés de duas semanas com suspensão da vacina
Um dia depois de garantirem que a vacina da Oxford/AstraZeneca podia continuar a ser administrada em segurança, as autoridades de saúde nacionais cederam ontem à onda de choque que atravessou praticamente toda a Europa e anunciaram, ao início da noite de ontem, que também Portugal suspende a utilização da vacina da farmacêutica anglo-sueca.
Assim, o dia que começou em tom de esperança pelo arranque do plano de desconfinamento terminou com mais um sinal de incerteza sobre o que ainda falta percorrer nesta pandemia. E mais um revés no plano de vacinação contra a covid-19, depois dos recorrentes atrasos nas entregas das vacinas ou das polémicas que levaram à troca de liderança na task force da vacinação.
"A interrupção temporária da administração da vacina da AstraZeneca tem por base o princípio de precaução em saúde pública", afirmou o presidente do Infarmed, Rui Ivo, numa conferência de imprensa em que estiveram também o coordenador da task force para a vacinação, Gouveia e Melo, e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas.
"A recomendação surge após terem sido conhecidos novos casos de reações adversas graves reportados por vários países europeus, apesar de não ter sido possível estabelecer causalidade entre os casos e a vacina", justificaram, num dia em que mais uma mão cheia de países, entre os quais Espanha, Alemanha, França ou Itália, anunciaram a suspensão da administração da vacina devido a episódios relatados de formação de coágulos sanguíneos em pessoas vacinadas.
A interrupção no uso da vacina anglo-sueca vai levar a que o plano nacional de vacinação sofra um "atraso de cerca de duas semanas", estendendo a primeira fase até final de abril, admitiu o vice-almirante Gouveia e Melo, anunciando desde logo que um efeito imediato é o "adiamento da vacinação de professores e pessoal não docente de estabelecimentos do pré-escolar e do primeiro ciclo", cujo arranque estava previsto para o próximo fim de semana. Em causa está a vacinação de cerca de 80 mil pessoas.
Agora, as autoridades de saúde nacionais ficam à espera de informações adicionais da Agência Europeia de Medicamento sobre a vacina da AstraZeneca. Até lá, esclarecem, "o processo de vacinação prosseguirá com outras vacinas e centrado no grupo etário das pessoas com 80 ou mais anos e nas pessoas com idade igual ou superior a 50 anos com uma das comorbilidades previstas para a fase 1 da vacinação".
"Caso esta situação que envolve a suspensão da vacina da AstraZeneca se prolongue, prevê-se que a fase 1 do Plano de Vacinação possa terminar na terceira semana de abril, retomando-se então a administração aos profissionais de educação", esclarecem.
Graça Freitas garantiu que as duas situações de trombose reportadas em Portugal não são semelhantes às identificadas em outros países e apelou à tranquilidade de quem já recebeu a primeira dose da vacina da AstraZeneca.
"Se foi vacinado, mantenha-se tranquilo. Estas reações são extremamente raras e no nosso país não foram reportados fenómenos semelhantes aos encontrados nos outros países", afirmou Graça Freitas, numa conferência de imprensa conjunta com a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) e com a `task force´ do plano de vacinação.
Mas também pediu atenção a eventuais sintomas de mau estar. "Sobretudo, se for acompanhado de nódoas negras ou hemorragias cutâneas". Neste momento, esclareceu, "não há ninguém em Portugal em condições de receber a segunda dose" - na vacina da AstraZeneca o intervalo entre doses é de 12 semanas. "Temos tempo de ter esta questão esclarecida e, quando for a altura da segunda dose, saber o que administrar".
Na Europa são já, pelo menos, 16 os países que suspenderam o uso da vacina, além de Portugal: Alemanha, Áustria, Bulgária, Dinamarca, França, Espanha, Estónia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega e Roménia
Entretanto, o comité de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a segurança de vacinas reúne-se esta terça-feira para discutir a vacina da AstraZeneca/Oxford, anunciou o diretor-geral.
Também a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) já anunciou que vai realizar uma reunião especial na quinta-feira para analisar esta situação, mas já adiantou que os benefícios da utilização da vacina superam os riscos conhecidos até aqui.
"Enquanto a investigação está em curso, a EMA continua a considerar que os benefícios da vacina AstraZeneca na prevenção da covid-19, com o risco associado de hospitalização e morte [devido à pandemia], superam os riscos de efeitos secundários", vinca o regulador europeu em nota de imprensa.
"Os eventos envolvendo coágulos de sangue, alguns com características invulgares como o baixo número de plaquetas, ocorreram num número muito reduzido de pessoas que receberam a vacina", contextualiza o regulador europeu, acrescentando que "o número de eventos tromboembólicos em geral nas pessoas vacinadas não parece ser superior ao verificado na população em geral".
Além disso, "muitos milhares de pessoas desenvolvem anualmente coágulos de sangue na UE, por diferentes razões", assinala.
* Com Lusa