Mais e melhores transportes são solução para cidades mais sustentáveis
Cerca de um quarto das emissões totais de dióxido de carbono (CO2) na União Europeia (UE) tiveram, em 2019, origem no setor dos transportes. Os dados da Agência Europeia do Ambiente são claros sobre a quota-parte de responsabilidade que cabe à rodovia, com 72% dos gases com efeito de estufa. No Dia Europeu Sem Carros, assinalado hoje, o desafio lançado à sociedade é para que troque o automóvel pela bicicleta ou pelo transporte público, incentivando à mobilidade sustentável. "Andar a pé tem sido muito esquecido, embora se tenha avançado um bocadinho nos percursos de bicicleta em Portugal", aponta ao DN João Farinha.
O professor de Urbanismo Sustentável na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-Nova) acredita, porém, que é preciso superar desafios que dificultam a adoção de soluções sustentáveis. Em particular, a qualidade dos transportes públicos.
"É preciso que tenhamos alternativas viáveis. Por exemplo, não se percebe porque é que a rede do Metro de Lisboa não é muito maior", afirma.
Apesar de reconhecer que a capital tem dado passos na direção certa, com a aposta na construção de ciclovias e na extensão do alcance do metropolitano, João Farinha diz ser preciso fazer mais.
"É preciso lideranças corajosas nas autarquias para conseguir estas mudanças. Há sempre reações de resistência e as lideranças têm medo de perder votos", critica.
Ainda assim, o especialista deposita esperança na "dinâmica positiva" criada pelo exemplo de outras cidades, que favorece uma competição saudável entre municípios para implementarem medidas que promovam a mobilidade sem impacto ambiental. O professor afirma que as pessoas acabarão por "decidir-se por algo mais amigo do ambiente" se tiverem alternativas ao automóvel "mais apelativas a nível de custo, segurança e tempo gasto".
Cunhado pelo urbanista Carlos Moreno, em 2016, o conceito da Cidade de 15 Minutos foi uma ideia que nasceu em Paris, onde dá aulas, como solução para diminuir o impacto ambiental das deslocações nas metrópoles.
O plano é simples - desenhar e planear as cidades de forma a garantir que a maioria das movimentações diárias dos cidadãos não demore mais do que 15 minutos. Isto implica, necessariamente, uma nova forma de olhar os hábitos de vida da generalidade das pessoas, que devem, de acordo com o termo, viver perto do seu local de trabalho, da escola e dos principais serviços de que precisam, como um balcão das finanças, uma agência bancária ou restaurante.
A capital francesa decidiu arriscar e implementou o conceito, mas não sem enfrentar duras críticas e a oposição de muitos parisienses.
"O conceito é bastante interessante porque liga dois grandes sistemas que, às vezes, estão de costas voltadas: o sistema de mobilidade e transportes, e o sistema urbano e das suas atividades", comenta João Farinha.
"Proximidade" é a palavra que mais importa em toda esta equação pela sustentabilidade. "Se pudermos aceder pela proximidade, em vez de o fazer pela mobilidade, eliminamos os gastos indesejados de energia e a poluição". Com melhores transportes públicos e passeios largos e com piso apropriado, seria possível a Portugal caminhar mais depressa em direção à redução da utilização do transporte individual, que ainda pesa muito no país. Aliás, segundo o Eurostat, em 2019 existiam 530 automóveis por cada 1000 habitantes, acima da média europeia de 520.
Carlos Moreno revelou, em várias intervenções públicas, que o uso do carro em Paris diminuiu e que os habitantes se têm demonstrado satisfeitos com a recuperação do espaço público para utilização pedonal. A pandemia foi, garante, um grande impulsionador da aplicabilidade do seu conceito, já que obrigou a repensar o modelo de trabalho. "A Cidade dos 15 Minutos é fantástica, temos é de ter a habilidade de a aplicar em Portugal", afiança.
Ainda antes do nascimento deste conceito, em 2015, já o projeto CicloExpresso procurava encontrar meios suaves para o transporte das crianças até às escolas. A ideia começou pela zona do Parque das Nações, em Lisboa, e rapidamente se estendeu a outras áreas da cidade.
"A modalidade mais habitual é um comboio que acontece uma vez por semana, mas também já tivemos casos de comboios diários", explica Luís Vieira, responsável da cooperativa BiciCultura, que gere a iniciativa.
O objetivo passa por "lançar o bichinho" da bicicleta nas famílias, que podem inscrever as crianças de forma gratuita. As deslocações, sublinha Luís Vieira, são seguras e sempre acompanhadas por um ou mais "maquinistas" adultos, que recebem formação adequada para se relacionarem com os mais novos e para implementar as medidas de proteção necessárias.
O financiamento do projeto cabe às autarquias, como a de Lisboa, que subiu a bordo em 2019. Mas para que fosse possível alargar o projeto a outras regiões do país, a BiciCultura conquistou o apoio do Fundo+Plus, da Casa do Impacto, e está neste momento a preparar a chegada a cinco novas cidades. "O programa promove o uso intensivo da bicicleta pelas crianças", diz Luís Vieira, que espera continuar a ver o movimento a crescer.