Mais de 150 docentes exigem à Universidade de Coimbra posição contra guerra em Gaza
Cento e sessenta e dois professores e investigadores da Universidade de Coimbra (UC) exigem à reitoria daquela instituição, num abaixo-assinado, que tome uma posição contra a guerra em Gaza e que defenda um cessar-fogo imediato.
O abaixo-assinado enviado à agência Lusa e entregue na quinta-feira à tarde ao reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, inclui assinaturas de 162 investigadores e professores, incluindo vários catedráticos e docentes associados de quase todas as faculdades da instituição.
Os subscritores pedem que o reitor tome "todas as providências necessárias para que a voz da UC se junte a todos os que denunciam os crimes de guerra e contra a humanidade perpetrados em Gaza" e defendem um "cessar-fogo imediato que permita a libertação de todos os reféns e a abertura de caminhos que permitam uma paz duradoura para os povos da região, incluindo o reconhecimento do Estado da Palestina".
No documento, docentes e investigadores apelam também à reitoria para que acabe com "a sua cooperação científica e tecnológica com as entidades que sirvam, direta ou indiretamente, fins contrários a valores como são o da dignidade humana, o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à não-discriminação de qualquer natureza".
No abaixo-assinado, dão o exemplo do Conselho de Reitores das Universidades Espanholas, que representa 77 instituições de ensino superior, que decidiu suspender os acordos de colaboração com universidades e centros de investigação israelitas que não tenham expressado "um firme compromisso com a paz e o cumprimento do direito internacional humanitário".
Ainda no campo da colaboração, os docentes e investigadores defendem ainda que a Universidade de Coimbra deve "dinamizar todos os canais de cooperação universitária com a rede de ensino superior da Palestina".
No documento, os subscritores recordam que várias universidades já tomaram uma posição em favor do reconhecimento do Estado da Palestina e de corte de relações com congéneres israelitas "que se revelam contrárias aos princípios de direito internacional e comunitário".
Entre elas, estão algumas "de grande prestígio internacional" como o Trinity College (Irlanda), a Universidade de Bergen (Noruega), a Universidade Livre de Bruxelas ou a Universidade de Ghent (Bélgica).
"Como docentes, investigadores e investigadoras da Universidade de Coimbra, expressamos a nossa solidariedade com o povo palestiniano e o nosso repúdio pelo genocídio em curso em Gaza", vincam os subscritores, condenando a ação do Governo israelita de uma "defesa sem limites, na sequência da ação inqualificável de eliminação e de detenção como reféns de civis israelitas inocentes".
Através do documento, realçam que Israel ataca "deliberada e sistematicamente alvos civis, o que já resultou na morte de mais de 36.000 pessoas palestinianas, de jornalistas e médicos no exercício da sua profissão".
"É um genocídio, o que está a acontecer em Gaza", asseveram.
Estudantes acampados há quase um mês
O abaixo-assinado é entregue quando faz quase um mês que vários estudantes estão acampados junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra para exigir um posicionamento claro da reitoria contra a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza e fim de acordos com instituições israelitas.
A "Acampada Estudantil pelo Fim ao Genocídio em Curso na Palestina" começou em 21 de maio, mobilizando dezenas de estudantes, que se vão revezando, e, mesmo em altura de exames, asseguram que não está nos seus planos qualquer tipo de desmobilização.
Os estudantes exigem que a reitoria da Universidade de Coimbra assuma um posicionamento por um cessar-fogo imediato e permanente no território palestiniano, o hastear da bandeira da Palestina na torre da universidade e o fim de todos os programas ou acordos com empresas, instituições e universidades israelitas, assim como a recusa de qualquer financiamento em currículo académico pelo Estado de Israel.
Universidade diz que acompanhará posição do Governo
A Universidade de Coimbra (UC) afirmou entretanto que acompanhará sempre o posicionamento da República Portuguesa face à ofensiva israelita em Gaza.
"A Universidade de Coimbra está sempre em linha com o Direito Internacional Público e acompanhará sempre o posicionamento da República portuguesa", afirmou hoje a reitoria.
Na resposta à Lusa, a Universidade de Coimbra não faz qualquer referência a um apelo a um cessar-fogo imediato e permanente no território palestiniano ocupado, nem responde à pergunta sobre o porquê de não hastear a bandeira da Palestina na torre da UC, quando, no passado, o mesmo monumento apresentou as cores da bandeira ucraniana, numa alusão à invasão russa.
Questionada sobre se estaria a ser ponderado o fim de programas com instituições israelitas que possam estar associadas com a ofensiva em Gaza, a UC referiu que "distingue os povos dos regimes ou de governos".
A Universidade de Coimbra, "salvo em circunstâncias excecionais, tem a responsabilidade de manter e reforçar pontes de diálogo e de tolerância entre os povos, em especial quando o mundo político ergue muros", afirmou a reitoria, que em 2023 cessou o contrato com um professor russo acusado de ligações com o Kremlin, sem ter associado ao processo qualquer documento comprovativo das alegações veiculadas.
Para a UC, a necessidade de diálogo materializa-se "na existência de acordos com universidades palestinianas e israelitas, bem como no facto de estudantes palestinianos e israelitas frequentarem a UC".
Questionada sobre as afirmações de estudantes da acampada que referiam que a segurança tinha sido reforçada junto ao local, a reitoria afirmou que os "reforços pontuais de segurança" estiveram ligados às exigências da organização do arranque oficial das comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, que contou com a presença do Presidente da República.
"Como espaço de liberdade, igualdade e diálogo, valores basilares da sua matriz identitária, a reitoria da Universidade de Coimbra reuniu (por 3 vezes) com os estudantes da acampada", acrescentou.
Na resposta à Lusa, a reitoria optou por não responder a várias questões, nomeadamente se condenava a ofensiva israelita em Gaza, tal como o tinha feito em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia, ou se promoveu ou se se associou a alguma iniciativa de recolha de donativos para apoiar os afetados pela guerra em Gaza, tal como o fez em relação à ajuda ao povo ucraniano.