As acusações de António Leitão Amaro, ministro da Presidência, surgiram no final do Conselho de Ministros de quinta-feira: “Não é muito conhecido, mas Portugal tem o segundo pior desempenho ao nível do número por quilómetro de ferrovia de acidentes que ocorrem” e, por isso, o Governo vai reforçar “as medidas de contraordenação para os maquinistas deste transporte ferroviário, criando uma proibição de condução sob o efeito de álcool”..Mas os dados do último relatório do Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT) não confirmam o ministro. De acordo com o Relatório Anual de Segurança Ferroviária (publicado em setembro, utiliza dados de 2023), houve, no ano passado, 90 vítimas em acidentes ferroviários. Destas, 54 morreram (um aumento de 26% face a 2022). Ainda de acordo com o documento, 22 pessoas foram colhidas, houve 41 tentativas de suicídio e 11 colisões em passagens de nível..Em relação aos “precursores de acidentes”, o relatório aponta 92 causas, divididas da seguinte forma: 38 aconteceram por deformações na via, 30 por carris partidos e 24 acidentes foram causados por desrespeito pela sinalização..Na categoria “outros precursores de acidente” são contabilizados zero incidentes. Nenhumas foram também as contraordenações aplicadas pela Autoridade Nacional de Segurança Ferroviária..O DN pediu ainda informações ao gabinete do ministro da Presidência sobre os dados citados no briefing, mas não obteve resposta..António Domingues, presidente do Sindicato Nacional dos Maquinistas (Smaq), afirma ao DN que o ministro “fez uma ligação que não devia ter feito, relacionando as questões de álcool com o ranking português na questão da segurança ferroviária, quando uma coisa não está ligada com a outra”. Os principais incidentes têm, sobretudo, “a ver com infraestrutura e com questões que também dizem respeito à tutela”, como falta de condições nas linhas ou o risco de desmoronamento de algumas barreiras. .De acordo com o dirigente, “a profissão de maquinista é das mais escrutinadas”. Com um limite legal de 0,2 gramas de álcool por litro de sangue, os maquinistas, explica António Domingues, “são submetidos a controlos aleatórios”..“Há sempre funcionários da Medicina do Trabalho prontos a testar os maquinistas, que nunca sabem quando serão sujeitos a testes”, afirma. E acrescenta, ainda, que as consequências, em caso de condução de comboios sob o efeito de álcool, são severas, sendo-lhes instaurados “processos disciplinares que podem resultar em despedimento”..“Por isso é que não se percebem [as declarações de António Leitão Amaro]”, alega o presidente do Smaq, acusando ainda o ministro de não perceber “nada daquilo que estava a dizer” e de ter causado “um dano enorme a uma classe profissional”. Isto apesar de Leitão Amaro, na mesma conferência de imprensa, ter dito que Portugal está “numa das piores situações em termos de nível de acidentes, tendo o quadro contraordenacional mais leve e mais baixo da Europa”..Depois das declarações do ministro, o sindicato - que representa cerca de 1000 maquinistas - enviou uma mensagem a Leitão Amaro, pedindo que “se retrate publicamente e corrija as suas declarações”..Esta sexta-feira, a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) repudiou também as declarações de Leitão Amaro. “Sem argumentos, tentou passar a ideia de que os acidentes ferroviários têm de ser combatidos com o agravamento das contraordenações dos ‘maquinistas que conduzam sob o efeito de álcool’”, aponta a estrutura sindical, numa nota citada pela Lusa..Segundo a Fectrans, o Governo deve um pedido de desculpas aos ferroviários e que as declarações do ministro da Presidência transmitem para a opinião pública uma ideia de insegurança “que não tem qualquer fundamento e é ofensiva” para os maquinistas..O sindicato anunciou ainda que pediu uma reunião ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, para que o Executivo torne públicos os dados citados por Leitão Amaro.