Muitos imigrantes de Arroios e outras partes do país estão impedidos de aceder ao documento.
Muitos imigrantes de Arroios e outras partes do país estão impedidos de aceder ao documento.Paulo Spranger / Global Imagens

Junta de Arroios não volta atrás na emissão de atestados a imigrantes, mesmo sob pressão

Um novo parecer da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) defende que juntas emitam atestados e a Provedoria de Justiça está a analisar o caso. Porém nada fez com que algumas destas entidades mudem de posição.
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Governo, partidos políticos, grupo de profissionais de saúde, associações de imigrantes e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE): estas são algumas das entidades que defendem a emissão do atestado de morada aos imigrantes que vivem no país. Mas nenhuma das entidades pode obrigar as juntas de freguesia a passar o documento, mesmo que não exista nenhum impedimento legal que as impeça. 

Passados mais de 20 dias depois de o DN revelar a situação em Arroios e outras juntas aumentam as entidades em defesa dos direitos dos cidadãos estrangeiros. Porém, parece não haver quem convença algumas juntas de freguesia a mudar de ideias, como é o caso de Arroios, que mantém a posição de não emitir os atestados aos imigrantes sem título de residência, confirmou o DN junto de Carlos Rêgo, assessor da autarca, Madalena Natividade. Rêgo nega ter recebido um parecer da ANAFRE, diz ser apenas uma “informação”, apesar de assinada pelo gabinete jurídico da associação.

O assessor diz que um “verdadeiro parecer” é o da Direção-Geral das Autarquias (DGAL), que, segundo Rêgo, defende a necessidade do título de residência para obter o atestado. O DN tentou obter um esclarecimento da DGAL, mas não obteve resposta.

Jorge Veloso, presidente da ANAFRE, afirma ao DN que “não pode obrigar” as juntas a mudarem de ideias, mas que “gostava muito que aceitassem” o parecer da associação que lidera. De acordo com Veloso, as juntas de freguesia não possuem competência para julgar processos, mas sim para realizar atos administrativos, como é a emissão do atestado de morada. “O que está em causa é a prova da residência e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal que as juntas de freguesia não dispõem”, afirma um parecer do gabinete jurídico da entidade. O documento foi enviado mais uma vez a todas as autarquias.

A recusa de algumas juntas pelo país em fornecer o documento origina uma série de constrangimentos e impacto direto na vida dos imigrantes que querem começar a sua vida cá, mas também dos que já moram e pagam impostos em Portugal. 

Foi o que aconteceu com a brasileira Luize Mourele, a morar em Coimbra há dois anos e que está a aguardar o título de residência, solicitado no final de 2022. A necessidade do atestado de morada emitido pela junta de freguesia começou por ser necessário diante de outro entrave burocrático: mesmo com um contrato de arrendamento em seu nome, a escola não aceitou o atestado para o processo de equivalência das habilitações literárias.

Luize, de 27 anos, começou uma desgastante peregrinação nos órgãos públicos e escolas de Coimbra procurando resolver o problema.
A urgência tinha uma justificação: um prazo para inscrição em um curso no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) que a vai ajudar na carreira. Luize é formada em assistência social pela Universidade de Brasília (UNB), mas ainda não conseguiu uma colocação na área em Portugal. Diante de muita insistência, idas e vindas, a jovem conseguiu solicitar a equivalência. “A secretária simpatizou comigo, pelo meu desespero”, desabafa. 

Diversas associações de apoio a imigrantes, como a Casa do Brasil, além de profissionais que atuam na área, assumem publicamente que a disparidade nas regras do atendimento público em Portugal é um dos principais entraves na integração dos imigrantes. O último relatório anual da Provedoria de Justiça destaca todo o segundo capítulo sobre a “falta de articulação entre os serviços públicos”. A avaliação da provedora é que “obsta a regular tramitação dos procedimentos a dificuldade de os serviços públicos agirem concertadamente”.

A Provedoria ainda acusa o serviço público de “contradições, falta de concertação e diálogo”. O mesmo relatório dá destaque a outros dois problemas da Administração Pública: morosidade e problemas de comunicação. Novamente, as questões entrelaçam-se e criam mais entraves. Para citar novamente o caso de Luize, se o título de residência, solicitado em 2022, já tivesse sido emitido, a imigrante não teria problemas em obter a equivalência das habilitações literárias. 

A própria Provedoria de Justiça recebeu duas queixas sobre a questão dos atestados de morada, mas ainda está a analisar a situação, informou ao DN fonte oficial. O mesmo órgão possui um parecer que responde à situação semelhante em 2007, em que recomenda que o atestado de morada seja fornecido, como determina a lei, de testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores e declaração do requerente. A recomendação final foi de que “sejam alterados os procedimentos conducentes à emissão de atestado de residência a favor de cidadãos estrangeiros residentes na freguesia da Ericeira, na estrita observância do regime legal em vigor nesta matéria”. O provedor da época, H. Nascimento Rodrigues, classificou como “extravagantes” as demais exigências para obter o documento.

Na altura, já havia também a justificação de falsas declarações, a mesma utilizada pela Junta de Arroios. No entanto, o poder local não possui poderes legais para tal. “A intervenção que as autarquias locais são chamadas a desempenhar nesta matéria assenta, única e exclusivamente, na capacidade, àquelas legalmente reconhecida, de atestar factos e não situações jurídicas (como a da regularidade da permanência em Portugal)”. O parecer é semelhante à conclusão do gabinete jurídico da ANAFRE. “O que está em causa é a prova da residência e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal de que as juntas de freguesia não dispõem”, explica a entidade. 

amanda.lima@globalmediagroup.pt

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