Governo, partidos políticos, grupo de profissionais de saúde, associações de imigrantes e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE): estas são algumas das entidades que defendem a emissão do atestado de morada aos imigrantes que vivem no país. Mas nenhuma das entidades pode obrigar as juntas de freguesia a passar o documento, mesmo que não exista nenhum impedimento legal que as impeça. .Passados mais de 20 dias depois de o DN revelar a situação em Arroios e outras juntas aumentam as entidades em defesa dos direitos dos cidadãos estrangeiros. Porém, parece não haver quem convença algumas juntas de freguesia a mudar de ideias, como é o caso de Arroios, que mantém a posição de não emitir os atestados aos imigrantes sem título de residência, confirmou o DN junto de Carlos Rêgo, assessor da autarca, Madalena Natividade. Rêgo nega ter recebido um parecer da ANAFRE, diz ser apenas uma “informação”, apesar de assinada pelo gabinete jurídico da associação..O assessor diz que um “verdadeiro parecer” é o da Direção-Geral das Autarquias (DGAL), que, segundo Rêgo, defende a necessidade do título de residência para obter o atestado. O DN tentou obter um esclarecimento da DGAL, mas não obteve resposta..Jorge Veloso, presidente da ANAFRE, afirma ao DN que “não pode obrigar” as juntas a mudarem de ideias, mas que “gostava muito que aceitassem” o parecer da associação que lidera. De acordo com Veloso, as juntas de freguesia não possuem competência para julgar processos, mas sim para realizar atos administrativos, como é a emissão do atestado de morada. “O que está em causa é a prova da residência e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal que as juntas de freguesia não dispõem”, afirma um parecer do gabinete jurídico da entidade. O documento foi enviado mais uma vez a todas as autarquias..A recusa de algumas juntas pelo país em fornecer o documento origina uma série de constrangimentos e impacto direto na vida dos imigrantes que querem começar a sua vida cá, mas também dos que já moram e pagam impostos em Portugal. .Foi o que aconteceu com a brasileira Luize Mourele, a morar em Coimbra há dois anos e que está a aguardar o título de residência, solicitado no final de 2022. A necessidade do atestado de morada emitido pela junta de freguesia começou por ser necessário diante de outro entrave burocrático: mesmo com um contrato de arrendamento em seu nome, a escola não aceitou o atestado para o processo de equivalência das habilitações literárias..Luize, de 27 anos, começou uma desgastante peregrinação nos órgãos públicos e escolas de Coimbra procurando resolver o problema. A urgência tinha uma justificação: um prazo para inscrição em um curso no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) que a vai ajudar na carreira. Luize é formada em assistência social pela Universidade de Brasília (UNB), mas ainda não conseguiu uma colocação na área em Portugal. Diante de muita insistência, idas e vindas, a jovem conseguiu solicitar a equivalência. “A secretária simpatizou comigo, pelo meu desespero”, desabafa. .Diversas associações de apoio a imigrantes, como a Casa do Brasil, além de profissionais que atuam na área, assumem publicamente que a disparidade nas regras do atendimento público em Portugal é um dos principais entraves na integração dos imigrantes. O último relatório anual da Provedoria de Justiça destaca todo o segundo capítulo sobre a “falta de articulação entre os serviços públicos”. A avaliação da provedora é que “obsta a regular tramitação dos procedimentos a dificuldade de os serviços públicos agirem concertadamente”..A Provedoria ainda acusa o serviço público de “contradições, falta de concertação e diálogo”. O mesmo relatório dá destaque a outros dois problemas da Administração Pública: morosidade e problemas de comunicação. Novamente, as questões entrelaçam-se e criam mais entraves. Para citar novamente o caso de Luize, se o título de residência, solicitado em 2022, já tivesse sido emitido, a imigrante não teria problemas em obter a equivalência das habilitações literárias. .A própria Provedoria de Justiça recebeu duas queixas sobre a questão dos atestados de morada, mas ainda está a analisar a situação, informou ao DN fonte oficial. O mesmo órgão possui um parecer que responde à situação semelhante em 2007, em que recomenda que o atestado de morada seja fornecido, como determina a lei, de testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores e declaração do requerente. A recomendação final foi de que “sejam alterados os procedimentos conducentes à emissão de atestado de residência a favor de cidadãos estrangeiros residentes na freguesia da Ericeira, na estrita observância do regime legal em vigor nesta matéria”. O provedor da época, H. Nascimento Rodrigues, classificou como “extravagantes” as demais exigências para obter o documento..Na altura, já havia também a justificação de falsas declarações, a mesma utilizada pela Junta de Arroios. No entanto, o poder local não possui poderes legais para tal. “A intervenção que as autarquias locais são chamadas a desempenhar nesta matéria assenta, única e exclusivamente, na capacidade, àquelas legalmente reconhecida, de atestar factos e não situações jurídicas (como a da regularidade da permanência em Portugal)”. O parecer é semelhante à conclusão do gabinete jurídico da ANAFRE. “O que está em causa é a prova da residência e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal de que as juntas de freguesia não dispõem”, explica a entidade. .amanda.lima@globalmediagroup.pt