Operação Marquês. Sócrates recusa existência de influência no TGV para beneficiar Grupo Lena
FOTO: Leonardo Negrão

Operação Marquês. Sócrates recusa existência de influência no TGV para beneficiar Grupo Lena

Acompanhe aqui a sétima sessão do julgamento da Operação Marquês. Contactos entre o antigo primeiro-ministro e o antigo banqueiro estão na ordem das perguntas do Ministério Público.
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Sessão interrompida até quinta-feira. Grupo Lena continua em cima da mesa, com TGV e casas da Venezuela

Sócrates promete estar preparado para Vale de Lobo depois. Por agora, o Grupo Lena e os temas que deste irradiam, como o TGV, o concurso Rede Ferroviária de Alta Velocidade (RAVE) e as atas do júri, que motivaram várias divergências entre a juíza e os procuradores, vão estar na ordem do dia.

Antes do final, ainda confrontado por perguntas apresentadas por Rómulo Mateus, Sócrates chegou mesmo a irritar-se, tal como acontecera no dia anterior.

"Parece uma questão abordada por criança", disse o arguido ao procurador do Ministério Público, acusando Rómulo Mateus de estar "sempre a colocar a questão tendo subjacente uma opinião política".

O representante do Ministério Público tinha perguntado ao antigo governante se tinha consciência do risco para o contribuinte perante o agravamento da situação financeira.

Para provar que estava consciente, Sócrates considerou que "o erro de toda a europa foi não ter feito nada e ter seguido a política de austeridade que nos conduziu à desgraça".

"Precisávamos de emprego, de crescimento económico", explicou o arguido, justificando a sua decisão para o concurso da alta velocidade.

José Sócrates defendeu a estratégia americana perante a crise, explicando que "os EUA seguiram uma política de espansão monetária".

Por oposição, criticou, "na Europa, em 2008, seguimos uma política de austeridade até 2015".

"Foi catastrófico por qualquer ponto de vista", apontou, antes de concluir com a ideia de que nunca esteve "de acordo com apolítica de austeriadade", que foi "catastrófica".

Face à pergunta do procurador, Sócrates, argumetando que tinha sido convidado a dar uma resposta política, acrescentou a Rómulo Mateus: "Acho que tem de se candidatar ao Parlamento."

Sócrates, sobre o TGV, acusa MP de "sustentar uma  acusação criminal numa opção política"

Sócrates volta a responder sobre a construção da linha de lata velocidade e diz que o Ministério Público está a forçar a acusação com ideia de que o antigo governante condicionou a obra para que o Tribunal de Contas chumbasse o projeto e, por essa via, o Grupo Lena recebesse uma indemnização.

Nesta fase, o embate entre o procurador e a juíza também continua, com Rómulo Mateus a questionar o arguido sobre "qual é a viabilidade de um troço que não deixa um eixo completo" − troço Poceirão-Caia, que não permite a ligação Lisboa-Madrid − e Susana Seca argumentar que "quem poderá explicar inviabilidade financeira são os auditores".

Nesta discussão, Sócrates diz que "o ministério público baseia uma acusação criminal numa opção política" e explica que o troço Poceirão-Lisboa, que permitiria concluir a a ligação Lisboa-Madrid, nunca foi abandonado. Por isto, sustenta o antigo primeiro-ministro, o Ministério Público está a criticar o "voluntarismo que ia esbarrar com um problema económico e financeiro".

"A acusação diz que eu queria que o processo fosse chumbado no Tribunal de Contas", considerou Sócrates, acrescentando que a ideia dos procuradores é "que o processo fosse chumbado para que a empresa Lena recebesse uma indeminização".

"Isto é uma discussão política, não tem a ver com nenhum aspeto criminal", insistiu, justificando que o troço Poceirão-Caia nunca foi abandonado, apenas adiado.

"Não lançámos esse concurso porque era pesado", continuou o arguido, complementando com a ideia de que a intenção era esperar um ou dois anos para acrescentar esse troço.

E narrativa de uma “certa direita”, concluiu José Sócrates.

Sessão retomada. Sócrates questionado sobre ligações com a Venezuela 

Com os trabalhos retomados, o procurador Rómulo Mateus questionou Sócrates sobre "fundos para pagamentos especiais" na Venezuela, explicando depois que se trataríam de fundo soberanos.

"Não faço ideia de como isso se passava", garantiu o arguido, para quem só era evidente que "o governo da Venezuela estava a dever dinheiro a empresas portuguesas".

Com esta indicação, Sócrates acrescentou que sempre teve "uma boa relação com o presidente [Nicolás] Maduro", que era ministro dos Negócios Estrangeiros no tempo de Chávez, com quem não fala, garante, desde o momento em que o atual presidente da Venezuela tomou posse.

Rómulo Mateus voltou a questionar o arguido sobre os fundos, desta vez alundindo a uma conversa entre o ex-presidente da Octapharma, Paulo Castro e José Sócrates, onde são referidos os fundos.

Na conversa, cuja gravação foi reproduzida no tribunal, Sócrates refere um jantar que tinha marcado com Temir Porras − e que não terá acontecido, de acordo com o arguido −, que é descrito como um braço direito de Maduro.

Questionado, durante a chamada, por Paulo Castro, sobre que pasta tinha Temir Porras, José Sócrates enfatiza a resposta: "Não sabe como funciona aquele país [...] ele tem a pasta fundamental, que é o dinheiro dos fundos."

Depois, questionado por Rómulo Mateus sobre que fundos eram aqueles, Sócrates lembrou apenas que em 2013 "exercia funções na Octapharma para a América Latina e era muito natural que falasse com o presidente". Sobre os fundos, disse que eram "fundos financeiros".

Sessão interrompida para almoço. Depois, Sócrates será confrontado com ligações do Grupo Lena com a Venezuela

Depois de Rómulo Mateus pedir para ouvir uma conversa entre Sócrates e Temir Porras, que era, em 2014, chefe de gabinete do responsável pela diplomacia venezuelana, a juíza interrompeu os trabalhos, para que o tema seja retomado às 14.30.

Respostas "imprecisas" de Sócrates levam à autorização da reprodução da conversa do antigo PM com Manuel Vicente

Para explicar as ligações entre o Grupo Lena e Angola, Sócrates dissera que "dois dirigentes da empresa Lena, em 2009, estiveram num jantar comício em Leiria", que o apoiaram pessoalmente.

"Nesse seguimento, tendo sido referido que eles tinham uma obra em Angola, em que não lhes pagavam, e que já tinha sido executada, queriam que alguém intercedesse junto do Governo angolano de forma a que pudessem ser recebidos. Telefonei a Manuel Vicente” − vice-presidente de Angola entre 2012 e 2017 −, explicou o arguido.

Com o argumento de que as respostas de José Sócrates foram "imprecisas" sobre esta matéria, Rómulo Mateus insistiu para que a gravação da conversa fosse ouvida na audiência, o que aconteceu.

José Sócrates começa por devolver uma chamada que lhe tinha sido feita, que foi parar ao gabinete de Manuel Vicente.

Sócrates pede ao ex-vice-presidente angolano que receba "umas pessoas" que, explicou, gostaria "de lhe recomendar".

"Umas pessoas que são minhas amigas, a quem devo muitas atenções", detalhou.

Manuel Vicente acabou por sugerir que essa conversa acontecesse em outubro de 2013, mas, depois de uma referência à participação do antigo governate angolano na Assembleia das Nações Unidas, que aconteceria pouco tempo depois em Nova Iorque, Sócrates propôs que se encontrassem lá.

"Quero agradecer do fundo do coração a sua amabilidade", rematou José Sócrates.

Depois, questionado por Rómulo MAtues sobre há quanto tempo é que devia "atenções", José Sócrates disse ser "muito claro" que devia atenções a quem o "apoiou na campanha eleitoral".

O antigo governante criticou o procurador por "esta ideia de ver maldade na expressão" de "sincera cordialidade nas relações nas pessoas", e ainda acrescentou que é uma "mentalidade" que pensava não existir "na nossa sociedade".

Interrogado pela juíza sobre se esta intermediação visava o reconhecimento do Grupo Lena, Sócrates garantiu apenas que nunca recebeu dinheiro e nunca se dedicou ao lobbying.

"Fico espantado quando alguém faz acusações", concluiu.

Rómulo Mateus ainda questionou José Sócrates sobre se naquela altura, em 2013, havia dificuldade de exportar divisas a partir de Angola.

Garantindo que fazia ideia, o arguido disse apenas que "a empresa Lena queria falar ao Governo numa situação em que se achava devedora".

Rómulo Mateus ainda apontou alguma "pressa" no encontro entre Sócrates e Manuel Vicente, por ter sugerido como palco desse momento Nova Iorque, mas o arguido só argumentou: "Essa pressa só existe no espírito do senhor procurador."

Crispação leva a que a juíza interrompa trabalhos

Tendo em conta as reservas evocadas por Sócrates para que não sejam reproduzidas conversas privadas, a juíza Susana Seca, apesar de dizer que as "interseções telefónicas" fazem parte do auto e ilustram um facto da acusação, compreende o desconforto do arguido e pede que os trabalhos sejam interrompidos.

A sessão é retomada 20 minutos depois.

No processo de internacionalização de empresas, Grupo Lena não foi "prejudicado nem beneficiado", garante Sócrates

O procurador Rómulo Mateus questionou José Sócrates sobre se, no esforço de desenvolver políticas de internacionalização para o setor empresarial utilizou os contactos para promover grupos no estrangeiro.

Depois de uma resposta que o representante do MP considerou "monocórdica", portanto, um "sim", José Sócrates esclareceu que procurou "pôr a diplomacia ao serviço das exportações portuguesas" e que "todas as embaixadas tinham orientações para dedicarem atenção" a este processo.

"Todas as relações internacionais que eu próprio desenvolvia tinham essa preocupação", completou, acabando por referir as relações com a América Latina, "com o Brasil e mais tarde, a partir de 2009, com a Venezuela".

O antigo primeiro-ministro acabou por garantir que o Grupo Lena não foi prejudicado nem beneficiado neste processo, respondendo a uma pergunta lançada pelo procurador nesse sentido.

Depois de Sócrates lembrar a crise financeira de 2008, motivada pela falência do Lehman Brothers, o arguido disse que a obrigação de uma Governo nestas circunstância era não "dormir".

Depois de dizer que quando foi à Venezuela, em 2007, já havia empresas portuguesas a trabahar naquele território, como a Teixeira Duarte, Rómulo Mateus recordou "que José Sócrates apontou uma diminuição das adjudicações do grupo Lena [enquanto era primeiro-ministro] e isso, admito eu, tem a ver com uma crise gravíssima na construção civil", apontou.

Mais tarde, um momento de exaltação, depois de Rómulo Mateus ter assinalado a disponibilidade demonstrada pelo arguido em mostrar uma lista de empresas que tinha ajudado já depois de ter deixado as funções de primeiro-ministro, levou a que José Sócrates tivesse acusado o MP de estar a fazer "pornografia", por querer ouvir escutas telefónicas, tal como tinha feito na sessão desta segunda-feira.

"Não prometi entregar lista nenhuma e não vou entregar lista nenhuma. Não vou andar a divulgar a vida das empresas junto do Ministério Público ou de estranhos. Isso não é matéria que se peça a ninguém. Fiz isso por muitas empresas, mas naturalmente as empresas não me autorizaram. Fiz isso no estreito cumprimento daquilo que considero serem os deveres de um antigo primeiro-ministro."

"O que o senhor procurador quer é a pornografia, ao expor a conversa entre as duas pessoas", disse o arguido, depois de ter sido confrontado com a possibilidade de ser ouvida uma conversa com Manuel Vicente, o antigo presidente do conselho de administração da Sonangol e antigo vice-presidente de Angola.

“O que o procurador deseja é exibir a pornografia da conversa de duas pessoas. O que já fez ontem com a escuta [da conversa] com Fernanda Câncio foi humilhar”, acusou.

MP insiste na localização de Sócrates junto à casa de Ricardo Salgado na noite do alegado jantar

Os procuradores do Ministério Público apresentaram um registo da localização das chamadas de José Sócrates na noite em que acreditam que o arguido foi jantar a casa de Ricardo Salgado.

O procurador Rui Leal não especifica o número de chamadas, mas José Sócrates tenta interpretar a informação sobre a localização e o número de chamadas dessa noite, em que alega ter ido a casa do antigo banqueiro só por meia hora e sem ter jantado.

"Saí para ir jantar, mas passei o tempo a fazer chamadas?", questiona, acrescentando ainda: "Passei entre as 20.50 e as 23 horas a fazer 20 chamadas?"

Rui Leal esclarece o arguido referindo que o que está em causa tanto podem ser chamadas por outro tipo de contactos, entre SMS e chamadas não atendidas.

Os presentes na audiência referem dificuldades em interpretar o texto relativo ao registo destas comunicações, pelo que o MP acaba por sugrir que seja um órgão de polícia criminal a traduzir o documento, para que possa ser entendido por "leigos".

Sócrates queria ir a Vale do Lobo, mas sessão começa com contactos de Ricardo Salgado

A sessão desta quarta.feira do julgamento em torno da Operação Marquês já começou. José Sócrates, à entrada, disse que esperava "ir a Vale do Lobo, mas primeiro vamos ouvir o que diz o Ministério Público".

Retomando as perguntas que os procuradores tinham apontado na sessão anterior como tendo ficado por esclarecer noutras sessões, o antigo primeiro-ministro começou a ser questionado sobre contactos telefónicos de Ricardo Salgado.

De acordo com o procurador Rui Leal e com base no "auto de busca de apreensão do telemóvel", que permitiu ter acesso ao equipamento do ex-primeiro-ministro, a 24 de março de 2014 José Sócrates "tinha dois contactos de Ricardo Salgado", que o antigo governante não consegue explicar.

"A minha memória indica que não tinha contacto de Ricardo Salgado", garantiu José Sócrates, acrescentando que nunca lhe ligou nos anos em que esteve em Paris.

"Estive sob escuta desde 2013, um ano antes disto", lembrou.

"Só lhe liguei quando foi constituído arguido e para lhe expressar uma palavra de ânimo", assegurou, antes de dizer ao tribual que todos os contactos com o antigo presidente do Grupo Espírito Santo antes desse eram feitos por intermédio da sua secretária.

O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, volta esta quarta-feira, 3 de setembro, ao tribunal para prestar declarações no âmbito do processo da Operação Marquês. Na audição de terça-feira, 2, o antigo primeiro-ministro afirmou que o Governo de Passos Coelho ficou com um empréstimo destinado à linha de alta velocidade depois de o Tribunal de Contas ter chumbado o projeto.

Operação Marquês. Sócrates recusa existência de influência no TGV para beneficiar Grupo Lena
Da motivação política da acusação ao ano sabático em Paris, Sócrates ataca MP

Segundo a juíza Susana Seca será retomado o tema do grupo Lena, que durante a sessão José Sócrates disse querer esclarecer.

José Sócrates, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) - ligado ao BES, à data acionista da PT - e o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.

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