Conta um seu antigo aluno que, certo dia, em aula, alguém perguntou a Jorge Borges de Macedo por que razão usava poucas notas de rodapé nos seus textos, ao contrário do que é habitual em trabalhos académicos. A resposta não se fez esperar: "As notas de rodapé são os andaimes. Quando a obra está terminada, estes devem ser retirados." Autor de uma vastíssima bibliografia - ao todo são mais de 500 títulos repartidos entre livros, artigos ou conferências - Jorge Borges de Macedo, nascido em Lisboa, a 3 de março de 1921, filho de José de Macedo, secretário-geral do Partido Republicano Radical, foi, com Joel Serrão e Vitorino Magalhães Godinho, um dos jovens historiadores que, no pós-Segunda Guerra Mundial, começaram a pôr em causa alguns dos pressupostos oitocentistas em que a historiografia portuguesa ainda era pródiga..Para Álvaro Costa de Matos, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, seu antigo aluno e mais tarde, assistente: "O centenário do nascimento é um bom pretexto para voltarmos a falar da obra historiográfica dele, alguma marcada por uma grande atualidade. Em Borges de Macedo é sempre de destacar a inovação hermenêutica, o recurso a novas fontes e uma preferência clara pela problematização." E dá como exemplo o livro O Bloqueio Continental: "Ele desmonta os supostos efeitos negativos do Bloqueio Continental imposto por Napoleão no princípio do século XIX, contrariando a tese estabelecida por Oliveira Martins. Mas também foi um ensaísta de exceção, um pedagogo, um tradutor, um intelectual de referência.".Álvaro de Matos foi aluno de Borges de Macedo, na licenciatura em História, logo no 1º ano, na cadeira de Metodologia da História: "Para quem chegava do Ensino Secundário era logo um choque, mas positivo. Posso dizer que entrei em História a querer saltar para Direito, mas fiquei logo fascinado pela sua erudição e capacidade intelectual. Era exigente? Era, mas também o era consigo mesmo.".Esta visão é corroborada por outro antigo aluno, o investigador João Abel da Fonseca: "Borges de Macedo ocupava-se de vários temas e épocas, aliás ele costumava dizer que, ao estudarmos um determinado acontecimento histórico, tínhamos de andar 100 anos para trás e outros 50 para a frente, no sentido de alcançarmos o que o causara e as suas consequências." Para João Abel, o historiador foi também um pensador de enorme profundidade. E recorda estudos como Portugal e a Europa: que Futuro? (de 1989): "Frisava que a união da Europa era essencialmente histórica e cultural, mas no respeito pela diversidade de cada um dos povos.. Não era geoestratégica, não era geopolítica ou económica. E salientava sempre que os asiáticos desenham o mapa-múndi com o Pacífico ao meio, e não com o Atlântico como nós fazemos, movidos pelo nosso eurocentrismo." De resto, recorda ainda João Abel da Fonseca, Jorge Borges de Macedo procurava estimular nos alunos um espírito crítico que não recuasse sequer ante os mestres: "Costumava dizer: Não acreditem em tudo o que leem. Seja quem for o autor, até posso ser eu.".A amplitude temática da obra de Borges de Macedo vai desde a História Económica de Portugal, que revolucionou, à Diplomática, que, pela primeira vez, foi pensada como um todo, encontrando linhas de força que se mantêm (como a aliança britânica) da Idade Média até, pelo menos, ao século XIX. O seu primeiro trabalho de fundo, A situação económica no tempo de Pombal (1951) seria complementado anos depois, por História da Indústria em Portugal no Século XVIII (1963). Seguir-se-iam obras como Alexandre Herculano: Polémica e Mensagem; Estrangeirados: um conceito a rever; Uma perspetiva portuguesa para a integração europeia; O Marquês de Pombal (1699-1782); A situação económica no tempo de Pombal ou O Bloqueio Continental..Além da História Económica, também a Teoria da História, a História Política e Diplomática, e vários aspetos literários da História da Cultura foram objeto de trabalhos seus, que, desde a década de 1960 foram publicados cada vez mais na forma de prefácios, artigos (em publicações académicas ou na imprensa, no DN, por exemplo, publicou dezenas de artigos, desde recensões críticas a ensaios) ou conferências. Nesta fase, há que destacar obras como História Diplomática Portuguesa: constantes e linhas de força (1987) e Portugal-Europa: para além da circunstância (1988). Esta visão global da História, quer em termos disciplinares, quer cronológicos, está bem patente em afirmações que tinham consequências não apenas para o estudo do passado, mas para o exercício da cidadania em Democracia, como esta publicada nas atas de um congresso: "Não há cultura sem espetáculo e debate, em toda a sua variedade. Lugares onde se compare e distinga, onde se avalie e se escolha, onde se ofereça e se procure, onde se avalie o eco do que se tem ou do que se quer ou pode ter. A escolha é de tal modo essencial que é precisamente ela que tem de ser educada, preparada, instruída, percebida ou compreendida.".Estas preocupações norteavam, aliás, o seu conceito de ensino da História, de que falava frequentemente, como aconteceu num artigo publicado no DN, em dezembro de 1979: "Em primeiro lugar a História tem de ser ensinada, de modo a salientar as realizações do Homem, educando-o na possibilidade (e até obrigação) de sobreviver às dificuldades não só da espécie (e ela existem), como da nação onde está inserido. Deverá preparar-se o jovem para a ideia essencial de que a realidade humana não tem uma só forma, melhor do que as outras, de se manifestar." Espírito crítico, jamais se mostrava satisfeito com os conhecimentos adquiridos. Numa entrevista a António Mega Ferreira, ao Jornal de Letras, a propósito do bicentenário da morte do Marquês de Pombal dizia: "Repare que ainda hoje o debate sobre Pombal está centrado sobre a questão da responsabilidade, pergunta-se quem foi responsável por isto ou por aquilo. É difícil, extremamente difícil vencer os hábitos culturais.".A sua figura estava, no entanto, bem longe de granjear unanimidade. Em 1974, na sequência do 25 de abril, foi afastado compulsivamente da Faculdade de Letras de Lisboa, já que era notória a sua proximidade com o marcelismo, depois de uma juventude em que não ocultara a proximidade com os ideais (e até com a historiografia) marxistas. Seria reintegrado em 1980, vindo a jubilar-se em 1991. Tornou-se então diretor do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, tendo sido alvo de muitas críticas por causa do regime de acesso de investigadores aos documentos da PIDE/DGS..Morreu a 18 de Março de 1996. O seu amigo de longa data, Mário Soares, então presidente da República, afirmou: "O Jorge era não só inteligente, mas também iconoclasta, irreverente e tinha o gosto da provocação intelectual, qualidades que obviamente nem sempre eram apreciadas."