Irregularidades na Cruz Vermelha levam a demissão de Francisco Ramos. Rui Rio vê oportunidade de salvar o verão

Francisco Ramos acumulava cargo com o de presidente da Comissão Executiva da Cruz Vermelha. Partidos de direita saúdam decisão e pedem um especialista em logística para assumir a função
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Francisco Ramos, o coordenador da task force da vacinação em Portugal, apresentou na terça-feira a sua demissão do cargo. Na base desta decisão estão irregularidades detetadas pelo próprio "no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente do Conselho de Administração", informou nesta quarta-feira o Ministério da Saúde num curto comunicado.

"O Ministério da Saúde informa que o Coordenador da Task Force para a Elaboração do "Plano de Vacinação contra a COVID-19 em Portugal", Dr. Francisco Ventura Ramos, renunciou ontem ao cargo, por irregularidades detetadas pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente da comissão executiva. O funcionamento da Task Force mantém-se assegurado pelos restantes membros do núcleo de coordenação, nomeados pelo Despacho n.º 11737/2020."

O próprio Francisco Ramos, numa nota enviada à imprensa, justificou a sua tomada de posição

"Ao tomar conhecimento de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha, do qual sou Presidente da Comissão Executiva, considero que não se reúnem as condições para me manter no cargo de coordenador da task force para a elaboração do Plano de Vacinação Contra a COVID-19 em Portugal. Assim, apresentei ontem, dia 2 de fevereiro de 2021, à Senhora Ministra da Saúde, a renúncia ao cargo", podia ler-se na nota.

O líder do PSD, Rui Rio, vê na demissão de Francisco Ramos a possibilidade de entregar a liderança da task force da vacinação a um especialista em logística e, consequentemente, salvar o verão. "Francisco Ramos demite-se porque sob a tutela dele aconteceram irregularidades na Cruz Vermelha. Bem, então demitia-se da Cruz Vermelha e não da task force. Precisamos de alguém que saiba o que está a fazer. As forças armadas e o Exército em particular têm formação neste tipo de situações. A vacina neste momento um dos bens mais importantes e mais escassos da nossa sociedade. Se não vacinarmos mais de 70% da população até ao final de junho, estragamos o verão. Não digo que há males que venham por bem, mas esta é a oportunidade de ficar alguém entendido na matéria a liderar a task force. Devíamos estar a dar 50 mil doses por dia e estamos a dar 10 mil. Se calhar vamos ter de passar a dar 70 ou 80 mil por dia para cumprirmos os objetivos", analisou o líder da oposição.

Rui Rio diz que "o primeiro-ministro devia estar a fazer melhor", ainda que não duvidando da "dedicação e vontade" do líder do governo. "Se há vacinação indevida, é porque há doses a mais e se planeou mal", acrescentou, revelando ter "conhecimento de situações em que não se está a dar a segunda dose".

Da mesma opinião é o antigo secretário de Estado do Empreendedorismo, da Competitividade e da Inovação do governo de Pedro Passos Coelho, Carlos Oliveira. "Hoje de facto abre-se uma enorme oportunidade para se ter e implementar um real plano de vacinação para Portugal. Criar, e mais importante, implementar um plano de vacinação à escala de um país num curto espaço de tempo não é uma tarefa para políticos ou aprendizes de logística. É de facto um trabalho técnico que implica enorme conhecimento de logística em grande escala e uma enorme capacidade de trabalho. Encontre-se uma equipa composta por militares e/ou de especialistas em logística (de qualquer setor, não têm que perceber de saúde ou vacinas) que tenha a capacidade e os recursos para fazer o que for preciso para que seja um enorme sucesso. Sucesso é igual a vacinação rápida e de cobertura "total" dos portugueses. Ah, e olhe-se para o que outros países estão a fazer bem, como Israel, e aprenda-se com o que está a correr bem", escreveu no Facebook.

O líder do Chega, André Ventura, saudou a demissão de Francisco Ramos. "É uma decisão que já devia ter sido tomada. Houve pressão do governo para esta decisão. Francisco Ramos não assumiu a sua responsabilidade no processo fraudulento de vacinação, inclusivamente Hospital da Cruz Vermelha, onde é presidente da comissão executiva, e desvalorizou essa questão. E ainda fez acusações sobre o eleitorado que votou em mim nas presidenciais. Chegou tarde, mas saudamos esta decisão. Precisamos de alguém que seja credível e objetivo. Que seja escolhido alguém pela competência", afirmou, no parlamento.

Da mesma opinião foi Ana Rita Bessa, do CDS-PP, que apontou como sucessor alguém das forças armadas. "Tendo em conta que na task force existem já elementos, por exemplo das Forças Armadas, capazes, capacitados de gerir operações desta natureza, operações logísticas de precisão e de processos com esta natureza, pois parece-me bem que, em vez de andarmos aqui a criar grupos de trabalho para inventar agora quem é que vai tomar conta deste assunto, que o entreguemos a quem sabe", afirmou.

A Iniciativa Liberal defendeu que Francisco Ramos "já sai tarde" da coordenação da task force para o Plano de Vacinação contra a covid-19, considerando que a "incompetência e desfaçatez já deviam ter tido consequências".

Já oPessoas-Animais-Natureza (PAN) mostrou-se preocupado com as irregularidades identificadas na administração das vacinas contra a covid-19, que justificaram a demissão do coordenador do plano de vacinação, e pediu explicações ao Governo.

O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), Francisco George, assegurou esta quarta-feira que a instituição não está ligada à gestão do hospital, cuja comissão executiva é presidida por Francisco Ramos, que se demitiu da taskforce de vacinação contra a covid-19.

Em declarações à agência Lusa, o antigo diretor-geral da Saúde lembrou que "no dia 14 de dezembro de 2020, a CVP vendeu 55% das ações que detinha na gestão do hospital à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)" e que desde então não teve mais contactos com a comissão executiva do Hospital da Cruz Vermelha (HCV), garantindo que a organização "é só proprietária do edifício" e que esta decisão "não condiciona em absolutamente nada" a CVP.

"A atual administração entrou em funções sem a CVP, que deixou de ter qualquer participação na sociedade de gestão. A maioria do capital social da sociedade gestora é detida pela SCML. Assim, o presidente do conselho de administração - que era até 14 de dezembro o presidente da CVP - passou a ser o provedor da SCML, que nomeou como presidente da comissão executiva o doutor Francisco Ramos", sublinhou.

Questionado se ficava surpreendido com a denúncia feita por Francisco Ramos de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do HCV contra a covid-19, Francisco George recusou fazer comentários, mas saiu em defesa do ex-coordenador da taskforce, de quem disse ser "amigo pessoal há muitos anos".

"Não falei com ele sobre este assunto. Francisco Ramos é uma pessoa de grande integridade, com quem trabalhei sempre e por quem tenho uma estima que considero que é recíproca. E é um dos políticos portugueses que está com inteira integridade nos atos de gestão que pratica", referiu, acrescentando: "Se o programa de vacinação não foi regular no seu hospital - como ele diz -, compreendo que a solução teria de ser essa".

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros afirmou que a vacinação indevida contra a covid-19 "não é culpa de uma só pessoa", ao comentar a demissão do coordenador da task force deste plano em Portugal.

"Isto não é culpa de uma só pessoa, até porque as regras estavam definidas à partida, inclusive a questão dos nomes supletivos nas listas, consoante nós tirássemos cinco ou seis doses de cada ampola de vacinação", disse à agência Lusa Ana Rita Cavaco.

Considerando que na vacinação contra a covid-19 houve "uma tremenda falta de fiscalização, a que o Governo não se pode alhear", Ana Rita Cavaco reiterou que "não se pode culpar apenas o coordenador" da task force.

Ana Rita Cavaco admitiu que "poderá haver aqui uma tentativa de, nestas situações de vacinação indevida, culpar uma só pessoa", referindo não compreender por que razão Francisco Ramos, sendo presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, "demite-se da task force e, por outro lado, continua a presidir à instituição".

A bastonária adiantou que "os casos de vacinação indevida têm sido denunciados à Ordem já há muitos dias", que os tem "encaminhado oficialmente".

"O volume de denúncias que temos recebido na Ordem demonstram-nos que estamos a falar de milhares de pessoas que foram vacinadas, em princípio indevidamente", declarou, apontando "autarcas, provedores de santas casas, família, amigos, informáticos, pessoas em teletrabalho e muitas outras".

Segundo a bastonária, a vacinação indevida tem ocorrido quando o país tem "ainda milhares de enfermeiros por vacinar", assim como de idosos, incluindo os que residem em lares, bombeiros, forças de segurança e estudantes de Enfermagem que "estão fora de qualquer grupo prioritário e que têm ajudado os lares e que estão a receber ensino clínico" para o país poder ter enfermeiros.

"A Ordem ofereceu-se várias vezes para organizar os centros de vacinação, acabámos por escrever isso mesmo ao Presidente da República a semana passada, inclusive com trabalho pro bono da nossa parte. Portanto, se isso tivesse acontecido connosco, não tinha havido estes casos de vacinação indevida", acrescentou.

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