IRHU paga rendas “de mercado” à Segurança Social e à Santa Casa
Há no Programa Arrendar para Subarrendar (PAS), o qual tem o objetivo de disponibilizar casas a preços acessíveis no mercado de arrendamento (com o Estado a arrendá-las “no mercado” e a subarrendá-las a preços muito mais baixos), 12 imóveis da Segurança Social (SS), situados em Lisboa, cuja “renda média” é 2454,55 euros. O valor mensal pago pelos 12 apartamentos é assim de quase 31 mil euros, correspondendo a 370 519,20 euros anuais – ou seja, 13,4% dos 2,8 milhões despendidos em 2024 pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), segundo informação do próprio comunicada ao DN, com as rendas do PAS.
Como são tais preços possíveis num programa que visa, usando fundos públicos, fornecer habitação a preços acessíveis, perguntar-se-á. Não há limite para o valor que o Estado paga pelas rendas ? A resposta é sim, há – se os imóveis forem privados. Nesse caso o Decreto-lei 38/2023, de 29 de maio, que estipula os termos do PAS, estabelece para as rendas um limite máximo de 30% acima do valor da “renda acessível” (a qual corresponde a um valor pelo menos 20% abaixo da “renda média”, tal como resulta do índice de preços do Instituto Nacional de Estatística, para a tipologia e concelho de localização, tal como definido numa portaria de 2019). Assim, as rendas a pagar a privados só podem acrescer 10% à “tabelada”. Essa condição, porém, não se aplica aos imóveis públicos.
Isso mesmo se lê no artigo 8º (Contratos de Arrendamento) do referido Decreto-lei, no número 6: “O limite máximo de preço de renda previsto (…) não se aplica nos casos em que os proprietários são entidades públicas”.
Os referidos 12 imóveis da Segurança Social situados em Lisboa e incluídos no PAS são um T5, três T4, quatro T3 e quatro T2; o DN não conseguiu saber, apesar de ter perguntado, qual o valor da renda de cada um, já que o IHRU, entidade responsável pela gestão do PAS e pelo pagamento das rendas, enviou ao jornal uma tabela com o número de casas e respetiva tipologia por localidade, indicando apenas a renda média respeitante a cada localização geográfica. Ou seja, só é possível saber que a soma do valor mensal pago por aqueles apartamentos resulta, quando se efetua a divisão por 12, em 2454,55 euros .
Também não foi dada, apesar de ter sido pedida, informação sobre quantos dos imóveis da Segurança Social integrados no PAS estão subarrendados, ou seja, ocupados por inquilinos. Isto porque, como o DN descobriu, apenas 21% (62) dos 290 imóveis desde 2023 integrados no PAS, e pelos quais o IHRU está a pagar renda, estão a cumprir o objetivo para o qual se destinam.
O mesmo vale para os 69 fogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que o IHRU informa estarem integrados no PAS: não foi possível ao DN saber quantos deles se incluem nos 62 fogos que estão subarrendados, ou seja ocupados.
Porém, tendo em conta que, somados, os 90 fogos respeitantes a estas duas entidades perfazem 31% do “stock” de casas do PAS, é evidente que vários deles estão vazios.
Segurança Social arrenda pelo valor de “avaliação de mercado” mais elevada
Se no caso dos fogos da Segurança Social a informação enviada pelo IHRU não permite perceber qual o valor exato de cada renda, no que respeita à Santa Casa essa identificação é possível.
No protocolo celebrado entre a SCML e o IHRU em julho de 2023, e que o instituto enviou ao DN a pedido do jornal, estão listados cerca de 50 imóveis e respetivas rendas – todas fixadas 30% acima do valor estipulado para a “renda acessível” (trata-se, como mencionado, do preço mais elevado permitido no PAS para imóveis “privados”, e a Santa Casa, malgrado beneficiar de dinheiros públicos e ser orientada por objetivos públicos, é uma instituição de Direito privado).
Assim, é possível constatar que por exemplo um T1 de 60 m2 em Santa Maria Maior, na Rua dos Douradores, fica ao IHRU por 1170 euros, enquanto um T4 com 159 m2 no Campo de Santa Clara custa 2015 euros mensais. Em toda a lista, que consiste sobretudo em imóveis situados na capital, só existem dois fogos abaixo de mil euros: um T0 de 45 m2 na freguesia da Misericórdia (Chiado/Bairro Alto/São Paulo), em Lisboa, por 780 euros, e, pelo mesmo preço, um T2 de 68 m2 em Torres Vedras.
Quanto à SS, tem ao todo, para já, 21 imóveis no PAS, 14 dos quais na Área Metropolitana de Lisboa (além dos 12 lisboetas já mencionados, há outros dois na Amadora e em Loures) e os restantes na Marinha Grande (um), Porto (três), Vila Nova de Gaia (um) e Vila Nova de Famalicão (um). Mas, em protocolo assinado entre o IGFSS e o IHRU, que o DN obteve deste último, o IGFSS comprometeu-se a colocar no PAS 120 imóveis, a maioria dos quais tendo de ser sujeitos a obras de reabilitação (pela qual o IGFSS, sob a orientação do IHRU, se responsabiliza), até 31 de dezembro de 2026.
De acordo com o dito protocolo, que foi enviado ao jornal sem menção de data, os imóveis em causa, muitos deles na AML, são de “renda livre” e a celebração dos contratos com o IHRU será precedida de “avaliações independentes de mercado para todos e cada um dos fogos habitacionais de renda livre afetos (…)”. Essas avaliações estão definidas no protocolo da seguinte forma: “O IGFSS promove duas avaliações independentes a realizar por peritos avaliadores certificados pela Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM); o valor de renda é o que resulta da avaliação mais elevada de entre as realizadas nos termos da alínea anterior”.
Ou seja: o Estado está, através do IHRU, a pagar os chamados “preços especulativos” a si mesmo.