Quem é sobrevalorizado na infância torna-se mais narcisista

Início do narcisismo é social, dizem investigadores americanos, para quem as crianças acreditarem que são melhores do que as outras não é bom para elas nem para a sociedade
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Expressar carinho e dar apoio e atenção às crianças é bom e recomenda-se. O problema surge quando os pais sobrevalorizam sistematicamente os filhos, dizendo-lhes que são superiores aos outros. De acordo com os resultados de um estudo publicado nos Estados Unidos, esse comportamento faz que as crianças se tornem narcisistas, ou seja, que tenham uma admiração excessiva e exagerada sobre si próprias.

A intenção pode ser a melhor - aumentar a autoestima -, mas o efeito pode ser o contrário. Segundo um estudo publicado na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, citado pelo El País, "o início do narcisismo é social e deve-se, sobretudo, à sobrevalorização dos pais e não à falta de carinho". A autoestima, explicam os investigadores, está relacionada com o amor e não dependente de uma sobrevalorização das crianças. É nos filhos cujos pais demonstram mais afeto que é encontrada uma autoestima mais elevada.

O estudo foi feito ao longo de mais de um ano e envolveu 565 crianças holandesas, com idades compreendidas entre os 7 e os 12 anos, a altura em que, de acordo com os investigadores, surgem os primeiros traços de narcisismo. "Recomendam-se intervenções com os pais a este respeito, a fim de ensinar-lhes como expressar afeto e apreço pelos filhos, sem a necessidade de dizer-lhes que são superiores aos outros ou que têm direito a determinados privilégios", consideram os autores.

Os investigadores avisam que o facto de as crianças acreditarem que são melhores do que as outras não será bom para elas nem para a sociedade. Em função dos traços genéticos e da própria personalidade, há algumas que têm mais tendência do que outras para ser narcisistas. Dizem os autores do estudo que é muito importante expressar todo o afeto possível pelas crianças, mas sem exagerar.

A chave é o equilíbrio

"Tudo o que é exagerado, ou seja, o absurdo da valorização sem chamar a atenção para as falhas pode ser negativo", diz Ana Gomes, psicóloga clínica. Segundo a docente da Universidade Autónoma de Lisboa, "a criança precisa de ser reconhecida, valorizada, alimentada narcisicamente". Se não foram os pais a fazê-lo, alerta, a criança não o fará sozinha. No entanto, "devem ser momentos de investimento narcísico pontual, porque fazer isso constantemente pode ser contraproducente". Mas o não investimento também é mau. "O problema é que ninguém sabe onde está o equilíbrio."

A psicóloga defende que esse investimento é importante, "especialmente numa fase precoce da infância, até aos 3 anos". Se por um lado os pais devem destacar os pontos positivos, por outro também devem chamar a atenção para os menos bons. "Se houver equilíbrio, a criança desenvolve uma autoestima equilibrada." Até porque, explica a docente da UAL, se houver incoerência em relação ao que é dito pelos pais e às suas capacidades, fora do contexto familiar não haverá o mesmo feedback, o que pode gerar problemas. "Se a criança ficar dependente desses reforços, pode ser negativo." E vai sofrer, porque o mundo não fará o mesmo reconhecimento que os pais.

Ana Gomes explica que "há pais que não conseguem ver os pontos menos bons nos filhos, que só identificam os positivos, o que também não é bom". Mas, reforça, "hipervalorizar um filho não tem de ser mau, desde que haja coerência".

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