Imigrantes alvo de três protestos diferentes nos últimos dias
O grupo extremista Habeas Corpus, liderado pelo ex-juiz Rui da Fonseca e Castro, encerrou o balcão da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) no Porto como forma de protesto. O líder do grupo acompanhado de alguns militantes afixaram diversos cartazes em toda a fachada do prédio, onde se lia “AIMA encerrada, enquanto os portugueses não tiverem saúde, segurança, habitação, emprego, educação”.
Durante a manhã os cartazes foram retirados e o atendimento aos imigrantes aconteceu normalmente, com seguranças à porta e apoio da Polícia de Segurança Pública (PSP). Ao DN, a AIMA respondeu que “deu de imediato nota deste facto às autoridades, sendo que a PSP já tomou conta da ocorrência e encontra-se a efetuar as diligências que entende por convenientes para o apuramento de responsabilidades”. Devido a este incidente e falhas na energia elétrica e internet, os 60 atendimentos marcados para ontem foram adiados.
A entidade “lamenta estes atos de vandalismo que exibem práticas nada consentâneas com os valores democráticos e que, em última análise, prejudicam a segurança interna”. O DN também solicitou uma declaração ao Governo sobre o assunto, mas não obteve uma resposta.
Com esta ação na AIMA do Porto, já são três o número de protestos promovidos por diferentes grupos, mas com os imigrantes como alvo, realizados nos últimos dias em Portugal. “A AIMA ficará encerrada, por determinação nossa e por tempo indefinido, enquanto os portugueses forem cidadãos de segunda na sua própria terra”, declarou Rui da Fonseca e Castro num vídeo partilhado no grupo na rede social Telegram. Também foram colados QR Codes de propaganda do Habeas Corpus. Nos grupos online a iniciativa foi festejada. “Esses estrangeiros, vieram para substituir a raça branca, e por isso tudo fazem para nos eliminar”, escreveu uma militante.
Outros sugeriram a mesma ação em Lisboa e outras iniciativas como “colocar carne de porco” - algo que já fizeram com uma cabeça suína recentemente em cima da mesa da reunião da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Esta é a primeira ação pública do Habeas Corpus contra imigrantes. As atividades são geralmente focadas contra as pessoas LGBTI+, contra judeus e contra o 25 de Abril. Uma das ações recentes foi colocar uma cabeça de porco crua. No site oficial, o grupo frise que a “luta é do Bem contra o Mal, dos valores Cristãos Ocidentais, que fazem da civilização europeia a mais evoluída e avançada do mundo, contra a seita do Anti cristo”.
Recorde-se que o líder Rui da Fonseca e Castro foi expulso da magistratura em outubro de 2021 por infrações relacionadas com a violação de regras de controlo da covid-19. O ex-magistrado enfrenta em tribunal outras acusações de difamação.
“Discursos intolerantes”
Nos últimos dias, diferentes grupos saíram às ruas para protestar contra a imigração. Na primeira delas, no domingo, 29 de setembro, o Chega reuniu milhares de pessoas no Centro de Lisboa, contra a “imigração descontrolada”, marchando lado a lado com grupos extremistas, como o 1143 - este último responsável pelo protesto do último sábado em Guimarães, que reuniu centenas de pessoas de todo o país. Um deles foi um militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) que se envolveu em desacatos com polícias que faziam a segurança da manifestação. Na sequência dessa ação foi aberto um inquérito para investigar o caso, a pedido da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco.
Para a investigadora da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Ana Rita Gil, “o momento, é um momento em que os discursos intolerantes passaram a ter um espaço mais público para ser exteriorizarem”. De acordo com a especialista, que é relatora nacional de diversos estudos para a Comissão e Parlamento Europeu nesta matéria, a ascensão do Chega tornou o tema da imigração fraturante na sociedade portuguesa. “A chegada ao poder do Chega veio, de facto, mudar este paradigma e demonstrar que há espaço para discursos intolerantes, cujas ideias já poderiam existir, mas não tinham ‘tempo de antena’”.
Mas não só. Na visão de Ana Rita Gil, “a falta de uma política de imigração estruturada do anterior Governo, aliada à falência dos serviços e ao aumento exponencial de pessoas a viverem ilegalmente no nosso país, veio criar uma sensação de descontrolo da imigração (que nós no Lisbon Public Law conseguimos confirmar num inquérito realizado no final de 2023), que veio incendiar as preocupações até dos mais moderados”.
Para a investigadora, é importante ouvir as preocupações das pessoas e dar respostas. “Perceber de onde vem a preocupação, e responder à mesma, ao invés de catalogar imediatamente tudo como sendo intolerância ou xenofobia. Por vezes é apenas preocupação com descontrolo, pura e simplesmente”, analisa. Caso a resposta não seja a adequada, a docente acredita que “podem atrair simpatizantes para a causa, de pessoas inicialmente moderadas, mas como não são ouvidos, passam a ser intolerantes”, argumenta.
Por mais que se apresentem números sobre a importância da mão de obra dos imigrantes no mercado de trabalho e contribuição para a Segurança Social, diz que é preciso que o Governo “saiba gerir” as migrações, de forma que seja sustentável para todos. “Enquanto a população continuar a ver pessoas sem-abrigo migrantes na rua, nenhuma estatística as poderá tornar menos extremistas, pois serão sempre números abstratos”.
amanda.lima@dn.pt