O prolongamento da vida ativa está a gerar a coexistência de várias gerações nas organizações, dos 18 aos 70 anos. Mas essa convivência nem sempre é pacífica e cria tensões intergeracionais e discriminações com base na idade, apoiada em preconceitos e estereótipos negativos, o chamado idadismo. “Em Portugal, e ao contrário do que a maioria acredita, são os mais jovens e não os mais velhos os que mais se queixam de serem discriminados em função da idade e de sofrerem com isso”, disse David Patient, coordenador do estudo Compreender o Idadismo no Local de Trabalho, em entrevista ao DN..“Mais de um quarto dos jovens trabalhadores em Portugal sentem-se discriminados em função da idade”, o que é consistente com a realidade de outros países europeus. E isto é verdade em todas as fases, desde o recrutamento ao acesso à promoção e ao despedimento, conclui aquele estudo, hoje divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos..De acordo com a análise, “os trabalhadores mais jovens tendem também a ser relativamente mal pagos, não se sentem valorizados, recebem comentários depreciativos, são vistos como menos competentes e têm menos oportunidades de desenvolvimento do que os colegas mais velhos”..Estas percepções, uma vez sentidas na pele, podem traduzir-se em desmotivação, stress e problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Os mesmos efeitos são reportados pelos trabalhadores mais velhos que se sentem vítimas de discriminação, a que se podem acrescentar quebras na performance e na produtividade, assim como maior absentismo e presentismo..Por tudo isto, o estudo conclui que “o idadismo está relacionado com maiores conflitos interpessoais nos locais de trabalho e constitui um obstáculo à retenção de talento, sobretudo da mão-de-obra mais jovem”..O conjunto dos efeitos somados, dos individuais aos sociais e económicos, leva David Patient a considerar que “o idadismo é um probema sério que prejudica as pessoas e toda a sociedade” (ver entrevista). Os autores do estudo afirmam mesmo que, apesar de ter menor visibilidade, “o idadismo é mais frequente do que o sexismo ou o racismo”..Envelhecimento português acentua tensões.Portugal é dos países da União Europeia em que o idadismo sobre jovens e velhos mais se faz sentir no mercado de trabalho, com uma prevalência moderada a elevada, disse David Patient, professor em Liderança da Vlerick Business School(Bélgica) e especialista em comportamento organizacional e diversidade etária..A investigação permitiu ainda concluir que, de uma forma geral, é nas organizações mais modernas que existem crenças mais positivas sobre os mais velhos e que a prevalência de preconceitos negativos é maior nos grupos de escolaridade inferior e com posicionamento político mais à direita. “As atitudes positivas em relação aos trabalhadores mais velhos eram mais comuns nas organizações mais modernas e flexíveis, e nas regiões da Área Metropolitana de Lisboa e Sul do país. Verificou-se que a crença que advoga que os trabalhadores mais velhos devem retirar-se e dar lugar aos mais novos era mais preponderante nas empresas privadas do que na administração pública”, onde o limite de idade de aposentação é superior, 70 anos..Outro dado intrigante que o estudo evidenciou é que os indivíduos que aceitavam o idadismo contra trabalhadores mais velhos reportavam, eles próprios, pior saúde mental e maior intenção de sair da sua organização. Ou seja, o impacto na saúde mental e no bem-estar é bidirecional, tanto para quem é alvo do preconceito, como para quem o alimenta, por criar uma situação de separação/oposição entre uns e outros, que obstaculiza dinâmicas saudáveis de interação e cooperação..Tendo em conta que Portugal é o terceiro país da UE com a população mais envelhecida e daqueles em que a idade legal de aposentação é mais alta, “o assunto deveria estar a merecer maior atenção por parte das organizações em Portugal”, considera o investigador..Até 2050, mais de um terço da população portuguesa deverá ter mais de 65 anos, segundo as projeções do Instituto Nacional de Estatística, o que significa que estas tensões relacionadas com o idadismo bidirecional , para com os “demasiado jovens” e os “demasiado velhos” tenderão a intensificar-se. E as constantes transformações tecnológicas agravam o fosso intergeracional, deixando, em regra, os trabalhadores mais idosos em desvantagem..Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas de 2023, o envelhecimento será mesmo a questão mais premente a nível mundial, uma vez que se espera uma duplicação da população com mais de 65 anos entre 2021 e 2050, sobretudo nos Estados Unidos e na União Europeia..Quanto custa o idadismo?.É neste quadro que se começam a fazer contas aos custos do idadismo e se conclui que são tudo menos negligenciáveis. “Tem não só tem impactos nas organizações, como poderá provavelmente sobrecarregar o sistema de saúde. Os indivíduos com problemas de saúde mental têm maior propensão para desenvolver efeitos psicossomáticos, ou seja, doenças ou sintomas físicos que são exacerbados por fatores psicológicos, como por exemplo hipertensão, enxaquecas ou dores de cabeça”, lê-se no relatório. Por isso, concluem os autores, “as políticas de aposentação motivadas por fatores económicos podem ter um efeito contraproducente, se não se adotarem também políticas sociais que diminuam as implicações para o mercado laboral. É provável que os custos potenciais do idadismo não sejam negligenciáveis”.Estudos recentes de 2019 sugerem que os custos diretos do idadismo podem ascender, nos Estados Unidos, a cerca de 59 mil milhões de euros no total das pessoas com 60 ou mais anos. “Infelizmente, tanto quanto sabemos, não existem estimativas disponíveis para Portugal, nem existem estudos sobre os custos do idadismo em relação a pessoas mais jovens. Contudo, existe uma apreensão cada vez maior em relação a uma crise de saúde mental na população jovem”, sobretudo nos que se debatem com dificuldades para conseguir um emprego, aponta o relatório..Para garantir uma melhor gestão da população ativa, os autores do estudo apelam aos decisores políticos para aprovarem políticas e leis que combatam o idadismo, mesmo que já exista uma diretiva comunitária sobre o assunto desde 2000. Ao nível das organizações propõem-se iniciativas para aumentar a interação entre os dois extremos etários, ações de formação e programas de mentoria, de uns para outros. Porque temos de aprender a trabalhar uns com os outros..David Patient: “O idadismo é um problema sério que prejudica as pessoas e toda a sociedade”.Quais as duas principais conclusões do estudo que coordenou sobre o idadismo no local de trabalho em Portugal?.Concluímos que o idadismo tem um importante efeito negativo tanto para os trabalhadores mais velhos como para os mais jovens no local de trabalho, incluindo em Portugal. Afeta negativamente a motivação, a performance, a qualidade das relações e a saúde mental. Outro dado muito interessante é que os estereotipos e as expectativas que se criam relativamente aos trabalhadores mais novos são muitas vezes conflituantes. Ou seja, ao mesmo tempo que se espera que sejam mais criativos, mais enérgicos, com mais iniciativa e mais lestos com as novas tecnologias, também se espera que não questionem os mais velhos e os superiores hierárquicos e sejam humildes e deferentes. Há uma clara ambivalência..Quem é mais vítima de discriminação: os mais jovens ou os mais velhos?.Ao contrário do que a maioria acredita, os trabalhadores mais jovens reportam mais discriminação e efeitos mais negativos, como falta de motivação, ansiedade e vontade em sair da organização onde estão. Isto é igualmente consistente com os resultados noutros países europeus.Talvez porque haja mais aceitação social deste tipo de atitudes para com os jovens. A verdade é que muitas das crenças sobre a geração dos millennials e dos babyboomers não são cientíticas. Esta é uma área que requer mais estudo, há mais investigação feita sobre os trabalhadores mais velhos do que sobre os jovens, por isso a pertinência desta análise. Fizémos dois livros para a Fundação Francisco Manuel dos Santos e vamos continuar a investigar o idadismo com base nas amostras portuguesas..Quais as idades mais críticas para este risco?.A discriminaçao é sempre mais forte nos extremos, mais perto dos 18 numa escala que vai até 30 e acima dos 60, 65, 70, mais próximo da idade de reforma. Não encontrámos diferenças baseadas no género..Como é que o idadismo impacta o indivíduo, as organizações e a sociedade?.O idadismo é um problema sério que afeta não apenas o indivíduo que é vítima – com quebra de performance, motivação, stress e má saúde mental, mas também a sociedade e as organizações com a redução da produvidade e mais absentismo. Mas, o que muitos desconhecem é que quem tem mais preconceitos com base na idade também é prejudicado nas suas relações de trabalho e no seu bem- estar por causa desse posicionamento. Quando olhamos os outros (mais velhos ou mais novos) como diferentes de nós, tendemos a colocá-los numa lógica de separação/oposição e isso prejudica a qualidade das interações, isola-nos e subtrai-nos a possibilidade de cooperação..O que podem e devem as empresas e organizações fazer para baixar essa tensão intergeracional que a todos prejudica?.Primeiro é preciso tomar consciência de que o problema existe. É preciso falar disto, colocar em cima da mesa, e esperamos que este trabalho que fizémos ajude a alertar. Depois, o que os estudos indicam é qua a qualidade das interações no espaço laboral melhora com a quantidade dessas mesmas interações. Portanto, as organizações devem favorecer esse contacto intergeracional das mais variadas maneiras. E é importante lembrar que, embora haja algumas generalizações que possam ter cabimento para cada um dos grupos etários em questão, as generalizações não se aplicam a toda a gente. Há sempre quem nos surpreenda com boas competências muito particulares em cada um dos extremos da pirâmide etária.