Alice Santana é coordenadora do Centro de Referência de Transplantação Renal da ULS Santa Maria que hoje abre portas a uma nova unidade nesta área.
Alice Santana é coordenadora do Centro de Referência de Transplantação Renal da ULS Santa Maria que hoje abre portas a uma nova unidade nesta área. Reinaldo Rodrigues

Hospital Santa Maria cria unidade para tratar "melhor" adolescentes e jovens com transplante de rim

Em 2024, Portugal realizou 542 transplantes de rim, dez em crianças. E, neste Dia Mundial do Rim, há mais uma unidade no Centro de Referência de Transplantação Renal para doentes dos 18 aos 25 anos.
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Há crianças, adolescentes e jovens que são confrontados com doenças que os vão acompanhar para o resto da vida. É o que acontece com aqueles que enfrentam a situação de um dia terem de viver com um transplante de rim - realidade significativa em Portugal, já que o país regista a quinta maior taxa de transplantes da Europa. Em 2023, foram realizados 547 transplantes e, em 2024, 542, segundo dados fornecidos ao DN pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação.

Como diz ao DN a coordenadora do Centro de Referência de Transplantação Renal (CRTR) da Unidade Local de Saúde Santa Maria, em Lisboa, que serve toda a zona sul do país, quando esta realidade acontece no início da linha da vida, “há uma fase de transição que ainda é mais difícil de gerir”, precisamente aquela em que “a doença apanha os que já não são crianças, mas que ainda não são adultos também. São adolescentes. E como todos nós sabemos, até por experiência própria, esta fase não é nada fácil, sobretudo para quem tenha de lidar com uma doença crónica que sabe que o vai acompanhar para o resto da vida.”

Alice Santana lembra mesmo que é nestas faixas etárias que “o incumprimento terapêutico é mais frequente, constituindo um fator de risco significativo para a perda da função renal e consequentes aumentos de custos em saúde, como o retorno à hemodiálise”. E tudo isto torna “mais complicada a aceitação da doença e do tratamento”.

Foi a pensar nestes doentes, sobretudo nos que estão entre os 18 e os 25 anos, e numa fase de transição, que a ULS Santa Maria decidiu avançar com a Unidade Clínica do Jovem Adulto Transplantado Renal, que integra o CRTR, que é hoje, Dia Mundial do Rim, inaugurada oficialmente e que vai funcionar com uma equipa multidisciplinar.

Uma unidade que Alice Santa considera “fundamental para melhorar o tratamento destes doentes”, pois surge “das necessidades do que nos tem sido verbalizado por eles próprios e do que nós, profissionais de saúde, sentimos que devemos oferecer como resposta à população”. O objetivo, destaca, “é apoiar os doentes adolescentes e jovens adultos com transplante renal, que ainda se encontram numa fase de construção da sua identidade e de independência, a gerir a sua própria doença e tratamento”.

Segundo explicou a coordenadora do CRTR, ua unidade deste tipo tornou-se tanto mais necessária à medida que se foi percebendo que o acompanhamento com equipas multidisciplinares, que podem incluir médicos pediatras e nefrologistas, enfermeiros, psicólogos, dietistas, assistentes sociais e outros, “vai demonstrando efeitos positivos na taxa de adesão à medicação, na diminuição de absentismo às consultas e na consequente diminuição no número de rejeições, antecipando-se menos episódios de urgência, menos doentes a passar para hemodiálise e consequente diminuição dos custos em saúde”. E da consciência dessa vantagem nasceu a ideia de criar uma Unidade Clínica para Jovens Adultos.

Mas a verdade é que esta unidade não surgiu do zero na organização hospitalar. Pelo contrário, “surge de um desafio acrescido que os profissionais sentiam há muito. Sempre procurámos trabalhar muito em conjunto, os que estão na parte pediátrica e os que estão na parte dos doentes adultos, porque havia sempre a fase em que as crianças tinham de passar para a unidade de adultos, mas só isto não chegava”, destacou Alice Santana.

Foi então que, em 2022, o CRTR decidiu avançar com um projeto-piloto que levou à criação de uma Consulta de Transição para não desamparar os doentes transplantados que faziam 18 anos e tinham de passar para a unidade de adultos. “Tivemos de individualizar o acompanhamento, pelo menos, na área da consulta, para que este fosse diferente”, refere Alice Santana. A consulta passou a ser feita só por alguns profissionais, “o que tornou mais fácil a criação de laços com os doentes”, percebendo-se também que esta permitia uma abordagem mais global do doente.

Só que não se podia tratar desta maneira só os doentes transplantados em crianças, os que têm de ser transplantados e acompanhados na adolescência precisavam também de um acompanhamento diferente. “Esta abrangência e a necessidade de se olhar para o doente de forma mais holística levou-nos a pensar numa unidade clínica que acolhesse todos os jovens adultos e cá estamos”, remata a coordenadora do CRTR. E o maior desafio, diz, “é ajudá-los a atingir uma certa maturidade, capacidade e responsabilização para o autocuidado na doença”.

A partir de hoje a Unidade Clínica para Jovens Adultos vai passar a acompanhar os cerca de 50 doentes entre os 18 e os 25 anos até aqui acompanhados ou na área da pediatria ou na área de adultos, “tal como todos os novos doentes que se encontrem nesta faixa etária”.

Transplantes em números

542 transplantes em 2024

Os sete centros de referência na área da transplantação do rim realizaram no ano passado 542 transplantes, menos cinco do que os realizados no ano de 2023. Mas, do total, dez foram realizados em crianças, revelou ao DN o Instituto Português do Sangue e da Transplantação. O número de jovens adultos transplantados não foi possível obter, já que “os dados ainda estão a ser trabalhados”, disseram ao DN. No entanto, é de destacar que Portugal tem a quinta maior taxa deste tipo de transplante na Europa. A unidade com maior número de transplantes realizados em 2024 foi o Hospital de Santo António, no Porto, com 110, seguido do Hospital de Coimbra, com 100 transplantes. Depois, aparece o Hospital de São João, também no Porto, com 90 transplantes, e a unidade do Curry Cabral, em Lisboa, com 89. O centro de Santa Maria realizou 73, o de Santa Cruz 64 e o Garcia de Orta 22.

547 transplantes em 2023

O número de 2023 não é muito diferente do do ano passado, mas ainda assim realizaram-se mais transplantes, 547, dos quais 71 foram de dador vivo, o que também não foi possível apurar em relação a 2024. Recorde-se que o transplante de rim é o mais frequente em Portugal. Segundo informação da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, e reportando a dados de 2022, há no país um rácio de 49,01 transplantes por milhão de habitantes. Portugal iniciou-se na transplantação do rim na década dos anos de 1980, com dadores mortos, sucedendo-se depois os transplantes de fígado, coração, pâncreas, pulmão, tecidos e células. Mas nos últimos anos, a própria SPN tem vindo a alertar para a necessidade da expansão dos programas de doação a situações de paragem cardiorrespiratória, bem como para o alargamento das equipas de promoção de colheita na generalidade dos hospitais.

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103 doentes morreram à espera de rim

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