Hospital Militar de Belém recebe imigrantes. Idosos da Ajuda contestam e querem lar e creche
“O problema é que o presidente da Câmara de Lisboa (CML) não quer fazer o centro intergeracional, não quer fazer nada, e agora está a aproveitar-se dos imigrantes para continuar a protelar um compromisso que tem com a população”, denuncia Vítor Pereira, presidente da Comissão Unitária de Reformados e Idosos da Freguesia da Ajuda (CURIFA).
Em causa está a promessa, feita em 2018, ainda pelo anterior executivo camarário, de que no antigo Hospital Militar de Belém iria ser construído um centro intergeracional, com lar para idosos e creche para as crianças desta freguesia da zona ocidental da cidade.
“Não queremos empurrar os imigrantes para fora dali, não é essa a questão. Eles merecem, tal como nós, ter qualidade de vida. Só não queremos é que se esqueçam do que nos foi prometido. Não queremos que se aproveitem de pôr ali aquelas pessoas para não construírem o centro intergeracional”, continua Vítor Pereira.
E acusa: “Ele [Carlos Moedas] quer é arranjar maneira de arrastar a situação e dizer que a população da Ajuda está contra os imigrantes. A população da Ajuda não está contra os imigrantes. O que nós queremos, urgentemente, é que o presidente da CML assuma os seus compromissos e comece a construir o equipamento intergeracional”.
Sucede que o Hospital Militar de Belém não é propriedade da CML mas sim do Governo. Aliás, foi o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, a anunciar que ali iria ser acomodado o centro de acolhimento para migrantes, em articulação com o ministério da Defesa Nacional - que tutela o edifício - e a câmara municipal, que há muito pedia um espaço para alojar a população migrante sem-abrigo da cidade de Lisboa.
“Uma parte do Hospital Militar de Belém foi o local disponibilizado, e já anunciado pelo Governo, para o acolhimento de migrantes. O processo de definição do protocolo que envolverá o Ministério da Presidência, o Ministério da Defesa Nacional e a CML está ainda a ser articulado entre as referidas entidades”, explica ao DN o executivo lisboeta.
Ainda não existe uma data para a abertura do centro de acolhimento para imigrantes sem-abrigo naquelas instalações. Certo é que terão de ser feitas obras de adaptação do edifício. “Naturalmente que o objetivo é que a operação permita, no mais curto espaço de tempo possível, a utilização do referido local como centro de acolhimento. São necessárias algumas obras para melhoria das condições gerais do espaço e adaptação para o novo fim a que se destina”.
Além das obras, outras instituições irão ser envolvidas no trabalho do novo centro de acolhimento de imigrantes em situação de sem-abrigo. “Pretende-se que este centro junte num só local diversas entidades como, por exemplo, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), Santa Casa da Misericórdia, Cruz Vermelha, Proteção Civil e Polícia Municipal”.
Por sua vez, a CURIFA designa outro local como mais conveniente para alojar esta população. “O quartel de Lanceiros 2, na Calçada da Ajuda, tem muito mais condições para receber estas pessoas. É um local que está vazio há vários anos e que está preparado para ter lá pessoas a morar”, avança Vítor Pereira.
E questiona: “O quartel tem refeitório, casas de banho, balneários, tem até espaço para a prática desportiva, tem camaratas, tem tudo. O presidente da câmara está a usar o Hospital Militar de Belém como um armazém, para depositar ali as pessoas, num local sem condições dignas”.
O dirigente da CURIFA vai mais longe e alvitra uma hipótese: “Se calhar é por causa de o quartel estar demasiado perto de Belém e do Palácio de Belém, todos pensamos nisso”. O DN contactou o Ministério da Defesa Nacional, que tutela os dois edifícios, no sentido de saber se a hipótese de utilizar o quartel foi equacionada mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
Ao mesmo tempo, o presidente da CURIFA acrescenta: “Porque é que se concentra este número todo de pessoas num sítio e não se espalha pelas outras freguesias da cidade? Se a quantidade de pessoas fosse menor, a própria junta de freguesia, com o apoio da câmara e do Governo, podia dar condições às pessoas: formação profissional, aprenderem línguas, legalizá-los, abrir-lhes um caminho para se integrarem na sociedade”.
Vítor Pereira lança mais uma crítica: “Não estamos nada preocupados que os imigrantes venham para a Ajuda. O que defendemos para os imigrantes é o mesmo que defendemos para nós: uma vida digna. E que haja uma verdadeira política de integração dos imigrantes e não esta, que é uma política assistencialista”.
O presidente da CURIFA ressalva: “Vão pôr ali 200 pessoas sem condições nenhumas para ali estarem? O combate à pobreza não se faz com políticas assistencialistas, de dar uma sopa. O combate à pobreza dá-se ao criar condições de vida para as pessoas, para que estas possam ser enquadradas na nossa sociedade e terem uma saída.”
A CML recorda que, “no início de abril teve uma operação conjunta, com diversas instituições da cidade e nacionais, que procurou resolver a situação de crescente concentração de pessoas em situação de sem-abrigo no jardim da Igreja dos Anjos, na freguesia de Arroios”. O objetivo desta ação, concretiza o executivo, “foi encaminhar e dar resposta às pessoas vulneráveis que ali se encontravam”.
Carlos Moedas, ao DN, defende: “Este é um problema muito exigente e para o qual é importante traçarmos novos caminhos. Os números apontam para três mil pessoas em situação de sem-abrigo na cidade, dos quais um número significativo está sem documentos e dorme em tendas, nas ruas da capital”.