O Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias (SINACC), novo modelo de gestão de listas de espera, que vem substituir o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), vai incluir uma consulta de triagem a todos os doentes que sejam referenciados para consultas de especialidade nos vários hospitais das 39 Unidades Locais de Saúde (ULS), quer esta referenciação seja feita por médicos de família, dos IPO ou até dos setores privado e social. O objetivo, como explicou ao DN a médica anestesista, Joana Mourão, coordenadora do Grupo de Trabalho que está desde março a delinear o novo sistema, “é não deixar nenhum doente sem resposta ou esquecido nos pedidos de consulta de especialidades”, tentando-se desta forma “uniformizar também a prestação de cuidados, pois há ULS que já realizavam estas consultas no prazo de uma semana, por exemplo, e outras que não. Há uma grande diversidade em todo o país. E o utente tem de ser tratado da mesma forma em todo o lado”. De acordo com a medida que vai estar incluída no SINACC, os hospitais terão de dar resposta aos doentes referenciados entre dois a cinco dias úteis, sendo o primeiro prazo para os que já vão com a indicação de que são prioritários e o segundo para os outros, que podem não levar essa indicação, mas que, depois, após observação do especialista, até possam ser considerados prioritários. Ou seja, a intenção “é não deixar nenhum doente que até pode ser prioritário esquecido nos pedidos de consulta”, explica ao DN Joana Mourão. E para que a medida e os prazos sejam cumpridos está a ser preparada uma ferramenta informática onde serão registados todos os pedidos de referenciação de consultas aos hospitais. “Quando fizemos um levantamento sobre como estavam a ser processados os pedidos de consulta para especialidades percebemos que existiam muitos feitos à porta - ou seja, prescritos em papel e entregues em mão nas unidades - e que poderiam ficar esquecidos, sendo que um terço destes pedidos eram de médicos dos IPO. Agora, queremos que a referenciação seja toda online, quer seja pedida por um médico de família, do IPO ou do privado. É também uma forma de termos uma visão completa dos pedidos de consultas que são feitos no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, refere. Porque, justifica mais uma vez, “há muitas ULS que já registam informaticamente todos os pedidos de referenciação, outras não. E há muitos que não são contabilizados”.Esta consulta de triagem, segundo Joana Mourão, deve começar a ser aplicada - não no início do programa, que deve entrar em vigor em setembro e em três unidades piloto (IPO de Lisboa, ULS de Coimbra e ULS Alto do Ave) -, mas em novembro, início da fase de transição do SINACC destas três ULS para as restantes. O que está previsto é que todas as mudanças que dizem respeito à área das consultas possam estar a funcionar no início do próximo ano, embora, assuma a anestesista, “a nossa expectativa é que o novo programa atinja o seu funcionamento em pleno até agosto de 2026”, explicando: “Repare que em relação às consultas, que são muito mais do que as cirurgias, há muita informação a recolher, e tanto a abordagem das questões como processo em si é mais complexo do que o das cirurgias”, destaca. Por isso, “as alterações irão sendo feitas progressivamente”.. Consultas de orientação entre médicos para tirar dúvidas sobre doentes A consulta de triagem ao doente definirá a prioridade para a consulta da especialidade, oque terá de ser marcada entre 30 a 120 dias, passando assim os tempos médios adequados para consultas em lista de espera de quatro para apenas dois. Agora, e de acordo com o SIGIC, os tempos definiam consultas em sete dias, 30, 120 ou 180 dias. No entanto, e como explica a médica anestesista ao DN, até se pode dar o caso de, na consulta de triagem, o especialista considerar que não há necessidade de marcar uma outra, pois conseguiu resolver a situação e as dúvidas que poderiam existir relativamente ao diagnóstico ou à terapêutica daquele doente. De qualquer forma, o médico que o referenciou poderá sempre solicitar ao hospital da ULS uma “consulta de aconselhamento e orientação”, que terá de ser realizada entre 15 a 30 dias. “É uma consulta entre clínicos onde quem referenciou o doente pode colocar as dúvidas que tem ou relatar a evolução do doente”, explica-nos. No fundo, destaca a coordenadora do SINACC, é uma espécie de ‘via aberta’ para que os médicos que acompanham um doente possam trocar impressões e tirar dúvidas. .Ordem dos Médicos exige correções no sistema de resposta às listas de espera. A médica sublinha que a medida é uma novidade, mas, mais uma vez, pode dizer-se que é uma prática de articulação entre médicos hospitalares e de família, ou outros, que já é feita nalgumas ULS e, até mesmo individualmente, entre colegas, mas “é importante que fique tudo registado até para se fazer o follow-up do atendimento ao doente”. Até à data, com o SIGIC, "não havia possibilidade de se fazer este follow-up, mas um dos objetivos do SINACC, que é centrar os cuidados no doente, irá permitir esta monitorização, uma espécie de timeline do doente. Esperamos que esta monitorização também sirva para fazer-se avaliações e correções ao próprio sistema”. A consulta de aconselhamento e orientação foi mesmo criada como um dos módulos que compõem o SINACC para que “faça parte do tempo clínico e para que a sua realização e prazos possam ser cumpridos. O processo fica assim mais sério”. Com este novo modelo, a partir do momento que o doente é referenciado para uma consulta, entra para a lista de espera e recebe um número, que não mudará, e que o próprio doente e o médico que o referenciou poderão acompanhar na plataforma do SINACC para saber quanto tempo falta para a marcação da consulta pedida. Se esta não for marcada no prazo máximo dos 120 dias, “o doente recebe um PIN por SMS com o qual poderá ir a outras unidades, com acordo com o SNS, procurar essa consulta, ou então esperar que o chamem na sua ULS”. O mesmo acontece com os utentes que entrarão em lista de espera para as cirurgias. . À questão do DN sobre se considera que as ULS do país estão preparadas para integrar e cumprir estas medidas, a médica acredita que sim. “O programa vai ter de ser oleado e avaliado. Já sabemos que há uma grande variabilidade no funcionamento das ULS no país e vai ser necessário que cada uma, na sua contratualização anual, olhe para a capacidade instalada e para os recursos humanos e perceba o que pode ser feito dentro da atividade programada e em atividade adicional”. SINACC muda tempos de espera para os adaptar à evolução da MedicinaJoana Mourão explica ainda que uma das preocupações na elaboração deste novo modelo de gestão de listas de espera foi a alteração dos tempos de espera, quer para as consultas como para as cirurgias, precisamente porque “à luz do que se sabe hoje, os cuidados médicos devem ser prestados no tempo adequado, para que se obtenham melhores resultados em Saúde”. E especifica: “Por, exemplo, na área da cirurgia, e no que toca aos doentes prioritários, tínhamos um prazo de resposta de 72 horas definido para situações urgentes, e como a própria designação indica, se é uma urgência, tem de ser tratada de imediato, não fazia sentido manter este prazo num sistema de cuidados programados”. Foi este entendimento que levou também à redução para dois tempos médios de espera para cirurgia, em vez dos quatro que existiam (72 horas, 15 dias, 30 e 180). Assim, sustenta a médica, no caso de doentes oncológicos, por exemplo, “o que está previsto, de acordo com o conhecimento atual médico, é que, desde que há a indicação cirúrgica para o doente, o prazo para que esta se realize é de 32 dias, senão pode haver consequências para o doente. No SINACC, definimos 30 dias, acreditamos que pode ser cumprido e assim há um tempo de preparação do doente para a cirurgia. Existia um de tempo de espera de 15 dias, mas que não permitia esta preparação. No caso das patologias não urgentes, quase todos os países têm 180 dias”. .Relatório do SIGIC aponta problemas na resposta . No futuro, destaca Joana Mourão, “pretendemos diminuir este tempo para certas patologias, embora este tempo tenha de ser sendo ajustado mediante a evolução da medicina, que está sempre a evoluir. Por outro lado, sabemos que há patologias que mesmo que os doentes tenham de esperar um ano não é grave”. A anestesista acredita que esta alteração aos tempos definidos no SIGIC - modelo que considera que, “para o seu tempo foi muito bem feito, mas já lá vão mais de 20 anos e, por isso, está desatualizado, precisando ser corrigido e adaptado à realidade atual” - venham a tornar o SINACC “num programa que permita a prestação de cuidados em tempos melhores. Aliás, “espero mesmo que os portugueses passem a ter uma melhoria significativa no acesso aos cuidados, com mais transparência e equidade”. Está previsto que o SINACC comece a funcionar em setembro nas três instituições piloto ( IPO de Lisboa e nas ULS de Coimbra e do Alto Ave). Unidades escolhidas por “termos representantes destas no grupo de trabalho conhecedores das suas realidades, que, no fundo, representam realidades diferentes de três regiões (sul, centro e norte). Por um lado, temos uma unidade, oncológica, uma ULS universitária e uma de menor dimensão”.Programa prevê formação para profissionais e mais avaliação até pelos doentesCom setembro à porta, a coordenadora do grupo de trabalho do SINACC, que é uma das 54 medidas do Programa de Emergência e Transformação da Saúde (PETS), apresentado pelo Governo em maio do ano passado, anuncia ainda que está a ser ultimado o módulo da formação que vai ser dada a todos os profissionais que trabalharão com este novo sistema. “Temos um programa de formação um pouco diferente dos que têm sido dados até agora e que está a ser preparado pelos Serviços Partilhados da Saúde. Sei que há algumas pessoas que estão preocupadas com este tipo de formação, mas eu digo que não há razão para isso. Vamos fazer o que já é feito noutros países e os portugueses são tão bons ou melhores que os outros”, argumenta. Segundo explica será um sistema “muito baseado em e-learning, com módulos de formação curtos e com avaliação da aprendizagem. Não se podendo progredir sem se ter feito a aprendizagem. Este método estará centralizado num grupo de formadores profissionalizados, disponíveis para auxiliar na formação, e será disponibilizado por WhatsApp ou até por Teams”. Mas Joana Mourão destaca ainda deste novo programa o módulo de “monitorização”, mais reforçado do que anterior, e a qual poderá ser feita pelo próprio doente e pelo médico de família ou outros que o acompanhem. “Quando o doente entra para a lista de espera recebe um número, este não muda mais, e pode ser controlado na plataforma do SINACC, de forma a que este doente não sofra atropelos”. A posição deste doente só mudará se entrar outro com uma situação mais prioritária, e esta tem de ficar registada pelo médico que a deteta no sistema, para que quando haja uma auditoria se perceba que doente passou à frente dos outros devido à sua condição. E esta “é uma das grandes diferenças em relação ao SIGIC”. Aliás, sublinha a médica, o SINACC vai conter ainda “uma série de indicadores, que vão estar disponíveis num módulo que é uma espécie de BI do doente, o qual vai estar acessível às ULS, para que estas possam gerir mais facilmente as suas listas de espera”, explicando: “É um sistema que já existe e é usado por outros países, nomeadamente o Reino Unido, no seu NHS (National Health Sistem).”Mas não só. O SINACC vai ter mesmo um módulo que permitirá ao doente avaliar o atendimento que lhe foi prestado. Trata-se do “programa PREMs (Medidas ou Experiências Relatadas pelo Doente, em português). Ou seja, o doente responderá a um conjunto de questões com vista à avaliação da qualidade do atendimento que recebeu, não será tanto uma análise aos resultados em Saúde, mas ao impacto do processo de atendimento, como a comunicação entre técnicos e doente. As questões feitas terão sempre em vista uma análise com base em situações objetivas e não propriamente em opiniões subjetivas.A elaboração de um novo programa de gestão de listas de espera “não é tarefa fácil. Há muitas preocupações e mudanças nos procedimentos”, por isso mesmo ainda há que afinar a área da faturação e incentivos para os procedimentos que vão ser feitos em atividade adicional, uma área que tem gerado muita polémica, após a denúncia do caso de dermatologia do Hospital Santa Maria, em que um médico auferiu quase 500 mil euros em dez sábados.