Há cada vez menos crianças em casas de acolhimento
Na última década os números caíram 25%. Ainda assim, no final de 2020 havia em Portugal 6706 crianças e jovens em acolhimento, a maioria retirados às famílias. A Segurança Social está a preparar-se para um outro cenário, que pode advir da guerra na Ucrânia.
Na última década houve uma quebra de 25% na entrada de crianças em casas de acolhimento. O último relatório da Segurança Social reporta ao ano de 2020 e indica ainda outros dados: nesse primeiro ano de pandemia, o país registou o número mais baixo de sempre de crianças e jovens que iniciaram um processo de acolhimento. Mas a situação pandémica pode, ela própria, explicar a queda abrupta. Porém, nos registos do Instituto da Segurança Social, I. P., não há como negar a evidência: "Fizemos muito caminho ao longo dos últimos anos." A conclusão é de Dina Santa Comba Macedo, dos serviços centrais da Segurança Social, proferida durante o I Encontro de Técnicos de Casas de Acolhimento, que decorreu recentemente em Coimbra, organizado pela PAJE (Plataforma de Apoio a Jovens Ex-Acolhidos).
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"Já não estamos naquele ponto em que eram os pais que iam pedir às instituições que cuidassem dos filhos para que tivessem um futuro, para serem doutores, ou na lógica daqueles anos em que ou os miúdos se portavam bem [nesses centros] ou a porta da rua era a serventia da casa. Depois, esses miúdos que andavam na rua, como no Parque Eduardo VII, muitas vezes acabavam na prostituição. Agora os miúdos até podem fugir, mas a polícia encontra-os e vai conduzi-los novamente às casas de acolhimento. Temos todos que fazer este caminho, desde as casas aos técnicos, passando pela comunidade", disse Dina Macedo ao DN, interpretando os números que constam do relatório elaborado no ano passado com dados relativos a 2020. Em junho próximo será conhecido o documento inerente a 2021.
"Temos que pensar que os miúdos que vão para o acolhimento muitas vezes vão zangados - porque as medidas são aplicadas e não é isso que eles querem; as famílias também estão zangadas, porque, ao aceitarem o acolhimento, vão aceitar ter que trabalhar uma mudança de comportamentos. E este novo olhar para o acolhimento - que eu julgo que vamos conseguir fazer nos próximos cinco anos - será uma mudança imposta pela própria demografia", enfatiza Dina Macedo, que é também professora no Instituto Superior de Ciências Educativas.
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Durante a intervenção que traçou o retrato do que é hoje o acolhimento em Portugal, esta responsável da Segurança Social deixou mais alguns dados. De 6706 crianças e jovens que estavam acolhidos no final de 2020, a maioria (52%) era rapazes, encontrava-se em casas de acolhimento generalista (86%) e cerca de 35% tinham entre 15 e 17 anos. Na sua maioria, as crianças e jovens conseguem regressar ao núcleo familiar (66%), seja ele composto por pais, tios, avós ou irmãos.
"Estamos a sentir uma quebra grande do acolhimento em termos da demografia e também dos programas que temos conseguido implementar. Temos programas que estão no terreno, e isso tem dado os seus frutos, por isso temos cada vez menos miúdos em acolhimento. Mas quem vai para o acolhimento está a precisar de um trabalho sério, terapêutico, de programas muito direcionados para trabalhar as questões de comportamento, dos traumas, que não são só de guerra [isto no caso das crianças que vêm de outros países], são também de histórias de vida de grande complexidade", afirma.
E fala da necessidade de alterar o paradigma do acolhimento, nomeadamente da importância do acolhimento residencial. "Precisamos de ambientes capazes de oferecer às crianças e jovens com histórias de vida complexas pelo menos alguma esperança de recuperação, de mudança e de crescimento saudável", afirma. Por outro lado, sublinha a importância de trabalhar também internamente, no que respeita à dinâmica das casas e centros. "As equipas têm pessoas que trabalham há 20 ou 30 anos, e muitas dessas pessoas ainda estão numa lógica de "os miúdos têm é que agradecer". É preciso mudar essa mentalidade. Perceber que "os nossos" - como muitas vezes é referido - não têm a história de vida que estes miúdos têm. E que eles vêm num sofrimento muito grande, que é preciso ajudá-los a reparar e quebrar um ciclo."
De acordo com este último relatório, é no distrito do Porto que mora a maior parte dos casos de crianças e jovens em acolhimento (1101), logo seguido de Lisboa (914). Ao invés, Viana do Castelo continua a ser aquele que regista o número mais baixo de casos de acolhimento, seguido de perto por distritos como Viseu, Portalegre, Évora ou Castelo Branco.
Em 2015, a lei de promoção e proteção foi republicada, com a indicação de sair a regulamentação da medida do acolhimento residencial, o que aconteceria em 2019 (164/219), remetendo para uma portaria a regulamentar o funcionamento das casas de acolhimento. Mas até hoje ainda se aguarda por ela.
Acolhimento de refugiados - uma nova realidade
O cenário de guerra e a vaga de refugiados que chega a Portugal trará, naturalmente, uma mudança no panorama do acolhimento também. Às crianças do Afeganistão que já tinham chegado podem vir a juntar-se crianças ucranianas. "Atualmente é residual o número de crianças que temos da Ucrânia que não estão acompanhadas ou vêm entregues a alguém. O que estamos a fazer na Segurança Social é confirmar se aquela pessoa é ou não idónea para ficar com a criança, para o tribunal validar. Para já, não temos miúdos que estejam a chegar completamente sozinhos. Mas poderemos vir a ter, quando a Polónia e outros países limítrofes começarem a dizer que não estão a aguentar e fizerem como a Grécia já fez antes, que é pedir ajuda a outros países da União Europeia."
dnot@dn.pt
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