Gulbenkian: António Feijó alerta para "turbulência nos investimentos"
Respeitar a integridade do legado sem comprometer a mudança é o desígnio do novo presidente da instituição que, na posse, lembrou a importância da mesma para o país.
A Cultura não é um jardim de Epicuro", assegurou António Feijó ao tomar posse como Presidente do Conselho de Administração da Fundação Gulbenkian, cargo para que fora eleito em dezembro do ano passado.
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Brincando com o facto de ser o primeiro titular de tais funções com uma formação académica que não o Direito ou a Economia (é professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, na área da Literatura Anglo-americana), acabou o discurso de tomada de posse a citar o romance de Henry James, Retrato de uma Senhora, onde se sentenciava que a sua protagonista, Isabel Archer, por ser um espírito tão livre e diferente do das damas do seu meio, ainda acabava casada com um arménio ou com...um português. Sendo a Fundação Gulbenkian o fruto do amor de um cidadão arménio por Portugal, António Feijó usou a alusão para brincar com o alegado caráter profético que muitos atribuem a certas obras de Literatura.
O novo presidente falou também da importância da "cultura interna de profissionalismo" que encontra na instituição, bem como da "necessidade de proteger a integridade dum legado que vem do tempo em que a Fundação Gulbenkian era o Ministério da Cultura oficioso num país dominado pela ditadura". Esta herança, que é "também de autonomia face aos poderes", como frisou, não pode, no entanto, ser um obstáculo à mudança, "até porque, ao longo das últimas décadas, várias das áreas tradicionalmente cobertas pela Fundação passaram a ser assumidas pelo Estado ou pela sociedade civil". Com uma "gestão prudente do património como constante, chegámos ao fim de 2020/21 com um ativo recorde" mas, advertiu, "os tempos que se avizinham fazem temer bastante turbulência na carteira de investimentos da Fundação."
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O novo presidente da Fundação lembrou na tomada de posse que os "tempos que se avizinham fazem temer turbulência na carteira de investimentos.
A chegada de António Feijó, que já era membro da anterior direção, corresponde à despedida de Isabel Mota, presidente nos últimos cinco anos - um mandato marcado por mudanças de fundo na vida da Fundação, como a própria lembrou no seu discurso, a que se somaram os desafios colocados por dois anos de covid-19 e "mais recentemente, por uma guerra que veio abalar as nossas convicções acerca de um futuro coletivo enquanto portugueses e Europeus".
Recorde-se que o mandato de Isabel Mota correspondeu "à alienação das participações da Fundação em combustíveis fósseis" com o desinvestimento na Partex (concretizado em 2019), alinhando "a FGC com a visão de futuro sustentável e circular, que partilha com outras grandes fundações internacionais." Para reforçar este desígnio, foi ainda criado o Prémio Gulbenkian para a Humanidade, atribuído anualmente, e que incide sobre questões relacionadas com as alterações climáticas." Também em 2019, a criação do Fórum Futuro permitiu que a Fundação passasse a dispor do seu próprio think tank, dando particular atenção às questões disruptivas para o nosso futuro, "numa perspetiva sobre a justiça intergeracional e sobre o futuro da democracia".
Isabel Mota referiu ainda a importância da transformação digital e do rejuvenescimento dos quadros que "dotaram a Fundação de uma agilidade e capacidade de cooperação que permitiu responder a uma situação inesperada, com a criação de um fundo de Emergência covid-19 que possibilitou a concretização de iniciativas num período extremamente curto e com muita flexibilidade."
A concluir, a presidente cessante falou da renovação do Centro de Arte Moderna, que se espera estar concluída em 2023, da expansão do jardim estendido a sul e do novo projeto científico do Instituto Gulbenkian de Ciência, baseado na investigação dos efeitos das alterações ambientais na saúde humana, com a instalação de um novo centro situado no Ocean Campus, em Pedrouços.
O objetivo é permitir que o IGC se torne num instituto mais colaborativo e aberto e com novas parcerias com as também novas instalações vizinhas da Fundação Champalimaud e do Hub do Mar da Câmara Municipal de Lisboa, para além da anunciada incubação do Centro de Investigação em Ciências Biomédicas da Universidade Católica. E, num voto de confiança no futuro, acabou o discurso como o iniciara, citando Scarlett O"Hara, a indomável protagonista de E Tudo o Vento Levou: "Afinal, amanhã é outro dia." Para ela e para a Fundação.