Governo congratula-se com acordo da COP29 mas queria "mais ambição" sobre mitigação
O Governo português congratulou-se este domingo com o acordo fechado na 29ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP29), que decorreu em Baku, no Azerbaijão, mas lamenta não ter havido "mais ambição" no que concerne à mitigação.
Em comunicado, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, destacou que as negociações em Baku "foram muito desafiantes" e que União Europeia "desempenhou um papel de liderança".
No texto, o executivo refere que "apesar das complexas circunstâncias" em que decorreram as negociações, foi conseguido um "importante consenso" quanto ao aumento do financiamento climático (New Collective Quantified Goal on Climate Finance -- NCQG), para 300 mil milhões de dólares anuais até 2025, triplicando a meta atual.
"As negociações foram muito desafiantes, com posições divergentes entre os países presentes na COP29. A União Europeia desempenhou um papel de liderança neste processo, contribuindo para um resultado positivo", afirma, no comunicado, a titular da pasta do Ambiente.
Segundo Maria da Graça Carvalho, "Portugal e a UE tinham como grande objetivo aumentar o valor de financiamento global, assim como ampliar a base de doadores para o financiamento climático, para que mais países possam contribuir para este esforço global".
"Conseguimos atingir estas metas e diversificar as fontes de financiamento", diz a ministra do Ambiente e Energia.
A nova meta, refere o Governo, será "alimentada por fontes de financiamento públicas e privadas, bem como através de fontes inovadoras de financiamento, tais como conversões de dívida em investimento climático, instrumento que está a ser utilizado com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e que Portugal pretende reforçar no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa".
Quanto à mitigação, foi mantido o consenso alcançado na COP28, no Dubai, apesar dos esforços da União Europeia para aumentar a ambição nesta área: "Gostaríamos de ter visto mais ambição na vertente da mitigação, mas tal não foi possível face ao bloqueio dos países produtores de combustíveis fósseis".
"Ainda assim, não retrocedemos e conseguimos manter vivas as metas alcançadas na COP28, que são uma base para futuras negociações", revela Maria da Graça Carvalho.
A governante refere-se ainda à decisão final sobre o Artigo 6.º, após quase uma década de negociações, que permite a operacionalização dos mercados de carbono no âmbito do Acordo de Paris: "Este é um resultado que permitirá apoiar os esforços de mitigação para implementação das contribuições nacionais (NDC) por parte dos países desenvolvidos e ao mesmo tempo canalizar investimento público ou privado para os países em desenvolvimento".
O comunicado destaca também o compromisso conseguido para a Meta Global de Adaptação (GGA), "cujo objetivo é fortalecer a resiliência e reduzir as vulnerabilidades às alterações climáticas" e o reconhecimento da "necessidade de avançar na compilação e no mapeamento de indicadores claros para monitorizar o progresso desta meta, cujos trabalhos serão terminados na COP30 em Belém, no próximo ano".
"Portugal continuará a trabalhar em estreita colaboração com a União Europeia e com outros parceiros internacionais para implementar as decisões da COP29 e para aumentar a ambição climática global", lê-se.
Presidente da Comissão Europeia saúda acordo
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, congratulou-se com o acordo alcançado na COP29, que disse marcar "uma nova era" na cooperação sobre as alterações climáticas e o seu financiamento.
Este acordo "estimulará o investimento na transição energética e reduzirá as emissões" de gás com efeito de estufa, afirmou von der Leyen nas redes sociais, citada pela agência francesa AFP.
França diz que acordo atingido "não está à altura dos desafios"
A ministra da Transição Ecológica de França, Agnès Pannier-Runacher, disse que o acordo alcançado é dececionante e "não está à altura dos desafios".
A COP29 foi marcada "por uma verdadeira desorganização e uma falta de liderança da presidência do Azerbaijão", lamentou a ministra, num comunicado.
"O texto sobre financiamento foi adoptado num clima de confusão e contestado por vários países", recordou Pannier-Runacher, considerando que o acordo "não está à altura dos desafios".
Ainda assim, a ministra reconheceu "vários avanços", recordando que o valor prometido pelos países ricos para os países pobres ameaçados pelas alterações climáticas é o triplo do disponibilizado atualmente.
Greenpeace dececionada
A organização ambiental Greenpeace descreveu o acordo como muito dececionante e avisou que irá atrasar as medidas e o financiamento necessários para combater a crise climática.
A Greenpeace disse que este valor fica muito longe do 1 bilião de dólares (960 mil milhões de euros) exigido pela sociedade civil e que não é totalmente financiado publicamente.
A baixa ambição dos países ricos deixa a população mais vulnerável, que já está a sofrer as consequências das alterações climáticas, sem recursos suficientes para mitigar o impacto, lamentou a organização.
A Greenpeace sublinha que a decisão final não representa qualquer progresso na exigência, já acordada na cimeira anterior, a COP28, de abandono progressivo dos combustíveis fósseis.
Além disso, não cobra impostos sobre a indústria fóssil e o acordo sobre os mercados de carbono permite que estas empresas comprem o direito de continuar a poluir, alertou a organização.
Associação Zero lamenta acordo insuficiente e pouco ambicioso
O acordo sobre financiamento climático é considerado pela associação ambientalista portuguesa Zero como insuficiente e pouco ambicioso face às necessidades dos países em desenvolvimento.
Num balanço da conferência anual da ONU, a associação diz em comunicado que as negociações terminaram "num infeliz clima de controvérsia e apreensão". E pede um "aumento exponencial" dos "curtos milhões" disponibilizados por Portugal para o clima.
Presente em Baku na conferência, a Zero lamenta que o acordo de financiamento de 300 mil milhões de dólares anuais (cerca de 287,86 mil milhões de euros, ao câmbio atual), dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, não tenha sido consensual, com vários países a não se poderem manifestar.
E diz que o acordo é pouco ambicioso e insuficiente face às necessidades dos países mais pobres, em especial as pequenas ilhas e os países menos desenvolvidos.
A proposta apresentada espera que todos os países contribuam para se conseguir atingir o teto de, pelo menos, 1,3 biliões de dólares por ano, enquanto o financiamento público fica apenas pelos 300 mil milhões de dólares, por ano, até 2035 -- "muito abaixo das responsabilidades históricas" associadas às emissões dos países desenvolvidos, diz a Zero.
Ainda sobre o financiamento, os países do chamado Norte Global defendem que uma grande parte de qualquer financiamento prometido terá de vir de subvenções, do setor privado, bancos multilaterais de desenvolvimento, ou outras estruturas financeiras alternativas.
O acordo apela também à cooperação dos países de economias emergentes, como a China e a Arábia Saudita, que não constam dessa lista de países com obrigações mas que na verdade têm capacidade financeira para ajudar e têm responsabilidade por serem atualmente grandes emissores de gases com efeito de estufa.
Depois, "os interesses dos combustíveis fósseis tiveram uma forte influência na COP29, com uma pressão evidente para preservar os lucros exorbitantes do petróleo e do gás, refletida no resultado final, que deixou muito a desejar", diz também a Zero no comunicado, afirmando que a Arábia Saudita, por exemplo, enfraqueceu o consenso alcançado no ano passado no Dubai sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
A associação ambientalista portuguesa também frisa que os Estados Unidos, "e outros países cuja prosperidade está vinculada a economias baseadas em combustíveis fósseis", não se comprometeram a fornecer recursos suficientes para ajudar as nações de baixos rendimentos na transição para fontes de energia limpa.
"Mais uma vez, os países mais vulneráveis são deixados a pagar o preço dos impactos das alterações climáticas, enquanto os países desenvolvidos se esquivam às suas obrigações", diz a associação.
E acrescenta: "A 'COP das finanças' falhou em responder às necessidades climáticas dos países em desenvolvimento, oferecendo apenas uma fração dos biliões necessários. Esta incapacidade de assegurar um financiamento climático adequado representa um fracasso da justiça, o que é profundamente preocupante e alarmante".
Ainda no mesmo comunicado, a Zero considera fraco o texto sobre a mitigação, falhando em estabelecer metas concretas para reduzir emissões, e diz que o que foi aprovado sobre mercados de carbono tem elementos positivos mas peca em transparência e integridade.
Da COP29 fica ainda a aprovação de um documento sobre o objetivo global de adaptação, e a criação do Roteiro de Adaptação de Baku.
A Zero pede que Portugal reveja a estratégia de adaptação no próximo ano e passe de facto à adaptação climática.
E apela ao "aumento exponencial" do financiamento climático internacional por Portugal, porque "nove milhões de euros por ano é insignificante".