"Gostaria que os polícias não se tivessem deixado arrastar nem manipular”
Pedro Granadeiro / Global Imagens

"Gostaria que os polícias não se tivessem deixado arrastar nem manipular”

Alberto Torres é um histórico do sindicalismo na polícia e fundador do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia. Esteve no protesto do Terreiro do Paço, a 19 de fevereiro, e descreve como “um vendaval” o momento em que os agentes se desviaram para o Capitólio.
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Alberto Torres foi presidente da Direção Nacional da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) no período de outubro de 1998 a dezembro de 2005, tendo sido pioneiro na luta pelo sindicalismo policial desde 1979, um ano depois de ter ingressado na PSP.
Está aposentado desde 2006, após ter requerido o estatuto de “aposentação extraordinária” por incapacidade física (devida a sequelas de acidentes em serviço, em 1993 e 1995).

Sabemos que esteve do Terreiro do Paço em 19 de fevereiro, na manifestação dos polícias. O que viu lá e o que não gostou de ter visto?
Como sabe, estou ligado ao sindicalismo policial desde a sua criação, tendo colaborado diretamente com Joaquim Santinhos e José Carreira. Participo em todas as lutas sindicais que visem a melhoria das condições salariais e de trabalho dos profissionais das forças de segurança, em especial aquelas que dizem respeito ao pessoal da Polícia de Segurança Pública (PSP).

Relativamente à última concentração na Praça do Comércio, em Lisboa, que reuniu cerca de três milhares de manifestantes, foi para mim mais um momento de grande emoção, porque encontrei ali muitos camaradas, alguns dos quais com quem tive o grato prazer de ter iniciado a luta pela dignificação da classe policial, e por ter sido também naquele local que tiveram origem os célebres acontecimentos do que ficou conhecido como os “Secos e Molhados”, quando Cavaco Silva era chefe do governo em Portugal.

Não me respondeu ainda em concreto à pergunta….
Digo que a concentração decorreu com todo o civismo e dentro da normalidade democrática. No entanto, já quase na parte final desse encontro, uma mensagem anónima começou a ser passada entre os participantes, incentivando a que todos se deslocassem para o Cineteatro Capitólio.

De imediato, como se por ali tivesse passado um vendaval, ficaram no Terreiro do Paço apenas algumas centenas de profissionais das forças de segurança. Confesso que aquilo que estava a acontecer me deixou bastante surpreendido e preocupado.

Mas, ao mesmo tempo, verifiquei que os dirigentes da plataforma dos sindicatos das forças de segurança (responsáveis pela convocatória do protesto) ficaram no Terreiro do Paço, numa atitude de grande responsabilidade institucional.

E foi até ao Capitólio?
Não acompanhei, não. Entendi que devia permanecer junto dos responsáveis pela organização do protesto. Não fui para o Capitólio e preferia que todos tivessem ficado no Terreiro do Paço.

Mas também não entendo a razão por que certos comentadores interpretaram essa deslocação como sendo algo de extrema gravidade.

De facto, não existe na lei qualquer proibição a um grupo de cidadãos, polícias ou outros, que se façam deslocar de forma ordeira pelas artérias de qualquer cidade do país ou que, eventualmente, se concentrem numa praça pública, desde que não causem quaisquer alterações da ordem pública. E, neste aspeto, parece-me que tudo terá decorrido dentro dos parâmetros da legalidade.

Também junto ao Capitólio não terá havido qualquer constrangimento relativamente a outros cidadãos ou impedimentos na via pública.

O DN publicou testemunhos de várias figuras públicas que descreveram ameaças e  “sensação de sequestro”… Como classifica isso?
A serem verdade certos factos sobre eventuais impropérios dirigidos a alguns jornalistas e comentadores políticos na sessão havida no Capitólio, não posso deixar de lamentar tais comportamentos.

Tive a oportunidade de acompanhar, através dos órgãos de comunicação social, alguns dos intervenientes, aparentemente pessoas isentas, que declararam não terem verificado nada de anormal.

Como já disse, pessoalmente gostaria que os profissionais das forças de segurança tivessem permanecido no Terreiro do Paço, junto dos dirigentes da plataforma de sindicatos que convocaram o protesto, e que não se tivessem deixado arrastar nem manipular por mensagens ou apelos de intromissão de “entidades ou pessoas” sem rosto e que apenas procuram este momento de legítimo descontentamento dos profissionais das polícias para os distrair dos reais problemas que a todos afetam.

No entanto, não posso deixar de lamentar algumas declarações de pessoas que se apresentam perante a opinião pública como gente sensata e de enorme credibilidade, mas que falam de ameaças e de “sensação de sequestro”.

Obviamente, tais afirmações só podem ter sido retiradas do contexto do atual momento político. Os polícias decidiram transmitir apenas para a opinião pública a forma como têm vindo a ser destratados e mesmo espezinhados pelos sucessivos governos.

Apesar dos insistentes apelos ao diálogo com os responsáveis da tutela, só através desta forma de protesto os polícias conseguiram que viessem a lume os problemas que ao longo dos anos nos afligem, e para os quais nunca houve respostas.

Da sua experiência como dirigente sindical, encontra paralelo noutras alturas nesta sucessão de “protestos espontâneos”?
Também no passado, os profissionais da PSP foram obrigados a tomar algumas posições de forma espontânea e clandestina. A pró-ASP/PSP nasceu há cerca de 40 anos de um processo algo similar.
Portugal, que está a comemorar meio século de regime democrático, ainda não reconhecia, há 45 anos, os direitos de cidadania aos seus polícias. Quem não se recorda das perseguições aos principais ativistas sindicais?

E eram já passados 25 anos depois do 25 de Abril de 1974, e ainda se produziam em Portugal centenas de comunicados e eram publicadas notícias nos órgãos de comunicação social a denunciar que os nossos governantes não respeitavam os direitos dos cidadãos polícias.

Nos contactos com outros sindicatos de policias europeus, foi-nos possível constatar, há muitos anos, que os governos dos respetivos países respeitam os direitos dos seus polícias há mais de meio século.

Mas está a comparar com um tempo em que os sindicatos não estavam ainda legalizados….
No passado, os profissionais da PSP lutaram pelo direito constitucional a constituírem os seus sindicatos, que de forma abusiva lhes foi negado durante muitos anos pelos sucessivos governos. Com a criação de sindicatos na PSP, todos esperávamos uma postura séria e de abertura ao diálogo por parte da tutela. Infelizmente isso não aconteceu.

E os policias, desesperados pela falta de resposta dos sucessivos governos caíram na “armadilha” do Governo com a criação de mais e mais sindicatos. Os profissionais da PSP deveriam ter aprendido com as más decisões de trabalhadores de outras áreas laborais.

A divisão da classe policial não é solução para dar respostas aos problemas relacionados com as condições de trabalho e dos baixos salários. Com os recentes mas legítimos protestos dos polícias, verificamos que o Governo tem procurado fazer-se de vitima e fugir às suas responsabilidades. Espero que os profissionais das forças de Segurança, sigam as orientações dos dirigentes sindicais e lutem em unidade e com confiança no futuro.

Como é possível que com 19 sindicatos na PSP não lhes seja possível controlar estes protestos?
Não tenho a certeza se o número de sindicatos existentes na PSP, a que faz alusão, hoje, são representativos do esmagadora maioria dos profissionais da Polícia. Parece-me que alguns terão perdido capacidade de existência, depois da última alteração à Lei Sindical da PSP.

A existência de sindicatos depende do número de associados e a maioria dos profissionais da PSP está ligada aos sindicatos, quer como associados ou simples simpatizantes. Os sindicatos, continuam a merecer grande crédito no interior da PSP.

Acontece que os sucessivos governos tudo têm tentado para o seu descrédito. Faz parte da história do sindicalismo policial em Portugal o incentivo, por parte de responsáveis governativos, à criação de mais sindicatos (de classe ou de grupo), com a promessa de resolverem os seus problemas por essa via.
Apesar desta postura dos sucessivos governos, não existe um diálogo sério.

Ano após ano, temos sido confrontados com a velha argumentação dos responsáveis da tutela, sobre alegada falta de verbas.
Tem havido uma enorme descriminação face a outras polícias, com baixos salários e ausência de um verdadeiro subsidio de risco que compense a disponibilidade permanente e o risco da nossa função. E não é verdade que haja uma maior qualificação por parte de outros serviços de Polícia.

Aliás, as qualificações que agora são motivo de referência discriminatória não existiam no passado e não era por isso que esse ou esses corpos de Polícia deixaram de ser considerados excelentes.

Não acha que a ASPP, como organização histórica e moderada, se devia demarcar de forma perentória deste género de protestos?
Mas já reparou que, no espaço da Comunidade Europeia, só os polícias portugueses é que têm de lutar na rua para verem reconhecidos direitos que outras nações europeias há muito reconhecem aos seus polícias?…

A ASPP/PSP continua a manter a sua postura institucional em representação da esmagadora maioria dos profissionais da PSP. Estou plenamente convencido de que a Direção da ASPP/PSP tudo tem feito institucionalmente para conter e moderar os protestos e enquadrá-los numa postura mais condizente com a responsabilidade que todos nós assumimos quando decidimos entrar para a PSP.

Infelizmente, podemos facilmente verificar que idêntica responsabilidade não tem sido assumida pelos governantes, dando assim razão a que os polícias protestem conforme tem acontecido ultimamente.
Recordo, a propósito, que o atual senhor primeiro-ministro na sua carreira política, já exerceu, entre

outras funções, os cargos de ministro da Administração Interna, pelo que é conhecedor da falta de condições de trabalho e dos baixos vencimentos que auferem os profissionais da PSP.

Além de não ter resolvido estes problemas, também permitiu que tivessem agravado outros problemas, designadamente o aumento a contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação, e que se tivessem degradado os serviços de saúde existentes na PSP.

Não me respondeu à questão…. Devia ou não a ASPP demarcar-se perentoriamente?
A ASPP/PSP tem tomado posição publica sobre esse assunto e a plataforma dos sindicatos, responsável pelas ultimas manifestações, adiou os protestos dos polícias para depois das eleições que ocorreram do próximo dia 10 de Março.

Estes sinais têm uma leitura que deve ser devidamente interpretada por todos mas principalmente por quem tem as responsabilidades da governação do país.

Não tenho qualquer informação privilegiada, mas é público que tem havido reuniões com o Ministro da Administração Interna e a Direção Nacional da PSP com todos os sindicatos. Estou convencido de que os sindicatos, entre os quais a ASPP/PSP, terão feito chegar à tutela, de forma responsável, as suas preocupações, quanto ao atual momento que se vive na Instituição.

Terá havido também uma falha substancial do governo em manter um canal de diálogo aberto, pelo menos com os sindicatos de maior expressão, como a ASPP?
Conheço bem a PSP onde orgulhosamente prestei serviço cerca de trinta anos e sei que os profissionais da Policia sempre pautaram as suas atuações com posturas de grande responsabilidade e ética profissional.

A crise atualmente existente deve-se à acumulação de sucessivos erros, provocada ao longo dos anos pelos sucessivos governos, com graves prejuízos coletivos e individuais para todas as Polícias.

Os profissionais das Forças de Segurança precisam de confiança e de garantias para o futuro e os sindicatos estão disponíveis para um diálogo franco com a tutela da PSP. Neste momento de crise que as instituições policiais vivem, não se compreende o total silêncio do Primeiro-Ministro e do Senhor Presidente da República.

De facto, tem faltado vontade política ao Governo para, juntamente com os representantes sindicais, procederem a uma verdadeira reforma dos Serviços de Segurança Interna e de valorização profissional de todos os profissionais das Polícias e que, ao mesmo tempo, essa reforma vá ao encontro dos interesses do país.

Bastaria que os nossos governantes passassem a fronteira para perceberem as alterações efetuadas já há muitos anos no país vizinho e como resultados significativamente positivos. Apesar da fuga ao diálogo por parte do Governo, a ASPP/PSP e os restantes sindicatos da PSP têm feito sucessivos apelos ao Governo para um diálogo franco e aberto com vista à resolução dos problemas.

O Governo pode bem “gabar-se” perante as instâncias internacionais de que Portugal é dos países mais seguros do Mundo e até pode mostrar que os homens que estão na base dessa segurança são aqueles que estão na rua, vestem uma farda, azul ou verde, e que são esses profissionais de Polícia que verdadeiramente protegem e dão segurança a todos aqueles que visitam o nosso país. O que não pode é destratá-los e espezinhá-los continuadamente

Suponho que ache legítimo a reivindicação dos polícias, em relação a um aumento do suplemento de risco. Mas enquanto a Polícia Judiciária tem três suplementos (o de missão, prevenção e piquete) a PSP tem oito, sendo que o maior dos problemas está nos salários base dos agentes, que são muito baixos. Que conselho daria aos sindicatos próximo governo para começar a negociar um aumento que fosse exequível e sustentável do ponto de vista orçamental?
Como sabe, estou aposentado e não sou parte interessada neste processo. Entendo no entanto que cabe ao Governo aproveitar as declarações dos representantes de todos os partidos que se mostraram favoráveis à aplicação do subsídio de missão às restantes Forças de Segurança e dos montantes aplicados à Polícia Judiciária e encetar urgentemente negociações com os sindicatos representativos e aproveitar a sua disponibilidade para que possam contribuir para pacificarem internamente as instituições policiais.

Relativamente aos subsídios vencidos nos vários serviços e Forças de Segurança, não é possível fazer qualquer comparação, uma vez que os subsídios têm montantes diferenciados e nem todos são aplicados ao universo dos profissionais.

Um jovem no início de funções, colocado em Lisboa no serviço de patrulha, a trabalhar por turnos, fins de semana, feriados e dias santos, vencendo todos os subsídios a que tem direito, aufere um vencimento liquido a rondar os mil euros.

Considero estes vencimentos muito baixos, face ao atual nível de vida, agravado pelo facto de a maioria destes jovens serem oriundos do interior, com as suas famílias deixadas para trás. Esta é uma boa explicação para a pouca adesão dos jovens aos concursos para agentes da PSP.

Como deve recordar-se, há cerca de dois anos que a ASPP/PSP e outros sindicatos das Forças de Segurança apresentaram ao Ministério da Administração Interna uma proposta de aumentos no salário base, atualização dos subsídios e a atribuição de um subsídio de risco no montante de quatrocentos e vinte euros, valor que nessa altura já era atribuído aos funcionários da Polícia Judiciária.

Nessa proposta, apresentada ao Governo, os sindicatos das Forças de Segurança declararam aceitar negociar o pagamento do referido subsídio de risco, de forma faseada e durante quatro anos.
Mostraram estar de boa fé.

O Governo, infelizmente, desvalorizou a proposta dos sindicatos e impôs aos profissionais das Forças de Segurança um subsídio de risco de cerca de setenta euros, sujeito aos respetivos descontos. Por isso, deverá ser o Governo a assumir as suas responsabilidades e, em negociações com os representantes sindicais, dar soluções às justas reivindicações dos polícias. 

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