Investir em recursos humanos leva a melhores resultados em Saúde para utentes, aconselha estudo da OCDE.
Investir em recursos humanos leva a melhores resultados em Saúde para utentes, aconselha estudo da OCDE.Artur Machado

Gastar mais em Saúde não traz, necessariamente, mais resultados para doentes, diz OCDE

Inquérito mundial aos utentes sobre serviços públicos de Saúde revela que sistemas ainda sentem "impacto dramático da pandemia". É precisa nova organização e políticas para responder às necessidades.
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“Os sistemas de saúde estão sob pressão e precisam de mais e melhores informações da população para servirem melhor”. Esta é uma das frases que consta do relatório final do inquérito feito aos utentes de 19 países (Austrália, Bélgica, Canadá, República Checa, França, Grécia, Islândia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Roménia, Arábia Saudita, Eslovénia, Espanha, Suíça, Reino Unido, só País de Gales, e Estados Unidos da América) sobre a utilização dos serviços de saúde dos sistemas públicos e que pode sintetizar o objetivo deste trabalho levado a cabo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que conclui que são precisas novas medidas e políticas que coloquem o utente no centro da organização dos serviços e dos cuidados.

Investir em recursos humanos leva a melhores resultados em Saúde para utentes, aconselha estudo da OCDE.
Portugueses têm saúde abaixo da média da OCDE e confiam menos no sistema de Saúde

Segundo o documento, divulgado esta quinta-feira em Lisboa, num evento que conta a com participação da Direção-Geral da Saúde e decorre todo o dia na Fundação Oriente, “os sistemas de saúde continuam numa pressão sem precedentes, devido ao impacto dramático da pandemia da Covid-19, e para que consigam fortalecer a sua resposta e resiliência são precisas novas abordagens e políticas assentes na transição demográfica e mudança tecnológica”. É sublinhado ainda que o objetivo que levou a este inquérito internacional foi preencher uma lacuna, já que "os políticos precisam do melhor conjunto possível de informações e dados”.

O inquérito, designado como “Patient Reported Indicators Surveys (PaRIS)”, envolveu a audição de mais de 100 mil utentes (107 000), com mais de 45 anos e com doenças crónicas, que utilizaram 1800 unidades de saúde de cuidados primários de 19 países. Em Portugal, foram quase 12 mil utentes (11 744) de 91 centros de saúde.

O objetivo principal do PaRIS era, precisamente, saber de viva voz quais as “necessidades” dos utentes dos serviços de saúde para que sejam tomadas decisões e os sistemas possam adaptar-se. E isto porquê?. Porque, segundo explica o relatório, “as pessoas vivem cada vez mais tempo, têm vidas mais longas, mas não necessariamente melhores”.

De acordo com o PaRIS, cerca de 8 em cada 10 pessoas com 45 anos têm pelo menos uma doença crónica, mais de metade tem duas e mais de um quarto até três ou mais. Por isso, “avaliar os resultados obtidos de junto de pessoas que vivenciam doenças crónicas ajuda a entender como os sistemas de saúde as acolhem e as tratam”.

Qualidade de cuidados tem efeito na Saúde do utente

Os resultados do PaRIS destacam que existe “uma relação clara entre as experiências, ou os cuidados prestados pelos serviços de saúde, e o estado de saúde física, mental e social das populações", referindo, por exemplo, que há países, como Austrália, República Checa, França e Noruega, onde a maioria das pessoas relatou experiências positivas com os cuidados, juntamente com resultados de saúde relativamente bons".

Mas há países em que os utentes relatam boa experiência com os serviços, mas que tal não tem equivalência em bons resultados de saúde. É o caso da Grécia, Islândia, Itália, Portugal, Roménia e Espanha. Depois, há outros países, como o Reino Unido (País de Gales) e Portugal em que os utentes apresentaram experiências vividas nos serviços de saúde e resultados nos níveis de relativamente negativos".

Uma das coisas que este inquérito demonstra igualmente é que nos países com o melhor desempenho também existem “grandes variações em experiências e resultados entre diferentes grupos socioeconómicos”.

O PaRIS demonstra que relativamente aos sistemas de saúde não é garantido que “gastar mais leve a resultados de saúde eficazes”. Segundo o relatório, “embora maiores gastos com a saúde possam estar associados a melhores resultados para alguns indicadores, tal não se traduz necessariamente em melhores resultados ou experiências para os pacientes em geral”.

E dá como exemplo a República Checa e a Eslovénia que pontuam bem na maioria dos indicadores do PaRIS, embora tenham gastos com saúde per capita relativamente baixos. Já os Estados Unidos relatam pontuações favoráveis ​​em qualidade e bem-estar experimentados, mas gastam mais do dobro do valor per capita de alguns outros países com pontuações comparáveis.

Países com mais profissionais apresentam melhores resultados em Saúde

Além dos gastos, há algo que está patente neste relatório e que é muito importante para o utente: “A disponibilidade de médicos e de enfermeiros”. O relatório indica que “a maior disponibilidade de força de trabalho em saúde está positivamente associada a três dos dez indicadores-chave do PaRIS”. Por exemplo, nos países com mais recursos humanos na Saúde, como Islândia, Noruega e Suíça, o nível médio de bem-estar da população é maior, tal como a sua saúde física e saúde mental.

O documento destaca ainda que, “embora esta análise não estabeleça uma relação de causalidade, há benefícios potenciais em investir em recursos humanos para melhorar os resultados de saúde relatados pelos pacientes”.

Menos recursos económicos e menos escolaridade leva a mais doença

Outro dado apresentado é o facto de as pessoas com baixos recursos económicos e baixos níveis de educação enfrentarem mais problemas. Ou seja, adoecem e desenvolvem mais doenças crónicas e mais cedo na vida e, uma vez doentes, apresentam piores resultados de saúde em comparação com aquelas que têm doenças crónicas, mas melhores recursos económicos e mais educação.

Por outro lado, os utentes com mais recursos económicos e maior nivel de escolaridade relatam menos situações de doenças. No relatório é referido que "34% dos doentes com maior nível de escolaridade, entre os 45 e os 54 anos, não têm doenças crónicas, comparativamente com 23% dos que têm níveis de educação mais baixos".

Estas diferenças foram também detetadas quando se avalia a saúde global, saúde física e saúde mental dos utentes, consoante os grupos de menor ou mais rendimento ou menor mais educação.

Por isto, o relatório reforça haver uma “necessidade urgente de adaptar os sistemas de saúde às necessidades de uma população crescente que vive com múltiplas situações crónicas”.

O que valorizam os utentes na sua avaliação?

Na sua avaliação, de acordo com o relatório da OCDE, os utentes valorizam o que, na língua inglesa, os especialistas designam como os Trêes T's (Time, Tailored Care, Trouble-free/Safe Care) – ou seja, Tempo, Cuidados Personalizados e Cuidados Seguros sem Obstáculos.

O tempo é o primeiro item mais valorizado, nomeadamente os tempos de espera mais curtos e o tempo passado com os profissionais de cuidados primários. Os utentes que relataram que “o profissional de saúde dos cuidados primários passou tempo suficiente com elas demonstraram quase 90% de mais probabilidade de confiar no sistema de saúde em comparação com aquelas que não perceberam que esse era o caso (64% em comparação com 34%).

Os doentes que "vivenciaram tempos de espera que consideram problemáticos confiam menos no sistema de saúde, esse padrão foi consistente em todos os países do PaRIS".

Os resultados mostram ainda que “relacionamentos contínuos com o profisisonal de saúde é algo muito importante para o paciente".

O segundo ponto, cuidados personalizados, são muito valorizados pelos doentes, sobretudo quando “os profissionais explicam as coisas claramente e fornecem indicações por escrito para ajudar os pacientes a gerirem os cuidados em casa”.

Mais: os doentes também relataram sentirem-se “significativamente mais confiantes na gestão do seu estado de saúde quando os médicos os envolvem nas decisões e quando recebem forte apoio nesta gestão dos cuidados – os níveis de confiança mais altos foram referidos em França e nos Países Baixos.

O terceiro ponto – Trouble Free/Safe Care – ou se quisermos Cuidados Seguros sem Obstáculos, nomeadamente o acesso aos cuidados de Saúde, é igualmente muito valorizado pelos doentes. Aqueles que tiveram situações menos positivas neste casos relataram pouca confiança nos sistemas de saúde.

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