Medo. É a emoção que prevalece em Tânia Vieira, depois da inesperada morte do marido num acidente de trabalho. O medo que se abate à noite, quando chega o silêncio e o confronto “é com o nada”. Com 34 anos, tem desde setembro de 2023 a responsabilidade de levar para a frente uma casa onde crescem três filhos e acolhe a cunhada, retirada à mãe (sogra de Tânia) aos 12 anos pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. A noite tornou-se um inimigo. “Durmo três, quatro horas, se tomar medicação durmo cinco”, diz. As unhas (o que sobra) são testemunha dessas “curtas longas horas” preenchidas pela saudade, que bate à porta, após onze anos de casamento, pelas dúvidas e receios do futuro..A infelicidade e estas dificuldades levaram Tânia Vieira a inscrever-se nas consultas de apoio psicológico que integram o programa Feliz (Mente), que a Câmara de Gaia tem no terreno desde dezembro do ano passado. Como aponta Helena Carvalho, uma das seis psicólogas que integram o projeto, as consultas têm progressivamente registado mais adesão, com destaque para as mulheres. Os homens, embora atualmente mais sensíveis às questões da saúde mental, “continuam a alimentar ideias de que não choram, não sofrem”, diz. As utentes chegam com “níveis elevados de cansaço (do trabalho, dos cuidados à família, das cargas que suportam sem qualquer retaguarda), com dificuldades em dormir, queixas de ansiedade, depressão e lutos patológicos”. Casos de violência doméstica, comportamentos aditivos e perturbações graves são encaminhados para os serviços de saúde..“Estou sempre com medo”, mas “não tenho tempo para ter depressão”, sublinha Tânia Vieira, e sorri. No dia da conversa com o DN, a filha mais nova acordou com febre. A avó ficou com a menina de cinco anos para que Tânia viesse ao Centro Cultural e Social do Olival encontrar-se com a psicóloga Helena Carvalho que, em março, passou a acompanhar esta jovem mãe. O peso da responsabilidade de assegurar a vida dos três filhos, os dois mais novos com doença crónica, e da cunhada, depois de ficar apenas com o rendimento do seu trabalho e uma pensão de viuvez de 150 euros, era e continua a ser elevado. “Estou sempre com medo que as vendas [tem uma loja de roupa] não cheguem para pagar as contas”..Mas o medo de Tânia Vieira não são apenas as contas. Depois de ter interiorizado a morte do pai, o filho Gustavo dá sinais de depressão. Foi a uma consulta de pedopsiquiatria em janeiro, no Hospital de Gaia, e ainda não voltou a ser chamado. Ainda assim, não há tempo para fraquezas. O apoio de Helena Carvalho, primeiro semanal, depois quinzenal e agora de três em três semanas tem-lhe permitido trabalhar emoções como a perda - para a qual a família tem pouca compreensão -, a violência doméstica que sofreu com o primeiro marido ou a preocupação com os filhos. Tânia Vieira não resolveu ainda os seus problemas. Continua a pegar no aspirador, porque, diz, é quando para que tudo desmorona. .No programa Feliz (Mente) as consultas são gratuitas e, por isso, respondem a uma franja da população de Gaia que, de outra forma, teria dificuldade em aceder a estes cuidados. Todas as 15 freguesias do concelho têm um Gabinete de Apoio Psicológico, com consultas uma vez por semana (em Canidelo, com mais habitantes, há duas vezes por semana). Segundo o último balanço do programa, já foram atendidos 352 utentes e realizadas quase 1700 consultas, havendo 145 processos em acompanhamento e 59 atendimentos a aguardar agendamento..As consultas são mais procuradas por pessoas entre os 26 e os 65 anos (67%), seguindo-se os maiores de 65 anos. As mulheres representam 79% dos pacientes..De acordo com Patrícia Lopes, psicóloga e adjunta do presidente da Câmara de Gaia, os gabinetes de apoio psicológico vêm dar resposta a um problema identificado no concelho, para o qual os centros de saúde não conseguem solução imediata. “São pessoas com vulnerabilidade económica, para as quais a psicologia ainda é considerada um luxo”, diz. Mas o programa, lançado em 2022, é bem mais vasto. Como frisa a responsável, “o município não está só no momento de crise, mas na prevenção e promoção da saúde mental”. Há por isso vários eixos, que envolvem todos os munícipes, dos mais jovens aos mais velhos, e distintas entidades. O Feliz (Mente) recebeu um financiamento no âmbito do PRR de 465 mil euros.