Fundação O Século. Acusação por abuso de confiança, 5 anos depois
Cinco anos depois das primeiras buscas da PJ nas instalações da Fundação O Século, o Ministério Público (MP) deduziu acusação. Emanuel Martins e João Ferreirinho, respetivamente presidente e vice-presidente do Conselho de Administração da instituição de 2012 a 2018, estão acusados da autoria material, na forma consumada e continuada, da prática de um crime de abuso de cartão de crédito qualificado, em concurso real com um crime de abuso de confiança qualificado, na forma consumada e continuada. Na tese do Ministério Público, ambos estão ainda acusados de atuarem em cumplicidade.
Os arguidos agiram “de forma livre, deliberadamente e conscientemente” (…) cientes de que as suas condutas não lhes eram permitidas e que eram punidas e proibidas por lei criminal”, pode ler-se no acórdão do Ministério Público, com data de 31 de agosto de 2023, assinadas pela magistrada Telma Soares.
Toda a matéria relacionada com a contratação de familiares ou de amigos pelos suspeitos “deixou de ter viabilidade para a prossecução da ação penal determinando o arquivamento dos autos”. A decisão está sustentada pelo acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, de 13 de fevereiro de 2020 que fixou a seguinte jurisprudência: “o conceito de organismo de utilidade pública não abarca as instituições particulares de solidariedade social, deixando de se aplicar aos membros dos órgãos sociais ou trabalhadores das IPSS ou outras associações de direito privado com estatuto de utilidade publica os crimes associados ao conceito de funcionário”.
Um longo rol de provas testemunhal e documental - extratos de remunerações, pagamentos junto da APPLE, pagamentos com cartões de crédito em restaurantes e em postos de gasolina, registos e ficheiros informáticos, correspondência eletrónica e mapas de controle de viaturas, pagamentos online, relatórios da segurança social e apreensões realizadas em casa dos dois arguidos, em 2018, serve de suporte à acusação.
Recorde-se que os autos tiveram origem numa comunicação feita pela Instituto de Segurança Social, dando conhecimento de uma auditoria financeira realizada à fundação O Século, “expondo o apuramento de elevados salários e de outras mordomias (viatura, telemóvel cartões de crédito, cartão BP para abastecimento de combustível)” ao presidente e vice-presidente da fundação “e ausência do devido suporte documental de gastos aceites pela contabilidade”. Os arguidos, diz a magistrada, “sabiam que os cartões de crédito associados à conta da fundação, em razão das suas funções destinavam-se a ser usados em proveito e interesse da fundação não para fins pessoais ou de terceiros”.
A cumplicidade
“Os arguidos beneficiaram ambos de encobrimento mutuo, que fizeram um ao outro”, defende Telma Soares. Cumplicidade que a tese do Ministério Público diz ter-se estendido de 2012 a dezembro de 2017, “na prossecução e interesse pessoais e contra as normais instituídas pelo conselho de administração para uso daqueles cartões enquanto meios de pagamento”, escreveu a magistrada, para concluir, no ponto seguinte: “Após a ação inspetiva da Segurança Social, não houve alteração significativa por parte do vice-presidente João Ferreirinho na utilização do cartão de crédito, pois continuou recorrer a ele para despesas pessoais”, apontando, como prova documental, extratos de conta relativos ao ano de 2017, “onde continuam a aparecer despesas respeitantes a restaurantes e a Apple iTunes”.
O Ministério Publico promove que venha a ser declarado pelo tribunal a perda a favor ao estado da vantagem patrimonial de que beneficiaram os arguidos - Emanuel Martins em pelo menos 23.706,60 euros e João Ferreirinho em 21, 706, 57 euros. Ainda que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos ao Termo de Identidade e Residência, medida já prestada nos autos, “por se manterem inalteráveis os pressupostos que determinaram a sua aplicação e inexistirem razões que determinem o seu agravamento”.
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