Falta de professores: mais alunos sem aulas e menos docentes para colocar
Para combater a falta de professores, o Ministério da Educação (ME) implementou medidas extraordinárias, chamou de volta para as escolas professores que estavam em mobilidade estatutária, renovou contratos incompletos, alterou as regras da Mobilidade por Doença (MPD) e completou horários nas regiões de Lisboa e Algarve (as regiões mais afetadas pela escassez de docentes). Contudo, o número de alunos sem professores a uma ou mais disciplinas continua a aumentar. Eram 60 mil em setembro e são, agora, mais de 80 mil.
Se comparamos o panorama até 10 de outubro do ano passado com igual período deste ano, o balanço é negativo. "Em 2021, até 10 de outubro foram pedidos, em oferta de escola, 6384. Este ano são 6899, mais 500. Significa que há mais horários que não foram ocupados e mais alunos sem professores. E se retiramos destas contas os horários com menos de oito horas (são os que vão diretamente para oferta de escola, sem passar pelas reservas de recrutamento), eram 3030, em 2021 e agora são 3784", explica ao DN Davide Martins, professor de Matemática e colaborador no ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação).
O docente, que elabora estudos comparativos para o blogue, afirma que estes números "são ainda mais preocupantes porque, apesar das medidas do ME, não há um abrandamento da escassez de professores". "A situação agrava-se apesar das medidas que foram implementadas", sublinha.
Davide Martins encontra outro sinal de gravidade na situação atual, porque "dos 35 grupos de recrutamento existentes, mais de metade dos horários por atribuir está concentrada em três grupos: 1º ciclo, Educadores de Infância e Educação Física". "Os outros grupos estão na penúria no que se refere aos professores disponíveis para lecionar", lamenta. Acrescenta ainda, que, destes horários, poucos são os docentes que concorrem para as zonas de Lisboa e Algarve, as mais afetadas pela falta de docentes.
Davide Martins acredita que "se o ME não tivesse reduzido as mobilidades, nem tivesse completado horários, estaríamos muito pior", apesar de se continuar com "o nível de gravidade"". "Estamos num ponto muito semelhante ao do ano passado, mas há um pormenor interessante. Este ano há menos professores colocados em Lisboa e há menos professores disponíveis nesta altura", observa.
No ano passado, em igual período (até 10 de outubro), estavam 21 221 professores por colocar nas listas de Reserva de Recrutamento. Este ano, são 19 987, menos 1234. Embora o número pareça elevado, Davide Martins lembra que indicia algo significativo na problemática da escassez de docentes: há menos professores disponíveis este ano letivo.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) faz um "balanço negativo" das primeiras semanas do ano letivo 2022-2023. "Embora admita que o ME está a tentar atenuar este constrangimento, o que é certo é que há milhares de alunos sem professores. E a tendência não é para melhorar. Vai piorar ao longo do ano. A falta de professores já se sentiu, este ano, em agosto e isto nunca se tinha visto antes de outubro, novembro ou dezembro", sublinha.
O responsável da ANDAEP avança ainda haver mais baixas médicas este ano, "o que era expectável face à alteração da Mobilidade Por Doença". Filinto Lima lamenta que o ME não reavalie a situação dos docentes a que foi negada a MPD e relembra que os professores com mais de 50 anos representam 45% do total de todos os níveis de educação. "O ministério devia rever os pedidos de MPD até para não ficar com problemas de consciência como no recente caso da morte de uma professora. Um peso na consciência que podia ser evitado", pede.
O caso a que o presidente da ANDAEP se refere chocou a comunidade escolar no início do mês. Josefa Marques tinha cancro e este ano letivo viu ser-lhe negada a colocação perto de casa por causa das novas regras da mobilidade. Ficou colocada a 200 quilómetros de casa e acabou por morrer sem ter resposta por parte do ME ao recurso que tinha feito.
Filinto Lima reitera o pedido que tem feito ao ME e ao Ministério das Finanças. "Estamos a debater-nos com a falta de professores e, apesar de terem sido implementadas soluções administrativas, não há uma solução de fundo para um problema estrutural. A situação está a agravar-se. São necessárias medidas concretas, como o aumento de vencimentos dos professores tendo em conta a responsabilidade, o apoio à estadia para os professores que estão a centenas de quilómetros de casa ou a alteração à aberrante avaliação de desempenho docente. Há medidas que devem ser tomadas urgentemente e o ME tem de pressionar o ministro das Finanças", afirma.
Filinto Lima acredita que, na ausência de "medidas de fundo", o ano letivo ficará marcado por uma grande contestação. Embora afirme que as greves se poderão vulgarizar, pede uma "atitude concertada desde logo no diálogo com o ME e por parte dos próprios sindicatos". "Temos é que resolver este problema de uma vez por todas e encontrar soluções", conclui.
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