Nuno Sepúlveda é epidemiologista e professor na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Nuno Sepúlveda é epidemiologista e professor na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.PAULO SPRANGER/Global Imagens

Fadiga crónica e covid longo: doenças invisíveis que param vidas

Epidemiologista Nuno Sepúlveda participou em Lisboa num congresso internacional onde se falou sobre estas síndromes. A fadiga que provocam dificulta atividades do dia a dia.
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A Encefalomielite Miálgica (EM), também conhecida como Síndrome da Fadiga Crónica (SFC), é uma doença invisível que faz com que que as atividades mais simples do dia a dia, como ir trabalhar ou subir umas escadas, se tornem num fardo. O covid longo tem sintomas semelhantes a esta síndrome e o seu surgimento pode trazer um novo fôlego para investigação. Nuno Sepúlveda é epidemiologista e professor na Universidade Técnica de Varsóvia e no Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa, e foi durante o pós-doutoramento que conheceu um grupo que se dedicava ao estudo da Encefalomielite Miálgica.

A Síndrome da Fadiga Crónica não tem uma causa conhecida e não é detetável em exames laboratoriais e de diagnóstico e, por isso, o diagnóstico é feito por exclusão de outras doenças com sintomas semelhantes. “O que é mais característico nesta síndrome é que as pessoas são intolerantes ao esforço, tanto físico como mental. Atividades que são rotineiras como subir umas escadas, ler um livro ou estar numa reunião de trabalho passam a ser muito complicadas para estas pessoas”, diz ao DN Nuno Sepúlveda, que esteve recentemente em Lisboa para a primeira conferência internacional sobre covid longo.

Segundo a Myos, a Associação Nacional contra a Fibromialgia e Fadiga Crónica, os sintomas da Encefalomielite Miálgica/Síndrome da Fadiga Crónica variam de pessoa para pessoa e, na mesma pessoa, variam de intensidade ao longo do tempo. Os principais sintomas são fadiga, mal-estar pós-esforço problemas cognitivos e de memória, gânglios linfáticos dolorosos e dor de garganta, dificuldade em estar de pé ou sentado, mesmo que por pequenos períodos de tempo, dor de cabeça, dor muscular ou articular, sono não-reparador ou hipersensibilidade.

Outros sintomas podem incluir dificuldade em engolir, febre baixa, distúrbios intestinais, ansiedade e depressão, alergias, tremores e suores noturnos.
Nesta síndrome, a fadiga varia e, segundo o epidemiologista, este acaba por se tornar num dos grandes problemas. “Na Síndrome de Fadiga Crónica, as pessoas sentem-se com energia, sentem que o cansaço passou, passam a querer ter uma vida normal e aí têm o chamado crash.”

Após esta quebra, a pessoa volta a ter níveis de energia muito baixos e tem de voltar para casa. “Isto causa um problema de dinâmica, principalmente em termos profissionais, em que as pessoas regressam ao trabalho passado um tempo de baixa e quando regressam a casa estão novamente de rastos. E isto passa a ser um ciclo vicioso. O que acontece é que, depois, as próprias empresas têm dificuldade em manter essas pessoas nos quadros.”

Como se relacionam a SFC e o covid longo?

Pessoas que são e foram infetadas pelo SARS-CoV-2 afirmam que continuam com alguns sintomas semanas após a infeção, incluindo fadiga, falta de ar, cansaço excessivo para esforços ou alterações cognitivas ou do sono. Estes sintomas têm depois um forte impacto na forma como conseguem viver a sua vida, tal como com a Síndrome da Fadiga Crónica.

A SFC pode ser provocada por infeções virais ou bacterianas e o covid longo surge também após uma infeção, neste caso por SARS-CoV-2. “Em ambos os casos, à partida, o organismo resolveu a infeção, mas as pessoas continuam a sofrer os sintomas. Em termos de mecanismo da doença em si, poderá em parte estar relacionado com as doenças autoimunes. Ou seja, o covid longo e o SFC têm uma componente em que o sistema imunitário está extremamente ativo, provocado por uma resposta que primeiro foi para o agente infeccioso e que depois passou para as componentes do nosso próprio corpo, tornando-se num ciclo crónico persistente nesse aspeto”, explica o professor.

Atualmente não existe um tratamento para estas condições pelo facto de os sintomas variarem de pessoa para pessoa. “O que a comunidade médica faz é mais ou menos gestão de sintomas. Atualmente está a fazer-se investigação de ponta para verificar se medicamentos que são mais indicados para cancro ou doenças autoimunes, podem ser aplicados neste contexto. Mas ainda estamos em fase de testes.”

O epidemiologista considera que o desconhecimento de critérios de diagnóstico faz com que as pessoas que surjam com estes sintomas possam ter diagnósticos errados.

Nuno Sepúlveda considera que a preocupação da comunidade médica e científica com o covid longo trouxe mais reflexão sobre o SFC.

“A Síndrome de Fadiga Crónica surgiu muitas vezes em contextos de epidemias e surtos e, por isso, foi mais ou menos natural o surgimento do covid longo. Muito recentemente, em 2015, houve um surto de ébola em África e nos estudos de seguimento desse surto detetou-se que muitos profissionais de saúde continuaram com muitos sintomas mesmo depois de terem combatido a infeção”, diz o Nuno Sepúlveda.

O epidemiologista conclui lembrando que nestes casos, em termos de política de saúde, não há proteção do trabalhador, o que impede a pessoa de ter uma baixa incapacitante ou uma reforma antecipada.

sara.a.santos@dn.pt

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