Faça sol ou faça chuva levamos o tempo a falar nisso
Fazer previsões do tempo é uma das ciências mais exigentes. À imprevisibilidade da atmosfera juntam-se as reclamações dos portugueses quando estas falham. Os próprios meteorologistas confessam que não gostam de errar. Dos profissionais do Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA) aos amadores que vão seguindo os modelos de previsões ou os dados das estações meteorológicas, todos têm em comum o fascínio por antecipar o que os céus nos mandam. E os fenómenos extremos são os mais desafiantes, como descobrir onde cai um aguaceiro ou onde passa um tornado. O trabalho deles permite ainda ajudar a combater incêndios ou decidir em que semana se faz obras em casa.
"Fico danada quando falho. Acho que vai ser uma coisa e não é"
Há anos que Maria João Frada frequenta a mesma sapataria. Ainda hoje lhe acontece ser a dona da loja a fazer-lhe as previsões do tempo. "Ela às vezes diz-me para comprar as botas naquela semana porque na seguinte vai chover e vai vender tudo". A comerciante está munida do Borda d"Água e avisa a meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) de como vai estar o tempo. A reação de um dos rostos da meteorologia na televisão pública é esboçar um sorriso. "O que é que posso dizer. O Borda d"Água funciona numa lógica de médias. Há de acertar alguma coisa."
Até ela que há duas décadas olha para o tempo e o tenta prever com base em modelos diários ainda não consegue fazê-lo sem falhas. "Fico danada quando falho. Acho que vai chover e não chove ou que fica nevoeiro e não fica." Maria João Frada tem experiência suficiente para começar logo a conversa por dizer que as previsões não são uma ciência exata. São quase, mas às vezes há fenómenos que se tornam imprevisíveis. Por exemplo, na quinta-feira (8 de junho) em que visitámos as instalações do IMPA, no aeroporto de Lisboa, havia previsões de chuva para Bragança, feitas pela equipa da noite. Ora, a meteorologista considerava que não ia chover. "Temos de conjugar tudo, os modelos dão coisas que podem não ser reais. Acredito que a altura a que estão estas nuvens qualquer vapor de água que caia não chega à superfície da Terra, evapora antes."
Logo aqui percebemos que a meteorologia é uma ciência feita com base em modelos matemáticos e físicos dos movimentos na atmosfera: temperaturas, ventos, ondas, mas que aos quais deve ser acrescentada a análise humana.
Na sala de previsões meteorológicas, os ecrãs mostram as várias imagens de satélite, de radar e gráficos. É pela conjugação dos vários elementos que o meteorologista há de dizer ao país como vai estar o dia. E os dois dias seguintes. Isto porque, em matéria de previsão só se consegue alguma fiabilidade a três dias - "cinco, no máximo". Por isso, nenhum meteorologista gosta de responder à pergunta: "Como vai ser o verão?". Dizem apenas que podem ser feitas tendências, mas não previsões.
"Há estados da atmosfera muito estáveis, mas outros não. É mais fácil prever no verão ou no inverno. A primavera e o outono são estações de transição e os modelos falham mais", aponta a responsável pelas previsões desta manhã no IPMA. De tal maneira que "esta primavera tem sido uma vergonha. Há uma grande confusão nos modelos". Quem os produz é o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (ECMWF), e consistem em mapas que cortam horizontalmente a atmosfera em diferentes altitudes. Analisando aí fatores como as temperaturas, a trajetória das ondas de Rossby (correntes de fluidos que circulam de oeste para leste e podem ter ar quente ou frio). As previsões surgem da análise das condições nas diferentes altitudes.
É possível recolher estas informações pelos satélites de hora a hora. Neste momento, o IPMA usa os mapas de três em três horas. Diz a experiência de Maria João Frada que "demasiada informação pode ser prejudicial". Já que há situações em que os modelos mostram fenómenos que depois acabam por não acontecer. "Sou previsora há 20 anos e antigamente era tudo feito à mão, com os mapas dos satélites impressos. Hoje em dia somos bombardeados com uma overdose de informação e temos modelos a dar coisas contraditórias", aponta a especialista, que ao longo de toda a conversa faz um esforço por manter as explicações percetíveis para quem não tem formação em Física. Um dos modelos em que Maria João pouco confia é o Arome: "Dá fenómenos de mais pequena escala, quando acerta é muito bom, mas não acerta muito, pelo que acabamos por só usar para desempatar com outros modelos."
Uma das formas de verificar a fiabilidade dos modelos é confirmar o que foi previsto com o que efetivamente as estações meteorológicas distribuídas por cada um dos concelhos registaram. "No fundo, as estações não fazem previsões, mas validações dos modelos."
Mas quando as previsões falham e os meteorologistas dão indicações erradas, não há quem não diga mal. E mesmo admitindo que a classe é "mais credível", Maria João Frada reconhece que isso não impede que "tenhamos os nossos fiascos".
Nos dias das falhas é normal aumentar o fluxo de telefonemas para o IPMA, ou não fosse discutir o tempo um desporto nacional. "Temos muitas pessoas que nos telefonam para saber como vai estar o tempo." Além dos casos mais profissionais: "As agências de viagem, produtoras para gravações, grandes produtores agrícolas, agências de publicidade" (ou como no dia da nossa visita ao IPMA, os responsáveis do festival Primavera Sound no Porto - que começava nesse dia - para saber se as nuvens eram motivo para preocupação). Há depois os casos mais pessoais, como "o senhor que quer saber se há trovoadas no Porto ou a senhora aflita dos ossos que quer que vejamos a humidade". Como organismo público que é, o IPMA atende todos, entre os turnos de 12 horas de cada equipa.
Quem entra de manhã tem a seu cargo lançar as previsões para o briefing com a Proteção Civil. O estado do tempo no Continente é transmitido às autoridades para que no caso de risco (de incêndio, mau tempo ou ondulação forte) estejam alerta e lancem avisos.
Assistimos a esse ponto da situação, que todos os dias se realiza às 10h40, e que foi coordenado pelo diretor da divisão de Previsão Meteorológica, Vigilância e Serviços Espaciais, Nuno Moreira. Numa sala em ligação por videoconferência, Maria João Frada explica que a nebulosidade é alta, que as temperaturas descem, mas que o risco de incêndio é elevado.
Depois de acabar esta passagem de informação, que não demorou mais de cinco minutos, os meteorologistas voltam para a sala de previsões, onde têm de ver como vai estar o tempo nos próximos cinco dias para a Madeira - à semelhança do que já fizeram para o continente - e a previsão do estado do mar, que vai ser entregue à Marinha. "É uma previsão para a ondulação, vento e visibilidade nas 20 milhas do continente e da Madeira". Nos Açores as previsões são feitas pela delegação local. Toda esta informação pode à primeira vista parecer muito demorada, mas Maria João assegura executá-la em pouco tempo: "Sou muito rápida." Até porque, se "a atmosfera é um contínuo", as previsões do tempo quase que entram nessa lógica.
Vendo o que já mudou no campo das previsões e o que teve de estudar para se manter atualizada, Maria João Frada acredita que mais pode ainda ser feito. No futuro, via com bons olhos que o IPMA fizesse previsões "de curto prazo para fenómenos extremos". "Quase ao estilo de andar atrás das tempestades."
Ajudar os bombeiros com a meteorologia de proximidade
Hélder é um autodidata, mas o seu hobby costuma ser muito útil para a região de Abrantes, onde vive. "Há uns anos, era vereador, por acaso na área da proteção civil, entre outras, e houve um grande incêndio aqui na zona. Já tinha a estação meteorológica e quando chegaram as equipas de novos bombeiros para ajudar tive a oportunidade de avisar o comandante dos bombeiros de que o vento ia mudar de direção e que era melhor mandar os homens para outro lado. O vento mudou na direção que disse e o fogo foi ter com os bombeiros que se anteciparam no combate. Fiquei orgulhoso, claro, por ter corrido bem."
O professor reformado conta esta história como um dos exemplos em que o seu gosto pela meteorologia acabou por ser determinante. Desde que tem uma estação em casa e que criou o site MeteoAbrantes que as suas previsões são tidas em conta pela proteção civil da cidade e também pela distrital, embora esta última "há menos tempo".
Créditos que conquistou com o trabalho de proximidade. "Criei uma página com os dados de estações meteorológicas aqui do distrito e a proteção civil agora tem um ecrã com essas informações."
O seu interesse pelo tempo que faz começou na juventude. Foi preciso um evento quase dramático para criar no professor o gosto por antecipar os fenómenos do tempo. A avaria do seu barco em plena albufeira de Castelo de Bode, quando caiu um trovoada - "típica das tarde de agosto" - fazendo dele o único para-raios nas redondezas, fez com que Hélder nunca mais quisesse ser apanhado desprevenido pelo tempo. E pelo caminho quis perceber porque acontecem estes fenómenos. Corria o ano de 1977 e Hélder nunca mais perdeu o encanto pela adivinhação do tempo.
Acabou por não seguir a carreira devido "às fracas perspetivas de emprego", mas manteve o hobby sempre perto. Passou por todas as fases: do aparelho para ligar à TV cabo e ao canal italiano RAI que dava os mapas, a uma primeira estação meteorológica logo que a sua venda foi liberalizada - "houve uma altura que só o instituto de meteorologia é que podia ter" - até à atual estação que tem em casa e todos os programas informáticos que permitem calcular com precisão o que acontece pelo menos a três dias de distância. O antigo professor de Português não tem dúvidas da qualidade do trabalho dos meteorologistas amadores. Considera até que o IPMA poderia recorrer a eles com mais frequência. Elogia a iniciativa do organismo público em criar uma rede de colaboradores mesmo que esse projeto tenha ficado "parado" por causa do abuso de alguns dos elementos amadores que foram chamados a fazer formação. "Há uma rede, não mais de uma dezena, de meteorologistas amadores que encaram com muita seriedade esta tarefa das previsões", elogia.
Na sua opinião, o IPMA teria a ganhar em utilizar os conhecimentos e dados destes amadores porque "conseguiria previsões mais fiáveis na pequena escola, por ter dados mais de proximidade". Um dos exemplos é mesmo nos casos de incêndio.
Neste caso, o facto de o IPMA indicar risco elevado de incêndio para zonas que já tiveram grandes incêndios no último ano. "Não basta olhar para as temperaturas e o tipo de vegetação que há na zona. É preciso saber se houve incêndios aí ou não. Porque num sítio que já ardeu, o risco não pode ser máximo." O meteorologista de 56 anos explica que consegue ter um indicador mais fiável para o risco de incêndio por ter em conta essas variantes.
Enquanto na terra lhe estão sempre a perguntar se há novidades no tempo e se é preciso ter atenção a alguma coisa, Hélder não reúne tanta curiosidade junto dos seus familiares mais próximos. "Tenho dois filhos que só quando querem ir para a praia é que perguntam. Só se tiver sorte com os netos...", brinca.
De amigos curiosos a empresários do ramo das previsões no Facebook
O verão vai ser semelhante ao do ano passado, com temperaturas acima da média de anos anteriores. Quem antecipa esta tendência para os meses de junho, julho e agosto (o verão meteorológico começa a 1 de junho) é a página do Facebook BestWeather. Por detrás dessas linhas estão Daniel Zeferino, Francisco Rodrigues e André Frade, um meteorologista da Força Aérea, um estudante de Geografia Física e um radialista, respetivamente.
No Facebook apresentam previsões diárias para Portugal, Açores, Madeira e atualizam os eventos mais significativos ao longo do dia. Fazem uma descrição do tempo, "com previsão das horas a que podem ocorrer eventos como chuva ou trovoada e em que distritos", descreve Daniel Zeferino. Respondem ainda a pedidos específicos que vão sendo feitos nas caixas de comentários.
Dois anos na rede social, com 28 546 gostos e publicações que têm mais de 100 mil pessoas de alcance, levaram os três amigos a perceber que há espaço para uma empresa privada de meteorologia em Portugal. O objetivo é cobrar os serviços específicos para as previsões pretendidas. "Já nos contactaram porque iam fazer obras em casa e queriam saber como ia estar o tempo nessa semana. Fizemos as previsões para todos os dias e cobrámos um euro por dia", exemplifica Francisco Rodrigues. Trabalho que pode ser estendido a empresas ou particulares, acreditam. "Começaremos com hotéis, empresas de desportos lúdicos e de eventos outdoor, por exemplo", acrescenta Daniel, o primeiro mentor da empresa. Neste momento, estão já em fase de apresentação de um modelo de negócio, para a incubadora de empresas do Montijo, têm o site quase pronto e estão a iniciar as conversações para uma aplicação de telemóvel.
Se a paixão pela meteorologia surgiu na vida de Daniel no 12.º ano e o levou a estudar esta área, os dois companheiros de aventura não se deixaram levar para essa profissão. Francisco até nem está longe com a Geografia Física, mas admite que é mais um autodidata. "Com 12 anos faltava às aulas para ir para a biblioteca ler sobre previsões e mapas." Hoje continua focado no serviço público que esta sua paixão pode proporcionar. Já André ainda está a pensar o que vai fazer no ensino superior. Depois de aos 11 anos ter pedido uma estação meteorológica como presente de natal, o jovem, de 21 anos, dedica-se agora à função de locutor na Popular FM. "Penso em fazer um curso superior, provavelmente na área da meteorologia, mas agora estou meio dividido com a comunicação."
Os três esperam que este projeto possa ser verdadeiramente inovador. Até porque, frisam, que as suas previsões são mais certeiras que as oficiais. "Estamos sempre os dois [Daniel e Francisco] a ver as previsões em conjunto e fazemos uma atualização constante", justifica o meteorologista da Força Aérea.
As análises dos dois colegas é feita com base nos mapas do centro europeu (alguns dos que são usados pelo IPMA) e depois "por uma série de outros modelos que são de acesso livre", aponta Daniel.
"Não basta olhar para o modelo, temos de ver se aquela previsão faz sentido, se é uma zona de montanha o de vales, que por vezes não são tidos em conta nos modelos", aponta Francisco. Verdadeiro entusiasta dos fenómenos da atmosfera aproveita logo para explicar que "o inverno é muito mais variável e é mais fácil fazer previsões no verão, mas o nosso tempo é difícil de prever".
O que não quer dizer que esteja tudo a mudar e que já não existam estações do ano como antigamente. "As pessoas esquecem-se depressa do que aconteceu. Mesmo o aumento da temperatura média por causa das alterações climáticas não é percetível para os humanos. A verdade é que em Portugal já aconteceu de tudo: muito calor, tornados, trovoadas, aguaceiros", descreve Francisco.
É a pensar no gosto popular pela antecipação dessa imprevisibilidade que a BestWeather espera ter clientes para prosperar.