Europa quer limitar direito à greve dos controladores aéreos

Comissão Europeia refere prejuízos económicos para os países para tentar mudar legislação. Governo está a analisar

A Comissão Europeia quer ver alterado o direito à greve dos controlares de tráfego aéreo. Uma medida que, segundo anunciou num documento assinado pelo presidente Jean-Claude Junker, pode reduzir os conflitos laborais e, ao mesmo tempo, diminuir os prejuízos económicos sofridos com as paralisações destes profissionais.

Na Estratégia para a Aviação, um conjunto de propostas para o setor, é pedido que os países aumentem o número de dias de entrega de um pré-aviso de paralisação até à data da mesma - para 14 no mínimo, atualmente em Portugal, no caso desta profissão, é de 10. E que o trabalhador seja obrigado a dizer até 72 horas antes da data da greve se vai aderir - o que no nosso país não é possível, segundo a lei da greve. Esta ideia deixa dúvidas aos constitucionalistas ouvidos pelo DN que em relação às restantes, frisam, poder não existir problemas em acolher algumas na legislação nacional (ver texto secundário).

O gabinete do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, confirmou ao DN já estar na posse deste pacote legislativo que irá agora ser analisado. Como esta proposta irá ser discutida no Parlamento Europeu e no Conselho, o governante "reserva uma posição para mais tarde".

No documento, disponível no site da UE (https://ec.europa.eu/transport/modes/air/aviation-strategy_en#timeline-entry-3196) é referido que os controladores têm de garantir o controlo de voos que atravessem o espaço aéreo europeu em caso de paralisação. O quarto item da iniciativa - que será discutida no Parlamento Europeu e no Conselho - é o pedido para que se evitem greves em momentos de grande atividade aérea.

Esta recomendação - a Comissão não tem poder legislativo - já foi contestada pelas confederações de sindicatos que acusam a UE de estar a querer retirar direitos aos trabalhadores. "O direito à greve é um direito fundamental garantido pelas leis europeias e internacionais", frisou ao DN, numa resposta por escrito, Esther Lynch, o secretário da Confederação Europeia de Sindicatos. O dirigente que acusa a UE de querer levar por diante uma iniciativa "antidemocrática, inaceitável e completamente contrário à ambição do presidente Junker de criar uma Europa social".

Para justificar a proposta, a Comissão recorre aos prejuízos que as greves dos controladores aéreos têm provocado: 5.300 milhões de euros nos últimos 12 anos. Lembrando que em cerca de uma década foram cancelados 243 mil voos, com mais de 27 milhões de passageiros afetados.

No entanto, apesar de não ser referido, a concorrência que as companhias aéreas do Médio Oriente têm apresentado às empresas dos diversos países, pode ter estado, igualmente, na origem do documento que tem como objetivo apresentar ideias para aumentar a competitividade da aviação europeia de forma a, segundo Bruxelas, proporcionar mais emprego.

Dizer se faz greve

Um dos aspetos mais problemáticos do documento - que refere aspetos como o crescimento da aviação comercial na Europa, a inovação, como ter voos mais baratos e a necessidade de serem oferecidas mais ligações aéreas - é o pedido para que o trabalhador diga até 72 horas antes da data de uma greve se vai aderir. O que, no caso português por exemplo é impossível de acontecer pois o empregador não pode questionar o empregado sobre se vai fazer aderir.

"O direito à greve está assegurado em dois documentos estruturantes da UE, o "Pilar Europeu dos Direitos Sociais" e a "Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia". Como esta questão está fora do âmbito da Comissão estão a tentar mudá-la através desta recomendação. Fere os direitos fundamentais, caso, claro, a constituição não seja revista", adiantou ao DN fonte oficial da direção do Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo. Para SINCTA a UE está a ser "seguidista do lobby de algumas companhias de aviação que tentam justificar os seus atrasos com a gestão do tráfego, mas a verdade é que mais de metade dos atrasos deve-se às companhias". E nem o argumento dos prejuízos - 12 mil milhões de euros de impacto na economia da UE desde 2010 devido às greves dos controladores - convence. "Esse impacto foi calculado pelas companhias aéreas. Os sindicatos já demonstraram que não é verdade", garantiu a fonte do SINCTA. O sindicato acusa ainda a Comissão de não estar a cumprir o Tratado europeu que prevê a existência de "discussão destas matérias sociais tem de ser discutidas com os parceiros sociais. Não estávamos à espera de um ataque destes da Comissão Europeia". A mesma opinião tem a Confederação Europeia de Sindicatos: "A Comissão está a cometer um erro sério ao propor estas restrições aos direitos dos trabalhadores."

Datas do pré-aviso

No caso da entrega do pré-aviso de greve, é colocada à discussão a possibilidade de ser antecipada a sua entrega para, no mínimo 14 dias antes da data da paralisação. Neste momento em Portugal é de cinco dias úteis para a generalidade das profissões e de 10 para algumas categorias, como é o caso dos controladores de tráfego aéreo. Neste particular há várias situações: na Alemanha pode ser convocada com 24 horas de antecedência, em Espanha com 10 dias e em França com cinco. Aliás, este país é, provavelmente, o principal destinatário destas medidas agora conhecidas. É que das 375 greves que se realizaram entre 2004 e 2016, 249 foram marcadas pelos controladores gauleses. Paralisações que afetaram toda a Europa, não só pelos voos que chegam ao país e dali saem como os que sobrevoam o seu espaço aéreo. Aliás, já este ano uma semana de greve cumprida no início de março levou ao cancelamento, em média diária, de uma dezena de ligações entre Portugal e França. O que teve implicações, por exemplo, no turismo.

Por isso, Elidérico Viegas, presidente da Associação Dos Hotéis e empreendimentos Turístico do Algarve, defende que os países deviam fazer a requisição dos controladores pois uma paragem destes profissionais "coloca em causa o interesse nacional dos países". "Qualquer greve coloca em caos o interesse económico dos vários países. [Os controladores são cada vez mais estratégicos dentro da União Europeia. Basta uma greve num país para colocar em causa os interesses de todos os outros na União Europeia", concluiu.

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