Estudo sobre nutrição vai acompanhar centenas de crianças ao longo de quatro anos
É de pequenino que se torce o pepino" foi uma das frases ouvidas ontem em Lisboa, na apresentação daquele que será um dos primeiros estudos nacionais de impacto relacionado com a nutrição. No país em que uma em cada três crianças apresenta excesso de peso, a sensibilização para a adoção de hábitos de vida saudáveis assume importância acrescida, acreditam os promotores. A pensar no desenvolvimento de uma geração saudável, o programa Escola Missão Continente vai avaliar o efeito das medidas a implementar junto de 44 turmas, de 44 escolas em todo o país, ao longo dos próximos quatro anos.
A análise científica está integrada na nova edição do projeto, que pretende envolver 600 escolas, já a partir do novo ano letivo, e promover atividades lúdico-pedagógicas sobre alimentação saudável, consumo responsável e prática de exercício físico. Entre os milhares de alunos alcançados, serão selecionadas 44 turmas do continente e ilhas para, com apoio de profissionais de nutrição, serem acompanhadas entre o primeiro e o quarto ano de escolaridade e serem representativas do impacto real que iniciativas como esta podem ter. "Em Portugal medimos poucas coisas", aponta José Carlos Sousa, acrescentando que, desta forma, será possível "ter noção exata da nossa ação".
O diretor de Serviços de Projetos Educativos da Direção Geral da Educação (DGE), um dos parceiros do projeto, diz ao DN que a realização do estudo permitirá "perceber o que conseguimos transformar nas práticas quotidianas de alimentação dos alunos". "Vamos ter todos os 20 distritos representados, incluindo Madeira e Açores. A ideia é medirmos os indicadores de saúde relacionados com os estilos de vida das crianças", explica a investigadora do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) e coordenadora do estudo, Ana Rito. Desta forma, será possível avaliar se as medidas a implementar reduzem, ou não, o excesso de peso e as situações de obesidade. De acordo com a responsável, "a obesidade é um problema" que afeta cerca de 12% da população infantil.
Estudos nacionais e internacionais apontam que é nas escolas que as crianças e jovens passam a larga maioria do seu tempo, facto que reforça a importância do papel de professores e educadores na saúde dos alunos. Aliás, sublinha José Carlos Sousa, a alimentação escolar é, para muitas crianças, "a única refeição nutricionalmente válida por dia". O representante da DGE diz ainda que cerca de 25% dos estudantes estão abrangidos pelo escalão A do apoio social, significando que todas as refeições feitas durante o horário escolar acontecem nos estabelecimentos de ensino. Esta é uma das razões para que a Escola Missão Continente, que desde 2016 já chegou a mais de 100 mil alunos do 1.º ciclo, alargue agora o alcance do projeto de educação alimentar ao pré-escolar e 2.º ciclo do ensino básico. "Esperamos promover a diferença de comportamentos", afirma Nádia Reis. A diretora de Comunicação e Responsabilidade Social do Continente defende que, "mais do que uma alimentação saudável e consumo consciente", o objetivo passa por estimular "um estilo de vida ativo" nas várias faixas etárias. Até 2025, a intenção é chegar também ao ensino secundário e às universidades seniores.
Para sensibilizar os mais pequenos, a ajuda dos três novos embaixadores do projeto será essencial. São eles o ator e apresentador Francisco Garcia (pré-escolar), a apresentadora e foodie Filipa Gomes (1º ciclo) e Jéssica Silva (2º ciclo), jogadora de futebol da Seleção Nacional Feminina. Além da intervenção destas três personalidades, os professores terão à disposição "conteúdos e abordagens validados cientificamente", explica Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. "Achamos que faz todo o sentido ter abordagens diferenciadas em cada nível de ensino", afiança Tiago Simões.
O diretor de marketing da Sonae MC refere ainda que "serão alcançadas, através do estudo de impacto, cerca de mil famílias", que serão acompanhadas pelos investigadores e nutricionistas do programa. "Queremos perceber qual é o resultado na alimentação destas pessoas, no cabaz de produtos adquiridos e na prática de exercício físico, de forma a verificar a evolução ao longo dos próximos quatro anos", diz. A Escola Missão Continente quer atingir alunos, pais e professores com a ajuda de atividades educativas, desafios com prémios associados, materiais pedagógicos e visitas de estudo. "Só nos faz sentido criar uma geração saudável se conseguirmos impactar todas as gerações sobre estes temas tão importantes para toda a sociedade", remata Nádia Reis. As escolas interessadas em participar podem inscrever-se a partir de 20 de setembro, através do site https://missao.continente.pt/escola.
A investigadora na área da saúde acredita que esta é uma conceção errada sobre a alimentação equilibrada. A questão, diz, está na falta de tempo para fazer melhores escolhas.
Ana Rito, presidente do Centro de Estudos e Investigação em Dinâmicas Sociais e Saúde (CEIDSS) e Investigadora do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), será a responsável pela coordenação do estudo científico de medição de impacto da Escola Missão Continente. Ao longo de quatro anos, alunos do 1.º ciclo serão acompanhados para avaliar se a sensibilização para um estilo de vida saudável é, ou não eficaz, nomeadamente na redução de crianças com excesso de peso ou obesidade infantil.
De que forma é que o projeto vai funcionar?
O objetivo é melhorar não só os hábitos alimentares, mas todo o estilo de vida das crianças e das suas famílias. Planeamos fazer um programa lúdico e educativo que esteja alinhado com as orientações do Ministério da Educação e dos planos de saúde, acompanhando estas crianças e corrigindo alguns hábitos. Queremos promover uma alimentação mais saudável, mas também consciente e sustentável. A CEIDSS está presente neste programa de forma muito isenta, não haverá qualquer influência comercial e isso é muito importante.
Como é que será feito esse acompanhamento?
Vamos avaliar o impacto da intervenção da Escola Missão Continente nestes quatro anos, de 2021 a 2025, desde o primeiro ao quarto ano de escolaridade. Teremos uma amostra representativa das escolas inscritas, vamos ter todos os 20 distritos representados, incluindo Madeira e Açores. A ideia é medirmos os indicadores de saúde relacionados com os estilos de vida das crianças, como a alimentação, a atividade física e o estado nutricional infantil para percebermos se, de facto, temos uma população infantil com excesso de peso e obesidade. É uma metodologia de estudo que vai ser aplicada por profissionais de nutrição através de presença em sala de aula e de inquéritos, com muitos materiais e ferramentas utilizados para a avaliação. O projeto, apesar de acompanhar um número específico de escolas, não se vai limitar a estas crianças. Queremos que todos possam ter esta oportunidade e acesso a todos os jogos e ferramentas que vamos criar.
As eventuais consequências da pandemia serão tidas em conta?
Sim, vamos tentar perceber as características socioeconómicas destas famílias e que impacto é que isso tem na alimentação. Em particular, queremos perceber qual foi o resultado da covid-19 nestas famílias e se houve algumas mudanças de estilos de vida para que, eventualmente, possamos corrigir.
É possível ter uma alimentação equilibrada sem gastar mais?
O mais importante é termos consciência de que, muitas vezes, não sabemos fazer escolhas alimentares corretas. O preço não é tanto a questão principal. As famílias não têm ainda a perceção daquilo que devem fazer. Há uma variedade enorme de produtos, que provoca uma aflição enorme ao chegar ao supermercado e ter de fazer a melhor escolha. Ser saudável não custa dinheiro, essa é uma perceção errada. Pode é, muitas vezes, levar mais tempo porque tem de haver mais dedicação. A opção por alimentos melhores não é necessariamente mais cara, porque podem, por exemplo, ser utilizados em várias refeições. O reforço da literacia em saúde é muito importante, a começar pelos miúdos. Só assim será possível fazermos melhores escolhas e perceber que determinado alimento não nos traz saúde e que outro pode ser mais caro, mas vai dar para várias refeições e é mais nutricional.
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