Estrutura de Missão cumpre metas. Mas ação da AIMA continua a ser criticada por quem está no terreno
Foi há um ano que o Governo apresentou o Plano de Ação para as Migrações, com 41 medidas. Destas, a que mais mobilizou equipas foi a Estrutura de Missão, cujo objetivo é dar resposta aos imigrantes que há anos esperavam por um avanço do processo de regularização. O Governo celebra os números: mais de 500 mil pessoas convocadas para atendimento desde setembro do ano passado, com mais de 133 mil títulos de residência já nas mãos dos utentes. António Leitão Amaro, ministro da Presidência, definiu a Estrutura de Missão como uma das ações “mais fortes e bem sucedidas de resposta do Estado” e que resolveu o volume “brutal” das pendências. “Foi um trabalho extraordinário”, resumiu, em conferência de imprensa, ontem, para avaliar a task force e os resultados do plano. O titular da pasta elogiou todos os envolvidos, em especial o coordenador Luís Goes Pinheiro e os 1.465 colaboradores, entre mediadores, advogados e decisores.
Pessoas que atuam no terreno, ouvidas pelo DN, concordam que esta recuperação de pendências é um dos aspetos mais positivos do último ano. “A questão de ser criada a estrutura de missão para despachar os processos é a mais eficaz das medidas”, avalia Filipa Santos Costa, que atua como advogada na área das migrações desde 2007. O mesmo otimismo não ocorre com os demais processos que envolvem a AIMA. “Por exemplo, todos os meus atendimentos marcados na AIMA em Lisboa estão a ser remarcados para setembro, à última hora e sem explicações”, conta a profissional.
Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil, também elogia a task force. “É uma medida positiva, e isso é de se destacar, a resolução dos processos pendentes da AIMA, porque, de facto, estava no plano - era uma medida que se concretizou, as pessoas estavam há imenso tempo à espera de ter resposta para os seus processos, e parece que agora a estrutura de missão vai dedicar-se a outras pendências também [renovações de residências vencidas]”, diz ao jornal. Por outro lado, avalia que a atuação da AIMA, no geral, “corre muito mal”. A associação, no terreno desde 1992, recebe diariamente dezenas imigrantes que buscam apoio jurídico gratuito nos processos de regularização. “Mantém-se muita dificuldade de comunicação com a AIMA. Não só do ponto de vista das pessoas imigrantes, mas também nós, associações, temos alguma dificuldade de contato para poder transmitir as questões e ter um diálogo mesmo”, relata Ana Paula Costa.
Pedro Góis, diretor científico do Observatório das Migrações (medida criada a partir do Plano de Ação para as Migrações), destaca que apesar de a AIMA estar em funcionamento há mais de um ano e meio “é totalmente nova na prática”, sendo crítico da maneira como foi criada, razão que atribui para o incumprimento, hoje por parte do Governo, nesta matéria. Neste um ano, ingressar com ações judiciais tornou-se a única maneira de garantir direitos, nomeadamente um atendimento na agência - mas nem todos os imigrantes podem pagar pelo serviço a advogados. Neste mesmo período, também acumularam-se 374.587 renovações de títulos de residência, que serão, em data ainda incerta, resolvidas pela Estrutura de Missão. Esta é a principal razão pela qual foi aprovada a prorrogação até 31 de dezembro deste ano.
E quando a AIMA vai efetivamente funcionar? Esta foi a pergunta feita pelo DN ao ministro da presidência António Leitão Amaro na conferência de imprensa. A resposta não foi objetiva. “A AIMA está a reforçar muito a sua capacidade de resposta. Está a aumentar o número de trabalhadores. Há um aumento de 5% líquido do número de recursos. Esperamos um aumento, até o final do ano, mais cerca de 25% ou 30% e a conclusão do processo de desenvolvimento do novo contact center. As pessoas estão a procurar fazer o melhor”, respondeu o ministro ao jornal.
A AIMA lidera as reclamações no Portal da Queixa neste ano, com aumento de 37% neste quadrimestre, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os atrasos nas entregas de documentos e processos, incluindo atrasos na emissão de cartões de residência geraram a maior parte das queixas, nomeadamente 37,23%. Além do alto índice de reclamações, a agência possui “baixa performance na resposta aos problemas que lhe são reportados”. Atualmente, o índice de satisfação está pontuado em 17.8 em 100, com uma taxa de resposta de 13.3% e uma taxa de solução de 14.9%.
“Pragmatismo”
Na avaliação de Pedro Góis, diante da situação da AIMA, o Governo decidiu optar pelo “pragmatismo” para resolver os problemas. “É um pragmatismo da execução de políticas públicas que me parece necessário ter. E olhando para os cacos que existiam no final do SEF e no final do ACM, esta priorização de tarefas foi, sim, um ponto inicial importante. Ainda assim, nem tudo o que foi pensado está já executado. Positivo seria de já tivessem resolvido todas as questões”, destaca.
Ficou de fora deste “pragmatismo” - e das ações deste primeiro ano do próprio Plano de Ação para as Migrações - o reagrupamento familiar. O próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, já referiu publicamente em mais de uma ocasião que o reagrupamento familiar era uma prioridade, mas isso ainda não se vê no terreno
Filipa Santos Costa, com quase 20 anos de prática nesta matéria, considera “escandalosa” a situação. “Não se compreende, para mais quando on Governo identificou no plano para as migrações que deve ser dada prioridade ao reagrupamento familiar. Eu pergunto: onde isso se viu neste ano? Porque eu continuo sem conseguir agendar ninguém para reagrupamentos familiares”, critica a profissional.
Neste momento, quem está com cônjuge fora de Portugal não consegue vagas para reagrupar. Nem mesmo o direito está a funcionar para os que possuem filhos em território nacional, conforme era a prioridade do Governo. De acordo dados do próprio ministério, há 10.451 casos de reagrupamento familiar por resolver, com taxas já pagas, mas sem agendamento ou previsão. “O reagrupamento familiar tem que ser uma prioridade, em qualquer caso. Não vejo outra forma. Tinha de ser no passado, tem de ser no presente e terá de ser no futuro, porque sem reagrupamento familiar a integração fica sempre incompleta”, avalia Pedro Góis.
Filipa Santos Costa diz que “é visível” que os imigrantes que atende estão “deprimidos por estarem longe das suas famílias” e que há casos de divórcio por conta disto. “Eu ainda estes dias tive uma situação em que finalmente conseguimos um agendamento para reagrupamento familiar de um cliente com a esposa. Eu liguei toda contente ao cidadão a dar-lhe esta boa notícia, mas ele disse-me que o casamento já terminou, porque a esposa não acreditava que tenha demorado dois anos e meio para conseguir um agendamento”, relata a advogada.
Segundo a profissional, para quem está fora de Portugal, “é mesmo muito difícil de acreditar” que seja praticamente impossível conseguir uma vaga na AIMA. “Eu já tenho falado com esposas, porque normalmente são os maridos que vêm primeiro e depois querem trazer a família, para lhes explicar que é mesmo verdade que estamos há dois anos e tal a tentar fazer um agendamento. As pessoas não acreditam, é surreal”, ressalta.
Questionado pelo DN sobre este assunto, o ministro não é portador de boas notícias aos imigrantes à espera de estar perto das suas famílias. “É necessário fazer uma regulação que seja mais verdadeira nas expetativas da comunidade, sobre a cadência de abertura de vagas e possibilidades, em linha com a capacidade de integração da sociedade portuguesa. Não vai haver, nem no reagrupamento familiar, nem na CPLP, uma nova manifestação de interesse para pressão das vagas”, respondeu Leitão Amaro. O reagrupamento familiar é um direito previsto na lei portuguesa e também nas diretrizes da União Europeia (UE), da qual Portugal faz parte.
82,5 milhões de euros de receita
As renovações e outras pendências que ainda existem vão ser assumidas, por enquanto, pela task force. No entanto, o trabalho termina a 31 de dezembro. “Não podemos criar mais Estruturas de Missão, tem que ser a AIMA a internalizar essas prioridades, com sistemas informáticos eficientes e isso mostra aquilo que muitos de nós têm dito ao longo do tempo, que necessário mais recursos nesta área das migrações”, pontua Pedro Góis.
De acordo com o mesmo balanço ontem apresentado, só os processos da Estrutura de Missão geraram uma receita de 82,5 milhões de euros, valor superior mais de duas vezes aos 25 milhões investidos inicialmente pelo Governo na criação deste serviço.
amanda.lima@dn.pt