"Em Portugal, o rio Tejo marca a fronteira entre o norte húmido e o sul seco"
Disponibilidades de água presentes e futuras em Portugal Continental é a primeira conferência do ciclo Diversidade Biológica, Desertificação e Sustentabilidade organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. A palestra de Rodrigo Proença de Oliveira, professor no Instituto Superior Técnico, pode ser vista hoje às 18 horas por Zoom.
Portugal é, a nível da Europa do Sul, um país relativamente rico em água?
O Eurostat indica que Portugal possui 7,1 milhões de metros cúbicos de água por mil habitantes, o que compara com 0,2 em Malta, 2,3 em Espanha, 3,1 em França e 6,7 na Grécia. Mas destes 7,1 milhões de metros cúbicos, cerca de 48% provêm de Espanha, o que demonstra bem a nossa dependência de uma gestão adequada dos recursos hídricos partilhados com Espanha. As Nações Unidas consideram que um país enfrenta stress hídrico quando possui menos de 1,7 metros cúbicos de água por mil habitantes. Na Europa do Norte há países mais populosos que também apresentam valores desta ordem de grandeza, como é o caso da Polónia, com 1,6, ou da Alemanha, com 2,3. Mas esses países não se confrontam com o problema da sazonalidade que é característico do sul da Europa nem com as necessidades de rega para assegurar a produção agrícola.
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Entre norte e sul são muitas as diferenças de recursos, mesmo sendo um país pequeno?
Os 7,1 milhões de metros cúbicos de água por mil habitantes, referidos anteriormente, são um valor médio nacional. Em Portugal, o rio Tejo marca a fronteira entre o norte húmido e o sul seco. Com exceção do Douro interior, a precipitação anual média a norte do Tejo é superior a 800 mm, podendo atingir valores superiores a 3000 mm. A sul do Tejo, a precipitação anual média varia entre 400 e 800 mm. Os usos da água são também distribuídos de forma assimétrica: cerca de 70% da superfície regada encontra-se situada a sul do Tejo. Na produção hidroelétrica, passa-se o contrário, com os principais aproveitamentos hidroelétricos a situarem-se a norte do Tejo
Madeira e Açores são casos à parte em termos de abundância de água?
As Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores são casos particulares pela sua natureza insular. É uma evidência, mas vale a pena realçar que cada ilha tem de viver com os recursos de que dispõe porque as transferências de água do exterior são muito difíceis. A precipitação anual média nas várias ilhas é por regra superior à média do continente, mas há exceções como é o caso do Porto Santo (340 mm), na Madeira, ou de Santa Maria (775 mm), nos Açores. A questão é que a capacidade de armazenamento de água é, geralmente, reduzida, o que conduz por vezes a problemas de falta de água em anos secos, ou nos meses do verão. Essa capacidade de armazenado é, sobretudo, a proporcionada naturalmente pelas massas de água subterrâneas, uma vez que a construção de barragens de dimensão apreciável é difícil. O espaço é um bem escasso em ilhas pequenas e a natureza vulcânica de Madeira e Açores não proporciona muitos locais com condições onde construir uma barragem.
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A agricultura em Portugal tem de ser condicionada à água disponível, ou seja, evitando culturas que consumam em demasia?
Todas as atividades devem ser condicionadas à quantidade de água disponível, mas é evidente que as nossas atenções se foquem na agricultura porque é o principal utilizador de água. A escolha das culturas deve ser norteada pela valorização do uso da água e nessa avaliação devemos incluir não só a produtividade hídrica (quantidade produzida por metro cúbico de água), mas também o benefício líquido alcançado por quantidade de produto agrícola obtida. Na quantificação do benefício líquido devemos ter em conta todos os benefícios da atividade agrícola, os diretos recebidos pelo agricultor e os indiretos recebidos pela sociedade, mas também os custos económicos e ambientais dessa mesma atividade. Uma vez que cabe ao agricultor a decisão sobre as culturas que pratica, temos de arranjar formas de influenciar essa decisão para que as chamadas externalidades positivas e negativas sejam tidas em conta.
Atitude individual no consumo faz diferença efetiva ou tudo se joga nos grandes números?
Ao nível das comunidades locais ou dos pequenos sistemas, uma atitude individual proativa de poupança de água pode fazer a diferença. Mas é claro que as maiores poupanças deverão ser alcançadas através da redução de perdas nos sistemas de transporte e distribuição e do aumento da eficiência hídrica dos grandes utilizadores industriais e agrícolas. A atitude individual é também importante para realçar o valor do recurso água e para convocarmos todos para o debate que necessitamos de fazer sobre o uso da água e sobre o nosso modelo de desenvolvimento.
A reutilização de águas residuais deveria ser uma aposta?
É uma das opções disponíveis para enfrentar os problemas de falta de água e dado o seu nível de aplicação em Portugal, as oportunidades para a sua disseminação devem ser claramente exploradas. É, sobretudo, uma opção sensata porque existem muitos usos que não necessitam de água com a qualidade ao nível do exigido pelo consumo humano. As oportunidades ao nível local que podem ser viabilizadas com investimentos modestos devem ser aproveitadas. A sua aplicação em maior escala exige que o local de consumo se situe próximo dos grandes centros urbanos, onde são gerados os maiores volumes de água residual. Não é, por isso, uma solução que possa ser aplicada em todas as situações. Dados os custos de tratamento das águas residuais e de transporte da água tratada, o interesse pela sua utilização cresce com o aumento do nível de escassez.
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