Em dois dias, Amadora-Sintra recebeu 891 urgências, mas 152 doentes desistiram antes de serem observados por um médico
No dia 25 de janeiro, o Hospital Fernando da Fonseca (HFF-Amadora-Sintra) recebeu nos três serviços de urgência 471 doentes. Deste total, 218 eram doentes não urgentes. No total de casos recebidos, 269 eram adultos e foram para a urgência geral, 140 eram crianças (urgência de pediatria) e 62 mulheres (urgência de ginecologia-obstetrícia). Mas 76 doentes acabaram por abandonar o hospital antes de serem observados por um médico, enquanto 60 ficaram internados e 121 permaneceram, em média, seis ou mais horas até ter alta. No dia 26, o panorama não foi muito diferente. Foram registados 420 episódios nas três urgências, sendo que 253 eram adultos, 130 crianças e 37 utentes de ginecologia obstetrícia. Neste dia, houve também 76 doentes a abandonar o serviço sem serem observados por médico, 38 foram internados e 85 permaneceram em média seis ou mais horas nos serviços.
No total dos dois dias do fim de semana, nos três serviços de urgência, registaram-se 891 episódios, sendo que destes 152 abandonaram os serviços sem observação médica. É de assinalar também que quase metade do total dos casos, nos dois dias, eram situações menos urgentes (441): sábado registaram-se 223 doentes não urgentes e no domingo 218.
A nível nacional, no último fim de semana, o HFF foi o quarto hospital do país com maior número de utentes a acorrer às urgências, e o primeiro de toda a região de Lisboa e Vale do Tejo. No país, ficaram à sua frente apenas os hospitais de São João, no Porto, de Vila Nova de Gaia e de Braga.
Este é o retrato que se pode traçar através dos dados registados no site de monitorização diária de todas as unidades do SNS. Os números referentes ao Amadora-Sintra levaram fontes hospitalares a referir ao DN que foi um fim-de-semana “caótico”. “ Ao início da noite de domingo, havia 100 doentes à espera de primeira observação de um médico. Houve doentes urgentes, triados com pulseira amarela, que tiveram de esperar entre 31h e 34h para serem observados por um médico, e doentes muito urgentes, com pulseira laranja, que esperaram entre 6h a 8h”, relataram-nos.
Confrontado com estes dados, o Conselho de Administração da ULS Amadora-Sintra assumiu logo na segunda-feira que: “No período indicado, os tempos médios estiveram superiores ao recomendado. No entanto, houve reforço de equipa para dar resposta à procura existente e tudo foi estabilizado durante o período noturno.” No entanto, não referiu qualquer tempo de espera. O DN pediu também que fosse dado o número de utentes que abandonaram o hospital antes de serem observados, o que também não foi dado.
Quem esteve de serviço nestes dois dias no hospital disse que “nunca tinham sido registados tais tempos de espera”. As mesmas fontes garantiram, no entanto, que a afluência deste fim-de-semana foi normal para a época e que as equipas “é que continuam a ser muito reduzidas”.
Mas o DN soube também que no domingo, aquele que foi considerado o pior dia, o Amadora-Sintra teve de começar a receber doentes de outras Unidades Locais de Saúde que já estavam sem resposta, “o que agravou ainda mais a resposta desta unidade”, disseram-nos.
Amadora-Sintra vai aderir ao projeto Ligue Antes, Salve Vidas
O DN sabe que a situação vivida no HFF foi o primeiro tema a ser abordado na reunião semanal, nas manhãs de segunda-feira, entre a Direção Executiva do SNS (DE-SNS) e os Conselhos de Administração das 39 Unidades Locais de Saúde (ULS). No final, a recomendação da DE-SNS foi no sentido de a administração da ULS Amadora-Sintra aderir ao projeto Ligue Antes-Salve Vidas, que outras unidades já estão a adotar, o mais rapidamente possível. Ou seja, o projeto que 'obriga' o utente a ligar para Linha SNS24 antes de se deslocar a um serviço de urgência, para uma primeira triagem. Se, por acaso, o utente se dirigir ao serviço de urgência hospitalar sem ligar antes para a SNS24, é-lhe dado o número para ligar ou é reencaminhado para os cuidados primários.
O DN contactou ainda a DE-SNS, que se mantém em funções de gestão, após a demissão do diretor Gandra d' Almeida, para saber por que foi dada ordem para o Amadora-Sintra, que já estava em pressão, para receber mais casos de outras Unidades Locais de Saúde, e se a única solução é mesmo a adesão ao projeto Ligue Antes, Salve Vidas. Até à hora de publicação deste trabalho não recebemos qualquer resposta.
O DN contactou também o Conselho de Administração da ULSASI para saber se, de facto, teve de receber doentes de outras ULS neste fim-de-semana e se vai equacionar a possibilidade de aderir ao projeto Ligue Antes, Salve Vidas. Em relação à primeira pergunta, não obtivemos resposta, mas em relação à segunda foi-nos dito: “A ULS Amadora/Sintra já formalizou o seu interesse para a adesão à campanha "Ligue Antes, Salve Vidas", tendo disponibilidade para o seu início. Aguarda-se indicação superior para a sua divulgação.”
Sindicatos dos médicos preocupados com Amadora-Sintra
Para os dirigentes dos dois sindicatos médicos, a pressão na atividade de todas as urgências continua a ser uma preocupação. Mas em relação ao Amadora-Sintra, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Nuno Rodrigues, diz mesmo: “Até me custa a acreditar que tenham sido registados estes números”, defendendo, então, que “o trabalho em rede tem de ter melhor articulação”. Aliás, sublinha, “foi para isto que foi criada a Direcção Executiva do SNS e consideramos que é isso que deve acontecer”.
Por outro lado, o dirigente sindical lembra também, e tendo em conta os números deste fim-de-semana registados no Amadora-Sintra, que “os utentes antes de irem a uma urgência devem procurar outro tipo de cuidados”, embora reconheça que “a área que esta unidade serve “é das que tem maior número de utentes sem médico de família e isso também se deve estar a refletir nas idas às urgências". "Portanto, enquanto não se resolver o problema a montante as urgências continuarão sob pressão”, resume.
Para a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá, o tempo de espera relatado ao DN por fontes hospitalares para os doentes urgentes e muito urgentes “são indignos, mas não nos surpreendem”, afirma peremptória, explicando que há que olhar para as circunstâncias que envolvem o hospital: “Deve ser uma piores zonas em escassez de médicos de família e, por isso, a porta de entrada nos cuidados para muitos utentes é a da urgência”. Por outro lado, “tem serviços de urgência que funcionam com extrema dificuldade devido à carência de recursos humanos, sobretudo médicos. E muitas funções estão a cargo de médicos internos, sobretudo da especialidade de Medicina Interna, que acabam por ser escalados sistematicamente para fazer urgência e horas extraordinárias”.
Uma situação que, considera a médica, “não só coloca em causa a saúde dos próprios profissionais como os cuidados que prestam, porque ninguém aguenta estar sistematicamente a fazer horas extras”.
A dirigente sindical destaca: “O problema das urgências, quer no Amadora-Sintra quer noutra unidade, continua a ser o mesmo: falta de recursos humanos. E se o Amadora-Sintra já tem pressão durante todo o ano na sua urgência, nesta altura do ano, com o pico das infeções respiratórias, ainda pior”. Por isso, reforça, “os tempos de espera não nos surpreendem”.
Tempos médios de espera não são o que realmente espera cada doente
De acordo com o que foi relatado ao DN por fontes hospitalares, o tempo de espera de observação médica para um doente urgente chegou a ser de 31h a 34h, e dos doentes muito urgentes de 6h a 8h. O CA do Amadora-Sintra assume que o tempo esteve acima do recomendado, mas não refere concretamente o número de horas. Ao DN, fontes hospitalares, voltaram a reafirmar que “o tempo de espera para doentes urgentes e muito urgentes esteve sempre visível nos ecrãs dos profissionais”, considerando que “entrar numa urgência com quase uma centena de doentes para observar, alguns urgentes e à espera há mais de 19 horas, é loucura”.
No site de monitorização do SNS, que o DN consultou relativamente a estes dias, só estão registados tempos médios de espera e não aquele que realmente espera cada doente. Assim, no dia 25 de janeiro o tempo de espera registado para triagem era de 10 minutos, o tempo de espera entre esta e a primeira observação médica era de 160 minutos, e o tempo médio de permanência no serviço era de 433 minutos. Relativamente ao dia 26, o tempo para a triagem era de 8 minutos, o tempo entre esta e a primeira observação médica era de 169 minutos, e o tempo de permanência do doente no serviço era de 425 minutos. No sábado, mais de 206 doentes estiveram no serviço mais de seis horas e, no domingo, foram 85.