Em dia de mais uma derrota, Sócrates explicou o TGV, Lena e Venezuela

"Manifestamente infundado”. Foi assim que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgou o pedido de recusa por José Sócrates visando o Procurador-Geral da República (PGR), que acusou de “transformar a presunção de inocência em presunção de culpa”. Foi mais uma derrota para o antigo primeiro-ministro, que na semana passada, já vira outro pedido (de recusa da juíza Susana Seca) ser indeferido.A notícia foi dada ao antigo primeiro-ministro à porta do Campus da Justiça, onde Sócrates voltou a falar perante o tribunal, procurando dar explicações sobre o grupo Lena e, em particular, o TGV. E houve ainda tempo para abordar o tema da Venezuela, na última sessão do julgamento antes das férias judiciais (a próxima acontece dia 2 de setembro e já há agenda até final do ano).O dia começou com um José Sócrates aparentemente mais calmo do que noutras sessões. Ainda assim, isso não o impediu de, por diversas vezes, utilizar “epítetos” para descrever a acusação. De “falsa e injusta” a “absurdo”, passando por “história da carochinha”, o antigo primeiro-ministro não se coibiu de classificar a tese do Ministério Público (MP). Isso valeu-lhe o primeiro embate com a juíza Susana Seca.."História da carochinha", TGV e "a fortuna" que a mãe herdou: o quinto dia de José Sócrates em tribunal.Com as divergências sanadas, Sócrates quis então desmontar os “cinco absurdos” da acusação. Isto é: “A acusação sustenta que houve pagamentos corruptos feitos em 2007 para um projeto que nunca se realizou. Depois, descreve que esses pagamentos corruptos seriam uma contrapartida de uma indemnização, em caso de um eventual chumbo do Tribunal de Contas [TdC]. O grande absurdo é que sou acusado de fingir que não queria fazer o TGV e esconder um desejo criminoso para que o contrato fosse ao TdC para que a empresa chumbasse para ter direito a uma indemnização. A acusação descreve uma conspiração, com uma componente política comandada por mim e uma componente técnica comandada pelo dr. Ribeiro dos Santos, também arguido neste processo”. “Nunca é referido que a primeira coisa que a componente política fez foi afastar essa dimensão técnica da Rede de Alta Velocidade [RAVE]. Se havia uma combinazione para ganhar o TGV não fazia sentido o Governo ter mantido o responsável da componente técnica?” Portanto, deixou uma conclusão: “Que tudo isto tenha acontecido ao mesmo tempo é o cúmulo do absurdo.”Sobre o argumento de que o grupo Lena - de Carlos Santos Silva, seu alegado testa-de-ferro, e detentor de 13,5% do consórcio Elos, que estaria na construção do TGV - teria assumido a totalidade desses “pagamentos corruptos”, a resposta de Sócrates foi só uma: “Não cabe na cabeça de ninguém.”De manhã, José Sócrates recusou ainda a ideia de ter, alegadamente, instrumentalizado os “ministros, os administradores da Refer e da RAVE e, porventura, os assessores para satisfazer” os seus “intentos” e com isso “beneficiar o grupo Lena”. “É falso que tenha dado instruções aos ministros. Este capítulo da acusação revela tudo o que há de falso. Dizem que eu não interferia nos concursos, mas interferia, para disfarçar, nas regras de procedimento e conformação dos contratos. É como se dissessem: ‘Estás possuído pelo demónio, temos de descobrir o que vai na alma’”, rematou, antes de citar um procurador da União Soviética (Andrey Vichinsky), para o comparar ao MP: “Deem-me o homem, eu descubro o crime. É igual. Deem-me o TGV, eu descubro o crime.”À saída para o almoço, Sócrates utilizou os adjetivos que não lhe foram permitidos lá dentro: “A acusação do Ministério Público sobre o TGV é uma história da carochinha.”No regresso, o tema continuou a ser a alta velocidade, com o também antigo líder do PS a continuar a rebater os argumentos da acusação. Sobre a antecipação do concurso para o lançamento da obra - algo que, na perspetiva do Ministério Público - serviria para garantir os interesses do consórcio onde estava o grupo Lena, Sócrates garantiu ter existido uma discussão sobre o assunto. Mas tal aconteceu por “sugestão” do próprio ministro da pasta, Mário Lino.Numa sessão em que o antigo primeiro-ministro assumiu diversas vezes estar “cansado”, houve ainda tempo para entrar em mais dois aspetos: “O circuito do dinheiro” e as “Casas da Venezuela”.Sobre o primeiro tema, o arguido afirmou que “gostaria” que os procuradores questionassem sobre dinheiro. “Sobre o meu dinheiro. Terei todo o gosto. Não perguntas sobre dinheiro dos outros”. Sócrates passou depois em revista a data de três transferências detetadas pelo MP, que terão sido feitas do grupo Lena para Carlos Santos Silva, cujo destinatário último seria o antigo primeiro-ministro. Mas “nenhuma destas datas coincide com uma data relevante do projeto do TGV. Não se percebe a relação que têm”.Já sobre os negócios das “Casas da Venezuela”, Sócrates garantiu que teve conhecimento “em 2008”, quando o assunto entrou na atualidade política - isto apesar do MP dizer que o início da cooperação aconteceu em 2007, quando Joaquim Barroca transferiu 2.375.000 euros para Carlos Santos Silva de modo a pagar “um apoio privilegiado” ao Grupo Lena. “Como é que alguém vem com a história das transferências feitas um ano antes? Pretender que isto tem a ver com as Casas da Venezuela é falso”, argumentou.“Parece que o Governo vai cair mas é de sono”Questionado diversas vezes - e de forma insistente - sobre a sua relação com outros arguidos do processo, como Carlos Santos Silva e Armando Vara, José Sócrates deu voz à sua impaciência, manifestando-se também “cansado”: “Estou aqui há dias a falar sobre o Grupo Lena, o TGV e a Parque Escolar e é isto? Parece que o Governo vai cair mas é de sono.”O momento de maior tensão chegou já perto do final, quando Rómulo Mateus, procurador que questionou esta terça-feira (15 de julho) José Sócrates, considerou pertinente explorar, além das relações do arguido, os seus rendimentos após deixar o Governo. Quando assim foi, Sócrates explicou como foi viver para Paris com os dois filhos e acabou a falar sobre a “fortuna herdada” da sua mãe. Acusando - como já fizera noutras audiências - o MP de ser voyeurista . José Sócrates exalta-se e explica que “em junho de 2011”, morreram o seu pai e o seu irmão.Com isto, a casa da sua mãe, no edifício Heron Castilho, em Lisboa, foi vendida por 600 mil euros diretamente a Carlos Santos Silva, tendo-lhe a mãe dado 400 mil euros (uma vez que não se dava com a família do irmão do antigo primeiro-ministro), numa altura em que Sócrates estava sem rendimentos. “De onde veio o dinheiro? Foi daqui”, reiterou o antigo primeiro-ministro, acrescentando que depois desses acontecimentos foi contratado pela Octapharma e que teve “um salário que nunca tinha tido: 12.500 euros por mês”.Mas, disse já emocionado enquanto falava nos filhos, todas estas questões entram na “esfera privada e não devia ser obrigado a falar disto”..Operação Marquês. José Sócrates garante em tribunal: “Nunca recebi dinheiro do meu primo”.Operação Marquês. Demora do caso "mostra quase com evidência como as leis são más"

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