Em 15 dias, farmácias fizeram quase 270 mil testes gratuitos à covid-19
A testagem tornou-se numa das armas mais potentes, a par da vacinação, para o controlo da covid-19 no país. Foi assim em março, quando os especialistas pediram testagem massiva para se iniciar o desconfinamento. Está a ser assim agora, em que o ritmo de crescimento de novos casos disparou desde o final de outubro e que o Governo anunciou, há pouco mais de uma semana, novas regras na tentativa de não parar a economia, mas, ao mesmo tempo, tentar colocar um travão na situação epidemiológica.
Hoje, a testagem é obrigatória para quem quer continuar a ir a restaurantes, bares, discotecas, para quem pretende continuar a assistir a eventos desportivos e culturais e até para quem necessita visitar familiares e outros em unidades de saúde e em lares. Ou seja, a proteção dada pelo certificado digital de vacinação deixou de ser suficiente nestas situações. E desde há 15 dias que a corrida às farmácias para a realização de um teste gratuito, no âmbito do programa do SNS ou dos protocolos com os municípios, disparou.
Segundo dados fornecidos ontem ao DN pela Associação Nacional das Farmácias (ANF), desde o dia 18 de novembro até ao dia 1 de dezembro foram feitos quase 270 mil testes, mais precisamente 265850, tendo o recorde da testagem sido batido no dia 30 de novembro, com 47 437 testes realizados à covid-19. Conforme explicou Ema Paulino, presidente da ANF, no dia 30 de julho houve um pico na testagem gratuita, com a realização de 35 mil testes, mas este número foi agora ultrapassado. E a tendência é para que o número continue a aumentar. Os dados aqui referidos reportam apenas aos testes de antigénio gratuitos, já que a contabilidade de auto-testes ou de PCR neste período não está aqui incluída.
Numa ronda feita pelo DN junto de várias farmácias da região de Lisboa e do Porto tornou-se percetível que já quase não há marcação de testes na hora, havendo algumas a solicitar que o utente consulte o seu site e que faça a marcação por aí. A média de espera para a realização de testes está agora entre os quatro, cinco e até sete dias, havendo farmácias que já têm os dias 22, 23 e 24 completamente preenchidos com marcações.
Como diz Ema Paulino, a primeira portaria do Governo para a testagem gratuita tinha uma população elegível, a de agora não, "quase podemos dizer que os dez milhões de portugueses são população elegível se quiserem continuar a fazer uma vida normal". E é neste sentido que alerta: "É preciso que o Ministério da Saúde e os municípios nos apoiem com algumas soluções para que possamos realizar este desafio", senão "não será possível testar todos os portugueses que o pretendam fazer de forma gratuita".
A presidente da ANF reafirma ao DN que "as farmácias estão preparadas e disponíveis para esta tarefa", mas começa a faltar "capacidade, quer em termos de instalações, porque é necessário um espaço específico dentro da farmácia ou fora, na via pública, para a realização dos testes, quer em termos de recursos humanos, já que há cada vez mais farmácias a relatar falta de profissionais por estes, devido à pandemia, terem de prestar apoio a familiares".
Mas não só. Ema Paulino sustenta que "a associação quer ser construtiva e tem vindo a fazer um esforço enorme para sensibilizar as farmácias para esta tarefa, mas se não houver um aumento de comparticipação do Governo na realização dos testes, que agora comparticipa com 10 euros, e se os municípios não ajudarem, por exemplo, com a montagem de tendas ou de contentores na via pública, isentando as farmácias de custos pelo uso desse espaço, será difícil conseguir que mais farmácias adiram ao programa do governo e dos municípios".
Neste momento, e de acordo com a listagem divulgada pelo Infarmed e confirmada pela ANF, há 637 farmácias que aderiram ao programa do Governo e 193 que aderiram a parcerias com municípios. Ou seja, ao todo, e das quase três mil farmácias que existem em todo o país, só 830 estão a realizar testagem gratuita. "
Se houvesse mais apoio penso que chegaríamos facilmente às 1500 farmácias", diz Ema Paulino, que dá como exemplo o caso de Lisboa, Oeiras e Lagoa, que comparticipam a testagem com 15 euros, conseguindo que 50% das farmácias tenham aderido aos seus programas.
O valor da comparticipação é até uma questão que está a criar algumas desigualdades, já que uns concelhos têm 50% das farmácias com testagem gratuita e outros logo ao lado não têm nenhuma, obrigando o cidadão a pagar o teste de antigénio, o que atualmente varia entre os 20 e os 25 euros.
A representante da maior associação de farmácias de oficina do país explica: "É muito difícil para algumas farmácias conseguirem fazer este trabalho pelo preço que o Estado paga". Isto porque "há algumas que estão a comprar os testes a 4 ou 5 euros, já que a pressão da procura aumentou o preço, e estão a pagar o dobro pelos recipientes de resíduos dos testes, já que o preço destes também aumentou em 50% há dois meses. E depois ainda há os custos com todo o equipamento de proteção individual dos técnicos, como máscaras, batas e luvas, que têm de ser diferentes para cada doente".
O que o Estado financia quase que não dá para pagar o material e há muitas farmácias que ficam sem margem para contratar mais técnicos só para esta tarefa. "O técnico que faz o teste tem de registar os resultados no SINAVE no espaço de duas horas e tem de elaborar os relatórios, já que a maioria dos utentes precisa destes no imediato". Ora, esta situação faz com que as farmácias tenham de disponibilizar um a dois técnicos para esta tarefa, ficando com pouco pessoal para todas as outras tarefas. "Algumas têm capacidade para contratar mais técnicos, mas outras não", diz Ema Paulino.
Por isso, reforça, "estamos a mobilizar ativamente as farmácias para se envolverem neste programa e a ajudá-las a terem condições para o fazer, mas também precisamos que haja vontade da parte do Ministério da Saúde e dos municípios para encontrar soluções que as apoiem".
O programa de testagem gratuita envolve também os laboratórios de patologia clínica, mas, até agora, dos muitos milhares existentes no país apenas 181 aderiram ao programa gratuito. Segundo Ema Paulino, "não lhes compensa e não aderem. Se olharmos para a listagem oficial do Infarmed, os grandes laboratórios não estão presentes neste programa, estão nos outros testes PCR e privados, mas nestes, não".
De acordo com os dados fornecidos ao DN, do total dos 265 850 testes realizados nos últimos 15 dias, 48% reportam a testes realizados através das parcerias com municípios, 36% à convenção com o Ministério da Saúde e 16% a situações privadas em que o utente pagou o seu teste.
Para Ema Paulino tem de haver "um investimento forte na testagem, que é tão importante quanto a vacinação", sublinha. "Apostámos tudo na vacinação e bem, porque está a prevenir muita transmissão e internamentos, mas, sabendo-se agora que pessoas vacinadas podem transmitir e infetar-se, a aposta do governo também tem de passar pela testagem", que "fica mais barata do que o fecho da economia e do que o aumento de casos".
Tirando o dia 1 de dezembro, em que muitas farmácias encerraram, e em que se realizaram só 9068 testes, nos dias anteriores a barreira da testagem esteve entre os 20 mil e os 40 mil, como aconteceu no dia 30. A partir daqui o número deve continuar a subir e Ema Paulino até apela aos utentes que marcam e depois não aparecem, que não o façam. "Avisem as farmácias, é um tempo que ninguém usa".