"É a história de Portugal e a nossa. A história do Brasil começa aqui"

O Padrão dos Descobrimentos é um dos monumentos que os turistas mais visitam em Lisboa, indiferentes ao debate sobre os símbolos da colonização. Defendem que o passado deve ser contado.
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O Padrão dos Descobrimentos é para a maioria dos turistas que o visitam mais um monumento que podem apreciar em Belém, a juntar ao Mosteiro dos Jerónimos, aos jardins, à Torre de Belém, à rosa dos ventos, etc., em horas de passeio que geralmente acabam com o doce pastel. Esta semana, duas frases em inglês chamaram-lhes a atenção para o que houve de negativo durante a expansão europeia. Defendem que é história e que este tipo de património deve ser contextualizado.

Um casal de brasileiros descobre Porto Seguro na rosa dos ventos na calçada do Padrão dos Descobrimentos, com as rotas de expansão das naus e caravelas portuguesas, o que assinalam com emoção. "Parece que se enganaram no percurso, mas é o primeiro lugar que encontraram. É a história de Portugal e, também, a nossa. A história do Brasil começa aqui", explica Carla Marques, 57 anos.

Criticam a vandalização recente do monumento, frases em inglês que significam: "Velejando cegamente por dinheiro. A humanidade afunda-se num mar de sangue". Carla toma a palavra: "É ridículo, o meu marido até falou: "Idiota há em todo o lugar". Há muito que queríamos visitar esta zona , é muito bonita, com muitos monumentos históricos e está a ser espetacular. A história tem que ser contada, não se deve vandalizar. Se queriam protestar, usavam uma faixa". Posição reiterada pelo marido, Paulo César, que assume ser ela a porta-voz. "Conversa até com pedras".

O Padrão dos Descobrimentos foi vandalizado na noite de sábado para domingo, suspeitando-se que tenha sido uma francesa que já saiu do país. Uma equipa de especialistas em restauro iniciou a limpeza perto das 16:00 de segunda-feira, terminado nove horas depois, às 00:40.

Em comunidade, a PJ diz ter assumido a investigação e que vai tomar as medidas processuais com vista à responsabilização da autora do ato de vandalismo. "Foi identificada como suspeita da prática dos factos uma cidadã estrangeira, que já terá praticado atos da mesma natureza noutros locais e que, entretanto, se ausentou do território nacional".

O Padrão dos Descobrimentos teve uma primeira estrutura integrada na exposição Mundo Português, em 1940, feita de materiais perecíveis. Foi reconstruído em betão e cantarias e é inaugurado em 1960, nos 500 anos da morte do Infante D. Henrique. Sofreu depois obras de remodelação no interior e, em 1985, abre o Centro Cultural das Descobertas, com o miradouro, o auditório e salas de exposição.

Carla e Paulo vivem no Rio de Janeiro e não escondem a felicidade de umas grandes férias em Portugal, que terminam com a visita à capital. "Tudo isto é espetacular e está um dia lindo, fechámos com chave de ouro".
Um dos três filhos imigrou há três anos, vive no Porto, vieram visitá-lo, também a nora, e conhecer a neta, "uma portuguesinha linda " de quatro meses. Obrigados a respeitar a quarentena devido à pandemia, o tempo serviu também para estreitar laços afetivos. Muito recordaram o tio que viajou de Trás-os-Montes para o Brasil no século passado. Regressam hoje ao Rio de Janeiro. "A viagem já está marcada para o ano que vem", informa o Paulo
Jan Aurélien, 34 anos, comercial, e Balmoze Dayanna, 37, técnica de telecomunicações, de Rennes, na Bretanha, têm olhares diferentes sobre os protestos contra os monumentos que evocam a colonização europeia. A discussão, também, está na ordem do dia em França.

"Muitas pessoas defendem que os monumentos que evocam a época da escravatura devem ser deitados abaixo, o mesmo acontecendo com as ruas que têm o nome dos navegadores desse período, que devem ser substituídos. Concordo no caso dos monumentos, já não concordo com o nome das ruas, é um pormenor, não tem a mesma amplitude", argumenta Balmoze. Jan discorda: "Os monumentos devem ficar mas é importante que existam pessoas a explicar o que significam. Permite-nos ver o que há de bom e de mau, não se pode ignorar o passado".

O Padrão dos Descobrimentos está no roteiro da visita de um dia a Belém, enquadrada numas miniférias a Portugal. Desconhecem que o monumento tem patente até 30 de dezembro a exposição: "Visões do império", possivelmente, um dos pretextos para a vandalização. Esperam ter tempo para a ver.

Quem já está à entrada do monumento é Marianne Lbour, 30 anos, jurista, uma francesa de Paris. "É uma semana de férias para visitar Lisboa, também penso ir a Sintra e Cascais. O que mais me interessa são os monumentos, é sempre bom conhecer a história de um país e penso que vou aprender mais com esta exposição", explica.

É a sua primeira vez em Portugal e está encantada. "Não tinha esta ideia de Lisboa, pensava que era muito mais antiga, até na forma de viver, mas é muito moderna. E tem bons transportes, os autocarros passam pelos sítios importantes, tem o metro, não preciso de carro. Sempre que me perco, apanho um autocarro e estou onde quero. Também já andei de bicicleta".

De Sevilha, vieram os irmãos Pereira, Miriam, 38 anos, professora, e Pedro, 33, enfermeiro. Recordam a viagem que fizeram a Portugal com os pais, eram crianças. Miriam nunca mais voltou, o Pedro regressou a várias cidades há cinco anos, "Sempre que penso em Lisboa, penso em Belém. É uma zona lindíssima: os monumentos, os jardins, o rio". A irmã tem uma recordação nostálgica.

É uma viagem de uma semana, com dois dias em Lisboa, um ou dois no Porto, entrando em Espanha pela Galiza. Têm ascendência galega e portuguesa, o que, aliás, é visível no apelido. A tarde foi dedicada a Belém e Miriam só em cima do monumento se apercebe que está no Padrão dos Descobrimentos, que já tinha visto em fotos. "Tem beleza arquitetónica e história, não entendo o motivo da vandalização. É a renúncia da própria história portuguesa, Não valorizam o que o país tem", critica. Pedro acrescenta: "Os monumentos são importantes para as cidades, contam uma história e trazem pessoas para os visitar. Quem vandaliza são antissistema, antitudo".

O turismo em Lisboa não se faz só de estrangeiros. Os portugueses também fazem parte, como é o caso de Isabel Castro, 52 anos, que faz controle de qualidade, de António Silva, 55, mediador de seguros, e do filho Miguel Silva, 21, estudante de Desporto. Completam a família, o Alexandre, de 23, e a namorada, que preferiram a Fundação Gulbenkian. Vivem em Santa Maria de Lamas (Santa Maria da Feira) e esta é uma visita de dois dias para onde já foram felizes. A lua-de-mel do casal foi em Lisboa. António fez a tropa na capital.

Apreciam o património arquitetónico e não entendem quem o vandaliza. "É um marco histórico, deviam respeitar, há outras formas de se manifestarem", justifica Isabel. "O essencial da nossa história está nos monumentos", diz António. Remata Miguel. "Foi aqui que começámos a explorar o mundo, a conhecer outros povos".

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