Diagnosticar mais cedo e diminuir o estigma da doença
Este projeto permitiu-nos dar um passo muito importante no objetivo de alertar a população, e os homens em particular, para a necessidade de fazerem o diagnóstico precoce do cancro da próstata, mas também foi importante para diminuir o estigma que existe em relação à doença", afirmou José Graça. O vice-presidente da Associação Portuguesa de Doentes da Próstata (APDP) comentava a iniciativa conjunta do DN, JN e TSF (Global Media Group), que percorreu o país nas últimas semanas e deu a conhecer as diferentes realidades de acompanhamento e tratamento destes doentes. "Os nossos meios digitais, como o site da associação e sobretudo a página do Facebook, aumentaram exponencialmente os seguidores e as visualizações com as partilhas que fizemos dos conteúdos do Global Media Group". Outra reação positiva foi o que diz terem sido os esclarecimentos de dúvidas com a informação dos médicos. A recolha de dados e a transmissão dos conselhos dos urologistas fez parte das reportagens efetuadas em oito cidades portuguesas. José Graça sublinha as interações públicas entre membros da APDP, "o que poucas vezes acontece", porque, segundo diz, os homens não costumam dar a cara por este assunto. "Notei que começam a fazer algumas publicações e a falar destes assuntos, é bom sinal. Existem efeitos secundários relacionados com o cancro da próstata, alguns mal-esclarecidos como a disfunção eréctil e a incontinência urinária, que mexem com a masculinidade e, por isso, muitos retraem-se".
Auscultados aleatoriamente nas reportagens efetuadas de norte a sul, a generalidade dos homens, novos ou mais experientes, revelou que o tema continua a suscitar muitas dúvidas, o que os médicos confirmam quotidianamente. Preza Fernandes, urologista em Guimarães, deu o exemplo da confusão entre cancro e a hiperplasia benigna da próstata, ou seja, o aumento de volume da glândula que normalmente com a idade tem tendência a crescer. "A primeira desmistificação é afirmar que nem todos os sintomas representam cancro que, quase sempre, é silencioso". Outro esclarecimento necessário diz respeito às consequências do tratamento dos tumores cancerígenos. "A impotência sexual tem solução seja com comprimidos, injeções ou até a chamada prótese insuflável do pénis. Temos também uma série de soluções para a incontinência urinária. Num e outro caso esses problemas não serão eternos", explicou o especialista.
Em Vila Real, outro urologista, Filipe Avelino, acrescentou outro dado. "Todos os homens acabam por ter hiperplasia benigna da próstata. A partir dos 30/35 anos registam-se alterações prostáticas, mas apenas em alguns se manifestam os sintomas que se agravam com o avançar da idade. Por sua vez, o cancro não dá sintomas na fase inicial, e quando surgem é porque a doença já está numa fase adiantada, ou seja, numa zona mais interior da próstata". Sublinhou ainda este médico que continua a prevalecer a ideia errada de que a doença benigna degenera em carcinoma. "Não é verdade, ainda que seja preciso ter atenção. São duas doenças distintas que ocorrem em zonas diferentes da próstata. Ter dificuldades em urinar não quer dizer que tenha cancro".
Ainda a propósito de desinformação, Paulo Rebelo, urologista de Viseu foi perentório: "Notam-se por aí muitos mitos, sobretudo entre a população mais rural. É preciso combate-los. Faltam muitas noções de prevenção e é preciso também sensibilizar os médicos de família".
A conclusão foi transversal aos profissionais de saúde entrevistados no âmbito da iniciativa "Próstata de Lés a Lés" e, em Faro, o urologista Miguel Rodrigues ainda foi mais longe ao referir-se a preconceitos dos próprios especialistas e médicos de família sempre que se trata do toque retal. Este é simples ato que, segundo o médico, permite a palpação da próstata e que devia ser generalizado nas consultas do médico de família porque oferece dados imprescindíveis para interpretar o estado de saúde do paciente. "É um exame invasivo que mexe com a intimidade e com a masculinidade. Felizmente há cada vez mais informação e gradualmente tem vindo a ser mais natural, mas ainda temos de combater muito preconceito e desmistificá-lo". O médico compara-o a um qualquer outro exame. "A palpação da próstata tem de ser vista sem aversão, como se faz com os exames aos ouvidos ou à garganta".
A deteção precoce do cancro da próstata permite intervenção clínica com maior taxa de sucesso. Cerca de 85% dos homens diagnosticados em fase inicial consegue eliminar a doença. Cada vez mais e com maior insistência, os especialistas defendem o regresso da política de rastreio. Abranches Monteiro, até há pouco tempo, presidente da Sociedade Portuguesa de Urologia", explicou que a Associação Europeia de Urologia está a equacionar essa diretiva abandonada em todo o mundo há mais de dez anos. "Estão a aparecer, em muito maior número, homens com a doença em estado muito avançado. Esses doentes têm uma taxa de mortalidade bem mais elevada que outros". Há ainda um outro argumento. "Tratar estes doentes em fase avançada pode custar, ao longo da vida, até vinte vezes mais do que tratamentos na fase precoce". O problema, diz Abranches Monteiro, é que o rastreio generalizado começa nos cuidados de saúde primários e exige depois acessos menos demorados à especialidade nos hospitais. "Temos muita coisa a melhorar no Serviço Nacional de Saúde".
A sul, o urologista de Évora, Pedro Galego, deixou um apelo à medicina geral e familiar relacionado com o novo paradigma da prevenção do cancro prostático, que não estando convencionado aposta, cada vez mais, no rastreio. "Custa-me perceber que são gastos rios de dinheiro a pedir valores de glicemia, valores de colesterol, de triglicéridos e uma análise tão simples ao PSA, que pode fazer toda a diferença para detetar casos, fique de fora quando o médico de família pede análises ao sangue". Com o novo conceito à luz dos mais recentes desenvolvimentos científicos, o objetivo da urologia passou a destacar o que considera o real valor do exame PSA, o antigénio prostático específico, usado na generalidade para rastrear homens assintomáticos a partir dos 45-50 anos. Os especialistas estão agora a pedir aos pares da medicina geral e familiar nova atitude para otimizar o padrão de prevenção da saúde prostática.
Com algumas exceções, nomeadamente a falta de recursos humanos e várias assimetrias entre regiões, sobretudo ao nível de meios de diagnóstico e tratamentos cirúrgicos em falta no interior, os profissionais consultados nesta iniciativa dizem que o cancro da próstata é bem tratado em Portugal após o diagnóstico. As terapêuticas de nova geração vieram contribuir para aumentar a qualidade de vida dos doentes na última década. As novas armas de combate, garantem os especialistas, permitem controlar situações a 10 e 15 anos, acreditando os médicos que, em breve, a terapêutica consiga prolongar ainda mais esses períodos, mas tudo depende, como alertou, em Coimbra, o urologista Pedro Nunes, do diagnóstico na fase em que o cancro está localizado. "É o único momento em que o conseguimos curar, mas descobri-lo é a grande dificuldade porque é assintomático, ou seja, não revela sintomas nessa fase". Ao surgirem os primeiros indicadores como sangue na urina, dificuldades em urinar e dores ósseas resta apenas controlá-lo e, nesse caso, a inovação terapêutica é o grande aliado. Até 2006 apenas a quimioterapia era a solução para os casos mais graves, depois começaram a surgir hormonoterapias de segunda linha (quando falha o primeiro tratamento) que permitem, em associação com outros fármacos, transformar um cancro com metástases, que antes tinha um desfecho habitualmente fatal, em doença crónica. O médico explica que é como adormecer a doença permitindo ao doente ter qualidade de vida sabendo, contudo, que o problema está lá. "Administramos novas terapêuticas sempre que necessário para lhe controlar os sintomas e a progressão da doença. Este processo permite gerir o problema e acompanhar o doente sempre com o foco na qualidade de vida".
Em Tomar, João Dias, um dos quatro urologistas do Centro Hospitalar Médio Tejo, aproveitou para pedir mais médicos oncologistas para acompanhar estes casos, defendendo o reforço da multidisciplinaridade devido à complexidade da urologia prostática. "Precisamos discutir os casos de um modo mais abrangente e global. Hoje existem medicamentos para um largo espetro de doentes, mas são terapêuticas que não podem ser, do meu ponto de vista, administradas pelo urologista que, por si só, não tem capacidade para o fazer. Estas terapêuticas têm toxicidades e tolerâncias que é preciso vigiar e exigem cuidados que só um oncologista nos pode dar".
A este argumento, o urologista juntou a questão financeira. "O arsenal terapêutico é variadíssimo, e tal como os seus diversos efeitos de toxicidade, também existem diferentes custos para cada um. O país não é rico e o controlo de custos é uma necessidade, portanto temos de saber utilizar bem e de forma racional o que temos à disposição atendendo sempre à relação custo benefício".
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