DGS justifica vacinação de crianças com subida de casos e situações de doença grave
Desde o início da pandemia que quase 80 mil crianças foram infetadas pelo SARS CoV-2 em Portugal. O boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a evolução da doença dava ontem conta que 78 873 crianças dos 0 aos 9 anos tiveram a doença. Aliás, e ainda de acordo com os dados oficiais, é nesta faixa etária que se regista agora maior incidência da doença. Nos últimos dois meses, de 7 de outubro a 7 de dezembro, o país registou mais 12 228 casos de infeção nas crianças dos 0 aos 9 anos, tendo o maior aumento sido registado entre o dia 7 de novembro e o dia de ontem. Ao todo, houve mais 9655 novos casos de infeção. E esta situação, o aumento significativo de casos nesta faixa etária, foi um dos motivos avaliados pela Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) e que levou à recomendação da vacinação para as crianças.
É verdade que a realidade tem vindo a demonstrar que este novo coronavírus, que atingiu o mundo no final de 2019, tem sido "amigo" das crianças. Quando infetadas, a esmagadora maioria não tem complicações - ou seja, a doença evolui de forma benigna, mas, e como refere a DGS no comunicado divulgado ontem, "há formas graves de covid-19 em crianças".
Em Portugal, e é de salientar, desde que se conheceram os primeiros casos da doença no dia 2 de março de 2020, só se registaram três óbitos entre os mais novos. A doença não atinge de forma grave esta faixa etária, ao contrário do que acontece com os idosos, mas a verdade é que, hoje, a faixa etária dos 0 aos 9 anos é a que regista maior incidência da doença. Um dado que alguns especialistas explicam precisamente pelo facto de este ser o grupo de população que ainda não está vacinado no nosso país - "as crianças são infetados e depois transmissores da doença".
A juntar ao aumento de casos nesta faixa etária, a DGS também sustenta a decisão de vacinar dos 5 aos 11 anos com situações de internamento de crianças saudáveis. Conforme se pode ler na nota enviada às redações, a CTVC decidiu recomendar a vacinação por considerar que os dados disponíveis demonstram que a vacina é segura e eficaz e que há "um risco benefício numa perspetiva individual e de saúde pública", devendo as crianças com outras comorbilidades e fatores de risco serem priorizadas neste processo.
A DGS justifica que, apesar de "a doença nestas faixas etárias ser geralmente ligeira, existem formas graves de covid-19 em crianças. O risco de hospitalização é maior em crianças com doenças de risco, contudo, muitos dos internamentos ocorrem em crianças sem doenças".
Segundo explicou ao DN Luís Graça, imunologista e especialista em vacinas do Instituto de Medicina Molecular (iMM), que integra a CTVC, "a situação da doença na maioria das crianças é benigna, mas há casos ocasionais de crianças que desenvolvem formas graves de covid e que têm de ser internadas e a vacinação vem permitir prevenir estas situações". E dá como exemplo: "Em hospitais portugueses e em hospitais europeus há mais crianças saudáveis desta faixa etária internadas por covid-19 do que crianças já com outras doenças e que à partida correriam maiores riscos".
Neste sentido, e uma vez que todos os dados demonstram estarmos perante uma vacina segura e eficaz quer para a transmissão quer para prevenir formas graves da doença, a CTVC considerou haver um risco benefício que justifica a vacinação das crianças.
O investigador do iMM especifica que "os dados existentes sugerem haver um benefício mais claro para as crianças que têm outras doenças e que podem desenvolver outras complicações quando infetadas e, por isso, é que estas devem ser priorizadas".
No entanto, argumenta, a comissão entendeu que, "havendo uma vacina segura, que foi desenvolvida com uma dose adaptada para a faixa etária pediátrica, que foi testada em ensaios clínicos e que já está a ser administrada, nomeadamente nos EUA e no Canadá, sem que tivessem surgido preocupações de segurança, se deveria estender também a vacinação às crianças saudáveis, uma vez que, embora com muita pouca frequência, elas também podem desenvolver complicações graves da doença".
No comunicado divulgado ontem, a DGS confirma que a decisão tem por base "o número de novos casos de covid-19 em crianças que tem vindo a aumentar", bem como o facto de existirem também formas graves de covid-19 em crianças, embora "a doença nestas faixas etárias seja geralmente ligeira".
A DGS esclarece também que "o risco de hospitalização é maior em crianças com doenças de risco, contudo, muitos dos internamentos ocorrem em crianças sem doenças de risco".
Questionado pelo DN sobre se esta decisão contrariava o parecer entregue há dias pelo grupo de peritos a quem a DGS solicitou consultoria, e que reunia pediatras, cardiologistas e outros técnicos da Saúde, Luís Graça afirmou que não, sublinhando que "a decisão tomada pela DGS e que agora foi conhecida não contradiz essa recomendação. Se a decisão desse grupo fosse de não vacinar as crianças contrariaria, mas não há uma recomendação nesse sentido".
Portugal junta-se assim a outros países da União Europeia, como Itália e Espanha, que também já anunciaram que vão avançar com a vacinação na faixa etária dos 5 aos 11 anos. De acordo com o que afirmou na semana passada a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, as vacinas pediátricas vão chegar à Europa no dia 13 de dezembro, para depois serem distribuídas pelos Estados-membro. Em todos os países, a vacina a ser administrada será só uma, a Comirnaty, produzida pelos laboratórios Pfizer/BioNTech, por ser a única que até à data tem parecer positivo da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Em Portugal, existem 638 mil crianças elegíveis para serem vacinadas. O primeiro-ministro António Costa anunciou a 25 de novembro que já tinham sido adquiridas 762 mil doses da vacina pediátrica, 300 mil deveriam chegar no dia 20, embora esse prazo já tenha sido antecipado para dia 13, e as outras 462 mil em janeiro. Ou seja, o número de doses suficientes para dar resposta à vacinação desta faixa etária. Agora, quando é que o processo terá início ainda não é certo.
O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, veio afirmar na segunda-feira que seria desejável que arrancasse antes da entrada no segundo período, mas o secretário de Estado Adjunto e da Saúde veio relembrar que a prioridade na vacinação continua a ser os grupos dos mais idosos e dos mais vulneráveis, que pelos riscos que correm deverão receber a dose de reforço até ao final de dezembro.
Em relação a quando e como é que o processo vai decorrer, a DGS diz que tudo será anunciado amanhã em conferência de imprensa. Por agora, o imunologista Luís Graça diz ser importante passar uma mensagem à população e sobretudo aos pais: "A questão da segurança da vacina nunca esteve verdadeiramente em causa. Todos os dados sugeriam que a vacina é segura. As dúvidas que existiam eram em relação ao benefício direto da vacinação nesta faixa etária, sobretudo de crianças saudáveis, nas quais a doença segue, na maioria dos casos, um curso benigno, sem complicações".
Segundo o cientista, os pais podem estar tranquilos, porque o que "esta decisão vem mostrar é que, além da segurança, existe ainda evidência do risco benefício na vacinação das crianças. A vacinação vai permitir prevenir os raros casos em que as complicações podem surgir".
Mas não só. O especialista, e tal como tem sido defendido por alguns pediatras também, diz que a vacinação vem permitir "normalizar a vida social e escolar das crianças, fazendo diminuir o número de infeções nesta faixa etária, tal como aconteceu no grupo dos adolescentes em que houve uma diminuição".
A vacinação das crianças entre os 5 e os 11 anos dividiu de certa forma a comunidade científica, ou melhor os pediatras. Uns defendiam não existir um benefício maior individual e direto já que a esmagadora maioria não desenvolvia formas graves da doença, outros defendiam a vacinação por considerarem haver benefício individual, já que esta permitiria normalizar a vida social das crianças, dando-lhes mais bem estar, e coletivo, em termos de saúde pública, no combate à pandemia. "Se as crianças forem vacinadas haverá menos transmissão, logo menos casos de infeção", chegaram a argumentar ao DN. Agora, resta aguardar pelos detalhes.
No comunicado da DGS, é referido que a situação vai continuar a ser acompanhada, tanto do ponto de vista epidemiológico como de evidência científica e recomendações dos Estados-membros, sublinhando-se ainda que a recomendação agora feita "pode ser alterada sempre que se justifique, nomeadamente, caso venham a ser conhecidos mais dados sobre novas variantes".
A versão pediátrica da vacina da Pfizer/BioNTech tem apenas um terço da fórmula "padrão" que é usada nas pessoas acima dos 12 anos. De acordo com o que está no processo de autorização entregue junto das autoridades do medicamento dos EUA e da União Europeia a dose do imunizante é de 10 microgramas, enquanto a dose aplicada em quem tem mais de 12 anos é de 30 microgramas. Aliás, foi esta que foi usada no ensaio clínico internacional para testar a segurança e eficácia da vacina.
É de referir ainda que no ensaio clínico para testar a vacina para a faixa etária pediátrica participaram 2268 crianças. Destas, 1517 receberam a vacina e as restantes um placebo (substância inócua). No primeiro grupo, a vacina apresentou uma eficácia da ordem dos 90,7% para a transmissão, já que daquele total só três crianças foram infetadas pelo SARS CoV-2, enquanto no segundo grupo houve 16 que foram infetadas. Neste ensaio, não foram detetadas situações adversas como miocardite, sendo esta uma das situações que mais preocupava os especialistas.