"Descobrimos outra forma de viver para além da que conhecíamos como única possível"
"Os recursos humanos têm pedido às chefias para ver quem é quer voltar e a maioria das pessoas estão nervosas, porque não querem. Muitas não moram em Lisboa, mas longe, por causa dos preços das casas, têm filhos, e sentiram que em teletrabalho não perdem tempo nas deslocações, sentem-se mais dedicadas à família. Descobriram outra forma de viver para além da que conhecíamos como a única possível."
A voz é de Inês, 45 anos, secretária numa grande seguradora que pede não seja identificada, com posto de trabalho na capital e ao qual já regressou. "Vejo por mim: ao estar em casa percebi o que perdia por estar tanto tempo ausente. E nem sequer tenho filhos; falo só da relação com o meu marido e com a minha gatinha. Além disso, senti que era muito mais produtiva em casa. Percebi, ao regressar ao escritório, que perco muito tempo em coisas menores."
Há outro fator que lhe parece importante para explicar a preferência da maioria pelo teletrabalho: "Penso que muitas pessoas sofrem bastante no trabalho, porque não raro são ambientes difíceis de gerir - em casa sentem-se mais em paz." A impressão de Inês é confirmada por José Abrantes, do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC): "Em termos de assédio laboral as pessoas sentiram alívio". No setor, reconhece, "o teletrabalho fez grande sucesso junto dos nossos trabalhadores individualmente. Uma grande maioria quererá manter-se nessa modalidade."
Mas, claro, varia. A paz que o teletrabalho traz ou não depende do ambiente que se vivia nas instalações da empresa e do que cada um tem em casa, das condições da habitação, e até dos vizinhos. Inês, por exemplo, descobriu que os tinha "insuportáveis" e mudou de residência em plena pandemia, no segundo confinamento. "Era tal a barulheira que tive de chamar a polícia mais de uma vez, e decidimos sair."
A experiência de outros, narrada por Flávio, analista de dados de uma empresa multinacional com escritórios em Portugal, é bem diferente: "Passados alguns meses em teletrabalho houve colegas a pedir para regressar ao escritório, tanto jovens para os quais este é o primeiro emprego como trabalhadores-estudantes que vivem ainda em quartos alugados, sem casa própria, e que não estavam a lidar nada bem com o teletrabalho por na prática viverem como reclusos nos seus quartos."
Há até o caso, narrado por Rebeca Moore, trabalhadora de call center, de um casal de colegas que vivem juntas e cuja casa é tão pequena que não tem condições para lá trabalharem as duas ao mesmo tempo. Quando foram para teletrabalho uma delas teve de voltar a viver com os pais - até agora. Neste setor, aliás, a esmagadora maioria das empresas, segundo o STCC, está ainda em teletrabalho: "Serão pelo menos 90% dos trabalhadores, num total que estimamos de 110 mil, e cremos que a decisão será a manter a maioria nesse modo. O novo CEO da Teleperformance [a maior empresa de call centers, com cerca de 11 mil trabalhadores] anunciou um investimento de mais de seis milhões de euros para desenvolver tecnologia remota para pelo menos metade da força de trabalho." Nesse sentido, os operadores estão já, informa, a contratar pessoas especificamente para teletrabalho.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, porém, em final de junho só 14,9% dos trabalhadores do país se mantinham em teletrabalho. Panorama diferente era o da Área Metropolitana de Lisboa: a percentagem rasava um terço (28%). Seguia-se o centro e norte (10,8 e 10,6%), Algarve e Alentejo (8,7 e 8,2%), Açores (5,4%) e Madeira (3,5%).
Como vão evoluir estes números agora que terminou, em final de julho, a obrigatoriedade do teletrabalho, mantendo-se apenas recomendado, não é ainda claro, diz Andreia Araújo, da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP). "Só em setembro/outubro vamos ter noção, porque há muitos trabalhadores a voltar aos locais de trabalho."
Face a maio de 2020, quando o DN abordou pela primeira vez a confederação sindical sobre este tema, o discurso mudou. Se na altura a ideia era de que a maioria dos trabalhadores não queria o teletrabalho, e que este era apenas uma interrupção necessária, devido à pandemia, mas indesejada da normalidade, agora a visão é mais temperada e pragmática: "Os sindicatos da CGTP representam todos - os que querem, os que querem menos, e os que não querem nada. Há muitos trabalhadores que dizem que gostavam de ter uma coisa mista, uns dias no escritório e outros em casa. É porém muito importante não generalizar: o que é bom para uns não o é para outros. E temos de alertar para os perigos."
Assim, para a CGTP, "o essencial é que haja acordo entre trabalhadores e empresas, não discriminação entre os que estão numa e noutra situação - houve por exemplo empresas que quiseram cobrar as falhas tecnológicas, faltas de luz ou de internet, aos que estavam em teletrabalho - reversibilidade a todo o tempo, ou seja, se se quiser voltar ao local de trabalho tem-se esse direito, compensação pelos gastos, manutenção do subsídio de refeição (algumas empresas quiseram deixar de pagar) e garantia de exercício dos direitos sindicais."
Mas há empresas que decidiram não dar opção - para um lado ou para o outro. Flávio, 41 anos, o já citado analista de dados numa delegação de uma multinacional de consultoria, e que em maio de 2020 disse ao DN estar a "adorar" trabalhar remotamente, tendo o sonho de, se a situação se mantivesse no pós-pandemia, mudar-se para o interior do país, viu-se obrigado a voltar para aquilo que designa como "a dura realidade".
O ânimo, garante, "não tem sido dos melhores no open space do escritório, na verdade julgámos todos que seria adotado a título permanente um modelo híbrido com rotação entre teletrabalho e presenças no escritório em vez de um regresso à rotina pré-pandemia cinco dias por semana. Não aconteceu. O teletrabalho foi só um sonho e voltámos à dura realidade. Alguns colegas optaram mesmo por se despedir e procurar algo em empresas como as de telemarketing, que parecem ter-se adaptado melhor ao teletrabalho como opção permanente, embora paguem pior."
Edgar, 29 anos, está a pensar fazer exatamente isso: mudar de emprego, sendo um dos critérios de procura o trabalho remoto a 100%. "Trabalho numa seguradora e ainda estamos em teletrabalho. Estivemos para regressar ao escritório em maio mas os números das infeções subiram e foi cancelado. Até agora não há nova data, mas creio que o regresso se fará num modelo híbrido, três dias no escritório e dois fora, sem possibilidade de escolha."
Também na seguradora que emprega Inês a maioria das pessoas está ainda a trabalhar a partir de casa. "Podem ir ao escritório, se a chefia der autorização. Existiu um plano de regresso faseado, em espelho [com equipas que se revezam] mas que foi abortado na segunda vaga da pandemia. Penso que será retomado nas próximas semanas." Ela voltou porque achou que era o correto, tendo em conta a especificidade do seu trabalho . "A ideia que há é que vai passar a haver dois dias de trabalho a partir de casa - a segunda e a sexta - e três dias no escritório, para todos, sem escolha." Para já, tal funcionará com equipas em espelho, depois se vê.
Quanto a compensação pelos gastos acrescidos dos trabalhadores com o terem estado quase um ano e meio a funcionar a partir de casa, uma das propostas constantes nos projetos apresentados por vários grupos parlamentares (PS, PSD, BE, PCP, CDS/PP, PEV, PAN e deputada não inscrita Cristina Figueiredo) para a nova regulamentação do teletrabalho, não existiu até agora para Inês e para os seus colegas.
"A comissão de trabalhadores tem falado muito disso", conta ela. "A versão da empresa é de que estão a analisar a questão e que no final do ano irão dar uma compensação. Falou-se de 60 a 80 euros mensais, houve inclusive uma informação interna a mencionar esses valores. Mas não ficou claro se será com retroativos a março de 2020 ou se tencionam só pagar daqui para a frente."
Na empresa na qual Edgar trabalha isso não foi até agora discutido sequer. "A única coisa a que se dispuseram foi a emprestar material de escritório que tivessem em armazém e ofereceram um vale de 125 euros na Worten para comprar um ecrã de computador, mas que podia ser usado noutros produtos de escritório, desde que fosse só num." Nas ofertas de emprego específicas para teletrabalho que tem estado a apreciar também não estão incluídos subsídios ou ajudas de custo para consumos de eletricidade, internet ou outros. "Só falam em fornecer portátil, mais nada."
55 euros brutos mensais, com retroativos apenas a 1 de janeiro de 2021, é o que uma das empresas de seguros que opera em Portugal, a Liberty - e que instituiu desde março o trabalho remoto como regra para os seus 400 trabalhadores nacionais, dando-lhes a opção de passarem até dois dias por semana no escritório "para realizar atividades específicas ou reuniões presenciais", mas sujeitos à "disponibilidade de espaço nos edifícios" - paga "para cobrir despesas relacionadas com a atividade", mantendo-se o subsídio de refeição. A alteração, certificou a empresa em comunicado, vai ao encontro dos anseios dos trabalhadores - num inquérito interno, 93% terão dito que não desejavam "voltar ao modelo de trabalho em vigor antes da pandemia."
Só por causa do aquecimento, terão sido 150 euros a mais por mês durante os meses de inverno, calcula Rui, 41 anos, engenheiro informático numa empresa de tecnologias de informação sediada no norte do país. "Esse valor ou parte dele deveria ser compensado", comenta. Mas a sua empresa não só fez qualquer menção ao assunto como nem sequer forneceu cadeira adequada ou secretária - "Acredito que muita gente não tem/tinha, deveriam pelo menos dar uma ajuda para a compra". Isso mesmo foi concluído num inquérito em junho de 2020 levado a cabo pela Escola Nacional de Saúde Pública: 62% dos respondentes diziam utilizar mobiliário não adequado - cadeira da sala, da cozinha ou outra do mobiliário da casa.
Rui permanece em modo remoto mas gostaria de voltar ao "normal" - sente a falta de ver pessoas, de convívio social. Admite que no computo total alguns colegas tenham visto as suas despesas diminuir durante o tempo de teletrabalho, pela poupança em transportes e em refeições fora, mas a transferência de custos da empresa para os trabalhadores parece-lhe injusta.
O mesmo pensa António Pedro Martins, 41 anos, diretor de marketing da delegação espanhola de uma multinacional francesa que com os restantes diretores estava, quando falou com o DN em maio de 2020, a preparar uma proposta para que a empresa custeasse as despesas dos trabalhadores com internet e ar condicionado, e acrescentasse, aos portáteis e monitores já fornecidos, cadeiras e mesas ergonómicas. Um ano e três meses depois, a maioria dos trabalhadores mantém-se em teletrabalho - "Nos escritórios da hoje em dia só há quatro pessoas com posto físico fixo: o diretor geral, e mais três. Os outros 10 se necessitarem podem trabalhar no escritório mas não têm posto fixo, ocupam o que estiver livre" - mas António Pedro não se mostra muito animado com o que foi conseguido para eles.
"Pedíamos um complemento salarial não tributável, em percentagem do salário, mas acabaram por concordar só em pagar 22 euros mensais, com retroativos a março de 2020." Não chega nem para pagar o ar condicionado, desabafa. "Eu por exemplo vi a conta aumentar, no verão - aqui faz imenso calor e há muita humidade - uns 40 euros mensais. No inverno também subiu, claro." As cadeiras e mesas, informa, entraram num acordo paralelo: o trabalhador se não tiver compra e apresenta a fatura. "A empresa resistiu a pagar mais porque alega que não há obrigatoriedade de teletrabalho e há postos físicos disponíveis, se se quiser pode-se ir para o escritório." A lei espanhola, considera, "deixa tudo muito no ar e devia ser mais específica".
Um pouco o que se passa com a portuguesa, na qual o teletrabalho está, embora sem muito detalhe, regulamentado no Código de Trabalho. Este estipula que o teletrabalho implica um contrato específico e prevê dever ser, em regra, o empregador a fornecer os "instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador"e a "assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas" - o que deveria implicar o custear da internet e demais comunicações e outros gastos, como o da eletricidade, assim como de reparação ou substituição de equipamentos.
Mas apesar de em fevereiro o governo ter frisado ser seu entendimento que o empregador devia, caso não houvesse acordo em contrário, suportar os custos com telefone e internet em casa do trabalhador, serão muito poucas - se algumas - as empresas que assumiram essa responsabilidade durante o período em que este foi obrigatório. Assim, as avultadas poupanças que lhe corresponderam - em limpeza e segurança das instalações, assim como em consumos de água e eletricidade - ficaram integralmente nos cofres empresariais, enquanto os funcionários arcavam com os custos acrescidos associados à situação.
"Pouparam-se centenas de milhares de euros em manutenção e até houve empresas que encerraram edifícios - caso da Sintel, por exemplo, que fechou o do Parque das Nações, em Lisboa, já na perspetiva de passar ao teletrabalho", sublinha José Abrantes (STCC). "E no setor dos call centers estamos a falar de empresas, como as três grandes - Teleperformance, Sintel e Randstad - com níveis de faturação acima dos 200 milhões de euros. Não precisam de favores."
Assim, o STCC exige pelo menos 150 euros mensais de compensação, abaixo ainda assim do que o PCP propõe no seu projeto: pelo menos 2,5% do IAS (Indexante dos Apoios Sociais) sob a forma de ajudas de custo, o que implicaria 10,97 euros por dia, cerca de 220 euros por mês.
Já o PS defendeu, pela voz da líder da bancada, Ana Catarina Mendes, durante a discussão dos diplomas, que as empresas não têm de assumir "todas e quaisquer despesas" e que "isso tem de ser matéria de acordo e tem que ser comprovado qual o acréscimo de despesa [por parte do trabalhador]."
Isto poderá significar que se um trabalhador já tem um contrato de serviço de telefone e de internet compatível com as necessidades de teletrabalho, a empresa não será obrigada a contribuir, beneficiando assim de uma despesa em que aquele já incorria. E poderá também implicar que os trabalhadores tenham de "comprovar" que passaram a gastar mais eletricidade e água, por exemplo - como se não fosse evidente que assim é, e que em contrapartida a empresa diminuiu esses gastos - e receberem apenas depois da comparação feita.
Foi anunciado que o parlamento teria dois meses, a partir do início de maio, quando a discussão teve lugar, para, em sede da Comissão de Trabalho, construir um único projeto a partir de todos os 10 que desceram sem votação. Mas até agora nada foi apresentado: presume-se que haverá novidades em setembro. Qualquer que seja a legislação aprovada, não terá porém efeitos retroativos ao tempo de teletrabalho obrigatório, de março de 2020 a julho de 2021.
Inês, que tem ouvido os colegas queixarem-se de não terem sido ressarcidos das despesas adicionais, sobretudo em eletricidade, suportadas nesse período, não acredita muito que na sua empresa, se for decidida a tal prestação de que se fala, se pague o que ficou para trás. E teme até que "essa ideia da compensação seja esquecida quando regressarmos". Ainda assim, considera que ela e os colegas terão sido dos menos maltratados neste processo: "Comparando com outras situações que conheço, somos privilegiados. Não só continuámos a receber subsídio de refeição, como nos deram material - portátil, monitor, cadeira - e providenciaram apoio psicológico para quem dele necessitasse."
Mas houve também novidades assustadoras. "Disseram que conseguiam controlar a produtividade das pessoas em casa e percebi que tinham maneira não só de saber se as pessoas estavam "logadas" [se estavam ligadas ao sistema informático da empresa] como se estavam a trabalhar ou não, através de programas informáticos", denuncia Inês. "E dei-me conta de que, quando trabalhava em casa, se estivesse dois ou três minutos sem mexer no teclado tinha de me logar de novo, porque o sistema desliga. Achei que foi um dos aspetos mais perversos do teletrabalho, dar-me conta de que as empresas tentam controlar os trabalhadores destas formas."
O Sindicato dos Trabalhadores de Call Center tem recebido queixas de situações similares ou ainda mais graves: "Há recomendações da Comissão Nacional de Proteção de Dados que proíbem a utilização de softwares de vigilância incorporados nos sistemas informáticos", informa José Abrantes. "Mas temos recebido queixas de que basta o teclado não ser pressionado por instantes para o trabalhador receber um alerta a perguntar onde está. E também de uso de tecnologias que conseguem fazer reconhecimento facial, para se saber se está mais alguém na divisão onde se está a trabalhar. A pretexto da defesa da proteção de dados dos clientes, as empresas exigem que mais ninguém esteja ali, e estão a desenvolver software próprio para saber se assim é."
É ilegal, claro, mas um dos problemas, reconhece o sindicalista, é como se fiscaliza isso - "A Autoridade para as Condições de Trabalho não tem meios suficientes nem diretivas de como proceder." Outro problema, relacionado, é aquele que tem sido referido como "direito a desligar". O STCC tem reservas quanto a essa designação: "Os contratos de trabalho têm horário definido, pelo que isso não nos parece correto. Claro que sabemos que na prática esses horários não são respeitados, pelo que há uma diferença importante que está acautelada no projeto do Bloco, a que existe entre o direito a desligar e o dever de desconexão. Muitos trabalhadores são pressionados a trabalhar mais horas, inclusive sem receber. Pelo que a obrigação de desconectar deve ser colocada pela lei do lado do empregador."
Os abusos não se ficam por aqui, porém. "Nos novos contratos, para pessoas que entram agora, e que são já de teletrabalho, não pagam subsidio de alimentação e estão a oferecer salários diferentes por funções iguais. Por exemplo se a pessoa viver numa zona com nível de vida mais barato - digamos o Alentejo - pagam-lhe menos." Quem o afiança é Rebeca Moore, 30 anos, trabalhadora em call center. "E não só não dão qualquer compensação pelos gastos como, em alguns casos, nem sequer equipamento." Estes atropelos, comenta, "ocorrem com maior facilidade porque as pessoas estão isoladas dos colegas, há muitos menos comunicação e camaradagem, não há espírito de corpo. A nível de lutas e reivindicações é muito mais difícil construir relações de confiança."
José Abrantes corrobora: "Na maioria dos casos, nos novos contratos não pagam sequer os telefones. É a uberização do setor."
Tendo em conta a óbvia diferença de forças, os sindicatos defendem a perspetiva de BE e PCP sobre a nova lei: deve ser impositiva e não deixar tudo em aberto para a "negociação", porque se assim for, como se constata, as empresas tenderão a alijar a maior parte dos custos para cima do trabalhador.
E há ainda a possibilidade, adverte o sindicalista, de que empresas que permitam a passagem para teletrabalho integral, ou que se convertam a essa modalidade, ao proporem, nos termos da lei, um contrato de teletrabalho aos que já têm um vínculo laboral, tentem chantagear no sentido de que os trabalhadores aceitem um contrato completamente novo, interrompendo o anterior, ou seja, que percam a antiguidade. "Tem de ficar muito claro na lei que o contrato de teletrabalho não interrompe o contrato existente."
Rebeca, que está "ansiosa por voltar ao local de trabalho", diz que se está a assistir à construção de "uma nova narrativa, a da ideia de um trabalho flexível, em que nos escritórios não há uma secretária por pessoa, num ambiente de cibercafé." Não tem nem quer ter um contrato de teletrabalho, mas caso lho impusessem "os termos do atual teriam de mudar muito. Terão de pagar para nos manter em casa. E no caso da minha empresa teriam de fazer um update dos computadores todos. Aquele que me entregaram é tão velho que não tem capacidade de wifi. Tenho de ter um cabo, que atravessa o corredor todo, ligado ao rooter. Já viu o que é um ano e meio a viver e trabalhar assim?"
José Abrantes suspira: "Esta situação apresenta muitos desafios. Mas o que existia anteriormente à pandemia não vai voltar. O capital tem muita força e a vontade de um número significativo das pessoas é ficar em teletrabalho, que está a ser endeusado. Por isso tem de haver salvaguardas. Temos receio, porém, de que as melhores propostas que vimos nos projetos de lei fiquem bloqueadas e não passem."