Carolina Barbosa, 29 anos, bióloga, foi vista pela última vez na zona do Jardim do Morro, em Vila Nova de Gaia, no dia 10 de setembro. Em casa, deixou os telemóveis e a cadela de estimação. No carro foram encontradas as chaves de casa, bem como a chave da viatura na ignição. O vidro traseiro foi partido. Havia indícios de crime e o caso passou para a alçada da Polícia Judiciária..No dia 3 de outubro deu à costa, na praia da Barra, em Aveiro, um corpo em avançado estado de decomposição. Não era possível determinar o sexo ou a identidade do cadáver. Na quinta-feira, 24 de outubro, a família recebeu a notícia mais triste: o corpo pertence a Carolina. “O caso continua com a PJ. Não temos o resultado da autópsia e o caso está em segredo de justiça”, partilha com o DN o irmão da jovem, Francisco Barbosa. “Recebemos o teste de ADN e foi confirmado que é o corpo da minha irmã”..Carolina é uma das cerca de quatro mil pessoas que desaparecem, todos os anos, em Portugal. “São milhares ao longo do ano. Na esmagadora maioria, felizmente, não há um quadro da prática de crime”, observa josé Leal, diretor da Unidade de Informação Criminal da PJ. Contudo, os números não são exatos. “Não é garantia que a PJ tenha todos os registos das comunicações de pessoas desaparecidas”, explica José Leal. “É algo que a Polícia Judiciária quer propor à tutela, que é a criação de um sistema nacional que permita, efetivamente, pôr alguma organização e coordenação nesta matéria”, prossegue..António Leal, director e Miguel Gonçalves, inspector chefe da Polícia Judiciária.Leonardo Negrão.A mesma opinião tem o subintendente Filipe Silva, da PSP. E dá o exemplo do país vizinho. “Em Espanha criaram um Centro Nacional de Desaparecidos, que está na dependência do ministério do Interior. É alimentado por todas as polícias e são eles que fazem a gestão. Acho que o ministério da Administração Interna deveria olhar para isto. Se calhar fazia sentido, um pouco à imagem do que acontece em Espanha, haver em Portugal algo semelhante”. Assim sendo, o que sucede é que as queixas de desaparecimento, feitas aos diversos órgãos de polícia criminal [PSP, PJ ou GNR] são registadas mas depois não existe uma compilação de todos os dados e não há quem dê baixa dos casos em que há o aparecimento do desaparecido, seja vivo ou morto..Há também situações de desaparecimento voluntário, como explica o inspetor-chefe da PJ Miguel Gonçalves, coordenador da Secção Central de Investigação Criminal, que tem a competência, nesta polícia, da averiguação de pessoas desaparecidas. “A pessoa pode eventualmente deixar de contactar com quem entender. De não contactar com família ou amigos, ou até mesmo marido ou mulher, conforme a circunstância, por vontade dela. E aí, quando encontramos a pessoa, se nos disser que não quer que informemos sobre o seu paradeiro, apenas dizemos ao comunicante, a pessoa que denunciou o desaparecimento, que a pessoa está bem mas não quer ser encontrada”..Subintendente Filipe SilvaCarlos Pimentel.24 a 48 horas? Um mito.Quando há um desaparecimento não é preciso esperar 24 ou 48 anos para o comunicar às autoridades. “Isso não existe”, garante José Leal. “Quando há uma quebra de rotinas, se a pessoa não chega a casa e, quando se atrasava costumava informar e não informou, o que saia fora do comum, pode ser um caso de desaparecimento”, explicar o inspetor-chefe Miguel Gonçalves. .Ao ser comunicado um desaparecimento “fazemos uma avaliação de risco, que é feita em função das perguntas que são colocadas à pessoa que vai fazer a comunicação do desaparecimento. E qualquer pessoa pode fazer uma comunicação de desaparecimento”, enfatiza Miguel Gonçalves. Ainda assim, afirma: “É necessário que quem seja a pessoa que vai comunicar o desaparecimento seja alguém com o conhecimento o mais fiel possível, ou mais pormenorizado possível, da pessoa que desapareceu”..É feito um questionário ao comunicante, seja na PJ, na PSP ou na GNR, que inclui uma bateria de cerca de 20 questões. “Há questões que são importantes para fazermos uma avaliação de risco, que pode ser baixo, médio ou elevado”, explica o inspetor-chefe da PJ. “Por exemplo, uma das questões que é colocada é se a pessoa alguma vez atentou contra a própria vida. Nesse caso, o risco aumenta substancialmente”..Após a comunicação do desaparecimento e esta avaliação de risco, começam as diligências. “Depois há a intervenção policial, que inclui todas as ferramentas que estão ao nosso dispor e que podemos utilizar para tentar encontrar a pessoa desaparecida”. Contudo, algumas ferramentas só são disponibilizadas em caso de suspeita de crime. “A partir do momento em que chegamos a uma conclusão de que possa estar um crime associado, o mais rapidamente possível o que é que devemos fazer? É informar o Ministério Público, catalogar o inquérito. E porquê? Porque estando a possibilidade de um crime associado vai permitir-nos usar ferramentas processuais que estão à nossa disposição e que não estão à disposição num desaparecimento. Porque o desaparecimento, só por si, não é crime”, descreve Miguel Gonçalves..O inspetor-chefe da PJ sublinha: “Contrariamente àquilo que as pessoas possam pensar, porque é que não pomos escutas, porque é que não vamos às contas bancárias, tudo imediatamente... Legalmente, não podemos, estamos limitados. Quando há indícios de crime as ferramentas de investigação são completamente diferentes ”. .Nos casos investigados pela PSP, em que não há suspeitas de crime associado, as diligências são de outra ordem. Também é feita a caracterização do risco, mediante o mesmo questionário, ao comunicante. Depois, são postos meios no terreno. “Mediante a classificação do nível de risco temos diferentes mecanismos de atuação”, avança o subintendente Filipe Silva. “Se estamos numa situação clara em que há claramente risco para a vida, ou para a integridade física do desaparecido, há um conjunto de ferramentas que podem ser usadas, desde a localização celular - se a pessoa estiver na posse de um telemóvel - , drones, canídeos. Temos de bater determinada zona com pessoal apeado. Se o desaparecido fazia, normalmente, um certo percurso, é esse caminho que vamos verificar, porque a pessoa pode ter sofrido uma doença súbita, ou pode ter caído e estar desorientada. Quando há indício de crime, então passa para a alçada da PJ”..Os crimes que, mais usualmente, estão associados a desaparecimentos são, segundo José Leal, o homicídio, o rapto e o tráfico de seres humanos. .Certo é que todos os agentes da PSP e inspetores da PJ que trabalham nestes casos garantem que é um assunto particularmente sensível. “É complicado”, desabafa o inspetor-chefe Miguel Gonçalves. “No nosso caso em concreto, quando temos uma situação de desaparecimento, fornecemos logo à pessoa que faz a comunicação, o contacto de um elemento da nossa equipa, para que a pessoa tenha acompanhamento". Miguel Gonçalves prefere não relatar casos que o tenham marcado particularmente..Já o subintendente Filipe Silva recorda um rapaz que desapareceu e acabou por ser encontrado já cadáver. “Tinha acaba um relacionamento amoroso e não soube lidar com isso. Marcou-me porque era uma pessoa da minha idade. Fui eu que o encontrei, morto, dentro do carro. Tinha um saco na cabeça e uma mangueira ligada a uma bilha de gás”.