Cuidados Intensivos. Comissão pede ação imediata para evitar que "bomba nos caia de novo nas mãos"
O ritmo de crescimento da doença já está a ter efeitos nos cuidados de fim de linha. A taxa de ocupação de camas ainda é baixa, mas as previsões são preocupantes. Comissão para a Medicina Intensiva defende que não se podem cometer os mesmos erros e que é preciso avançar já com a contratação de pessoal e de equipamento.
A tendência de crescimento de casos de covid-19 em Portugal não atenua. A incidência da doença subiu ontem para os 325,9 casos por 100 mil habitantes a nível nacional. Os internamentos subiram para 809, mais 45 do que no dia anterior, e nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) havia mais sete doentes do que no domingo, passando para 111. O relatório de monitorização das linhas vermelhas, publicado na sexta-feira pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), já alertava para um aumento de 12% de doentes em UCI em relação à semana anterior.
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Para o coordenador da Comissão da Resposta Nacional em Medicina Intensiva (CARNMI) a subida do número de casos voltou a ser uma preocupação, tal como as previsões para os próximos tempos. Segundo diz João Gouveia "há previsões que indicam que podemos chegar até aos 400 internamentos no mês de fevereiro". Por isso, alerta: "É necessário que os hospitais se comecem a preparar para essa altura, para que tenham todas as camas de medicina intensiva abertas. Se não, a consequência é rebentar-nos outra vez uma bomba na mão. E à 5.ª vaga da doença não podemos continuar a cometer os mesmos erros, queremos acreditar que se aprendeu alguma coisa".
O alerta de João Gouveia vai para o facto de haver um número considerável de camas de cuidados intensivos que ainda não estão funcionais. "Há camas que foram criadas no âmbito da covid-19, mas algumas acabaram por ser desativadas, com o regresso de alguns profissionais aos serviços de origem, e outras nem sequer abriram por falta de recursos humanos e de equipamento". Portanto, "é fundamental que os hospitais se preparem atempadamente para os cenários de maior risco".
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"As administrações hospitalares têm de se preparar para poderem abrir as camas na altura certa, não pode haver atrasos. E para isso é preciso que façam já a dotação de pessoal necessário. Já o deviam ter feito. Não conseguiram por não haver capacidade de contratação e porque houve saídas de profissionais do Serviço Nacional de Saúde, mas isso tem de ser resolvido pela tutela e por estas. É preciso contratar recursos, treiná-los e comprar o equipamento que falta", reforça. Se tal não for feito, "quando a bomba nos rebentar na mão, a responsabilidade será deles".
Lisboa e Vale do Tejo vai aumentar camas esta semana
O médico diz ainda que esta realidade já foi passada à tutela em várias conversas informais e que, também, será comunicada formalmente. Aos hospitais já foi pedido que pusessem em marcha as fases seguintes dos planos de contingência. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, por exemplo, nas últimas semanas já passou das 44 camas para as 57 e já foi pedido aos hospitais que abram mais para atingir as 99 até ao final da semana.
No Norte, há 61 camas adjudicadas à covid-19 e o coordenador regional, José Artur Paiva, diz "não haver razão para aumentar". "Só começamos a pensar em acionar o plano seguinte, quando a taxa de ocupação passa os 75%", sublinha. No entanto, alerta, "há uma questão importante, é que não há muita margem para a redistribuição de camas covid e não covid", apelando também à necessidade de "tornar operacionais todas as camas que ainda não estão", por falta de profissionais ou de equipamento.
José Artur Paiva, também diretor do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário Hospital São João (CHUSJ), referiu ao DN que "a taxa de ocupação de camas covid comparativamente com as camas não covid é muito menor, da ordem dos 60%", enquanto "a taxa de ocupação das camas não covid está acima dos 85% e, por vezes, dos 90%".
Uma lotação que justifica com o facto de haver "mais pessoas na rua, mais acidentes, mais traumas, pessoas com doenças com AVC e com a recuperação das listas cirúrgicas, que também implica internamentos em intensivos". Portanto, "a folga para a redistribuição de camas é muita pequena e não podemos voltar a reduzir a assistência às outras doenças".
O coordenador da Região de Lisboa e Vale do Tejo, António Pais Martins, explica que "a evolução da doença na região está a ser monitorizada diariamente em conjugação com os diretores clínicos de todas as unidades" e que se está "a trabalhar na antecipação da procura para que os hospitais estejam preparados para a resposta, prejudicando ao mínimo a atividade não covid".
Por isso, reforça Pais Martins, diretor da Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, "o ritmo de crescimento da doença é algo que nos preocupa muito. Sabemos que a maioria dos infetados não irá necessitar de internamento em medicina intensiva, mas, de qualquer dos modos, os hospitais têm de estar preparados".
João Gouveia, coordenador da CARNMI, sublinha não se poder ignorar que "a pandemia veio reforçar imenso a capacidade da medicina intensiva no país. Agora, há cerca de 840 camas, 191 dedicadas à covid-19", mas é preciso que "todas estejam a funcionar".
Neste momento, "uma das grandes preocupações é com a resposta da região centro, onde o número de casos aumentou substancialmente nas últimas semanas e onde as camas têm vindo a ser aumentadas". Mas o mesmo vai acontecer já esta semana na região de Lisboa e Vale do Tejo: "A estratégia nacional é antecipar a resposta".
Os médicos assumem que, apesar da preocupação, acreditam que este inverno não será como o do ano passado. "A vacinação veio permitir que a percentagem de internamentos em relação aos casos ativos seja muito mais baixa", argumenta João Gouveia.
"No ano passado tínhamos uma percentagem de 4.7 de internamentos em relação aos casos ativos, este ano essa percentagem é de 1.4, embora a percentagem de internamentos em cuidados intensivos em relação ao total de internados se mantenha na mesma, nos 15%, ainda que tenhamos muito menos doentes ventilados". "É mais um motivo de peso para se apelar à vacinação de todos os que ainda não o foram ou não quiseram", completa.
Mas, este ano, para a realidade ser mesmo diferente da do ano passado, embora não se saiba o que a nova variante, Ómicron, possa vir a provocar, é necessário que "a capacidade instalada esteja toda operacional". E "se não começarmos já a responsabilidade das consequências será de quem deveria ter resolvido a situação e não resolveu".
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