Em Portugal, DGS já anunciou que este ano campanha de vacinação começará mais cedo.
Em Portugal, DGS já anunciou que este ano campanha de vacinação começará mais cedo.Artur Machado Global Imagens

Covid-19. Variantes que provocaram onda em Portugal vão entrar na vacina deste ano

Os efeitos das novas variantes (Kp.1, Kp.2 e Kp.3) fizeram-se sentir-se em Portugal em maio. O país entrou em nova onda de casos, que duplicavam a cada cinco dias. Os óbitos passavam da dezena. O epidemiologista Manuel Carmo Gomes acredita que o pico já chegou e que, agora, "é preciso aguardar".
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Em novembro do ano passado, as notícias sobre o SARS-CoV-2 abordavam o aparecimento de uma nova subvariante da Ómicron - mais precisamente a JN.1 - que, em pouco mais de um mês, se tornou predominante no mundo. As autoridades de Saúde voltavam a assustar-se meses depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado o fim da pandemia (maio de 2023). Mas cedo se percebeu que esta nova subvariante era mais contagiante porque tinha mais capacidade para fugir aos anticorpos existentes, mas não era mais patogénica. O cenário volta a repetir-se agora e com subvariantes descendentes da própria JN.1.


Segundo explica ao DN Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências de Lisboa, que sempre acompanhou a evolução da doença, “a JN.1 dominou o planeta entre novembro do ano passado e abril deste ano e deixou descendentes, sendo as principais subvariantes as KP.1, KP.2 e KP.3. Esta última já se superiorizou ao tornar-se dominante na América do Norte e na Europa, nomeadamente em Portugal”, tendo provocado uma nova onda de casos.


Para o pneumologista Filipe Froes isto só demonstra que o vírus continua a mutar-se velozmente e que as vacinas, tal como acontece com o vírus da gripe, vão ter de ser adaptadas todos os anos. O ex-coordenador do Grupo de Crise da Ordem dos Médicos para a covid-19 destaca ao DN que tal já está a ser feito, porque a decisão sobre a vacina para o próximo ano já foi tomada. “No dia 14 de junho, a FDA (Food Drug and Administration), nos EUA, decidia que a nova vacina (2024-2025) irá incorporar a variante que dominou o mundo durante o inverno, a JN.1, e que as suas descendentes, nomeadamente a KP.2, que é muito idêntica à KP.3, que  já se tornou dominante, também vão estar presentes. A Agência Europeia para o Medicamento (EMA) decidiu o mesmo. “As vacinas têm de ser atualizadas de forma a irem ao encontro das mutações que o vírus faz ao longo do tempo”.

 Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde já fez saber que este ano a campanha de vacinação começará mais cedo, em setembro. Quanto ao SARS-CoV-2, o cenário atual , na opinião de Filipe Froes, só vem demonstrar que ainda “não tem a sazonalidade que já encontrámos noutros vírus e que é importante manterem-se elevadas taxas de cobertura de vacinação, bem como um reforço da monitorização, por exemplo através das águas residuais, para se obter mais cedo informação sobre o vírus”. 


Média de casos a 7 dias está nos 395 e a de óbitos nos 10


Mas sobre as novas mutações que agora são referenciadas nos boletins do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) e da Direção-Geral da Saúde - a KP.1, KP.2 e KP.3 - sabe-se que os seus efeitos se começaram a sentir no país no início de maio. Uma entrada que Manuel Carmo Gomes diz ter coincidido logo com o aumento de casos e com a dominância da KP.3 em relação às outras. 


“O aumento de casos chegou a ser, de um dia em relação ao outro, da ordem dos 13,5%. A meio do mês o RT (Rácio de Transmissibilidade) atingia os 1,5, o que significa que os casos duplicavam a cada cinco dias e que cinco pessoas infetadas poderiam infetar novas 15. É bastante”, sublinhou ao DN. Nesta altura, Portugal voltou a ter dias com mais de 600 casos de covid, sendo que este número não corresponde, de facto, à realidade, pois o registo agora é só feito com base nos casos testados em ambiente hospitalar ou nas farmácias (a grande maioria da população opta pelo autoteste e não declara a doença).


Para o matemático, o número real de casos deve ter sido muito superior. Neste momento, diz, “a média a sete dias já está em 395 e a média diária de óbitos em 10”, embora tivéssemos tido semanas em que a média de casos diários era mais de 400 e a de óbitos era de 13. Pelas contas de Manuel Carmo Gomes, “esta nova onda em Portugal deve estar agora a atingir o pico, mas temos de aguardar para perceber se este não se transforma em planalto, como já aconteceu em outras ondas, e se os casos começam mesmo a baixar”.


De acordo com a monitorização feita pelo INSA, a subvariante KP.3 tornou-se dominante em Portugal entre 6 de maio e 2 de junho. Até agora, “não há evidência de que seja mais patogénica do que outras, mas também não se pode dizer que seja menos”, refere o epidemiologista, explicando: “É uma subvariante recente e não é fácil fazer comparações entre a patogenicidade desta e de outras subvariantes, sobretudo numa população mundial que já é muito heterogénea, porque todos nós já fomos infetados ou vacinados. O que sabemos até agora é que, aparentemente, não é mais patogénica. Mas não podemos dizer que não tem importância contrair a infeção. Até porque, há pessoas que continuam a morrer.”


Não se justifica reforçar regras, mas vulneráveis devem evitar riscos


Quando confrontado com a possibilidade de este novo cenário impor mais regras de proteção na comunidade, o técnico é perentório: “Não se justifica alterar o dia a dia da grande maioria da população, mas há um grupo de pessoas, as mais idosas e os doentes crónicos ou com mais mais comorbilidades, para quem a infeção é perigosa. E, estes grupos, sim, devem tomar medidas sempre que estejam em espaços menos arejados - porque sabemos que o vírus se transmite pela inalação - ou com mais pessoas”.


Manuel Carmo Gomes volta a relembrar que, “se estas pessoas estiverem numa sala com uma pessoa infetada, o risco de contrair a doença é mais elevado. Portanto, os mais vulneráveis devem evitar os ajuntamentos sociais. E aqueles que tiverem sintomas respiratórios devem usar máscara, seja onde for, para proteger os outros”.


Apesar de nos primeiros dias de julho se ter chegado a atingir mais de 600 casos e de se terem registado mais de 10 a 13 óbitos diários, ontem o boletim da DGS dava conta de 126 casos e 13 óbitos no dia anterior. Segundo o epidemiologista, o RT tem vindo a desacelerar nas últimas semanas e, agora, “está só um pouco acima de 1”.

"As notícias não são más, estamos a passar o pico e tenho a esperança de que o número de casos comece mesmo a descer, até porque, nesta altura, as atividades são feitas ao ar livre”, aponta, sublinhando ainda que em relação ao SARS-CoV-2 “não deixa de ser surpreendente que um vírus com características respiratórias dê um salto e atinja ondas numa altura em que todos os outros vírus respiratórios, como o da gripe ou o sincicial, já estavam a desaparecer”.


Isto quer dizer que “continua a modificar-se velozmente e com uma capacidade de contagiosidade enorme. Se apanha a população desprotegida - com baixos níveis de anticorpos - é o suficiente para gerar uma nova onda de infeções, que podem ter sintomas mais ou menos acentuados, que é o que tem estado a acontecer”.


Vacinação confere dois tipos de proteção


Ao fim de quatro anos, o professor mantém ser “muito difícil prever como é que cada indivíduo vai reagir à infeção. Isso depende do estado de saúde de cada um e de como o sistema imunitário reagirá ao vírus”. Manuel Carmo Gomes destaca, por isso, “a importância do reforço da vacinação a cada época”, não concordando que as vacinas possam estar a perder eficácia e que esta seja a razão principal para a existência novas ondas de casos.


O epidemiologista considera que a origem desta nova onda está no facto de ter aparecido “uma nova subvariante, com características que lhe dão maior capacidade para fugir aos anticorpos existentes, numa altura em que as pessoas que foram vacinadas em setembro, outubro ou novembro do ano passado, já não têm praticamente anticorpos”, mas “tal não quer dizer que não continuemos a ter proteção contra as formas mais graves da doença através das vacinas”.


Como, perguntamos? “Todos os seres humanos têm dois tipos de proteção contra vírus e bactérias. Uma é a proteção conferida pelos anticorpos - proteção humoral, aquela que é dada pela quantidade de anticorpos que circulam no sangue e que pode durar aproximadamente quatro a seis meses: é por isso que ao fim deste tempo a pessoa pode ser infetada. O outro tipo de proteção é aquela que é dada pelas células de memória e que chamamos imunidade celular - são as células que não se esquecem dos vírus, nem das bactérias com que já contactámos. E a vacina reforça esta segunda linha de proteção, evitando a doença mais grave.” 


Em 2023, a vacina distribuída tinha na base a subvariante que dominou até ao verão, a Xbb. A sua descendente JN.1 apareceu depois, ficando o mundo sem saber qual o grau de proteção que a nova vacina iria dar. Este ano, já se sabe que as vacinas vão ter na sua base a subvariante JN.1 e as suas descendentes KP.

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