“Corremos risco de vida todos os dias”, denuncia quem trabalha nas prisões
São 800 os técnicos de reinserção social e de reeducação, em todo o país. No norte, iniciaram uma greve em maio que se prolonga por hoje, 4 de junho, e pelos dias 5, 6, 7, 11 e 12, nos estabelecimentos prisionais [EP] de Santa Cruz do Bispo, feminino e masculino, no EP do Porto, no EP da PJ do Porto e na Equipa Porto Penal 6. Em causa está a revisão das carreiras, aumentos salariais e ainda a escassez de recursos humanos. “Os técnicos de reeducação têm a carreira estagnada desde 1991; os de reinserção social desde 2001”, começa por afirmar, ao DN, Miguel Gonçalves, presidente do Sindicato dos Técnicos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais [SinDGRSP).
Carreiras, segundo o dirigente sindical, “pouco ou nada atrativas. Em virtude de as carreiras não serem revistas, os técnicos não podem ser aumentados. As pessoas que ganhavam, há meia dúzia de anos, 300 ou 400 euros acima do salário mínimo nacional, como este aumentou, ganham hoje - por exemplo os técnicos que aplicam as pulseiras eletrónicas - cerca de dois euros acima do salário mínimo; recebem 821 euros e 68 cêntimos”. O resultado está à vista: “Ninguém quer vir para estas carreiras. Andamos a chamar a atenção para isto mas a verdade é que não conseguimos, até agora, resolver nada”.
Mas quem são, afinal, estes técnicos e o que fazem? “Os técnicos de reeducação trabalham intramuros, dentro dos EP”, explica Miguel Gonçalves. “Os técnicos superiores de reinserção social trabalham nos centros educativos, a acompanhar jovens nesses centros, trabalham nas equipas de reinserção social e na vigilância eletrónica. Acompanham tudo o que é o antes de as pessoas serem presas e o depois, quando as pessoas saem em liberdade - a maior parte sai em liberdade condicional - e são depois acompanhadas por estes técnicos. Os outros técnicos, por exemplo, acompanham casos de violência doméstica através de vigilância eletrónica, prisão domiciliária, fazem tudo o que é acompanhamento de vigiados”.
Miguel Gonçalves relata que quem trabalha dentro dos EP debate-se diariamente com problemas. “Em meio prisional trabalhamos diretamente com os reclusos; fazemos as avaliações, os relatórios para as saídas precárias, se podem ou não sair em liberdade condicional... Fazemos assessoria aos tribunais porque é com base nesses relatórios que os juízes tomam decisões”. E enfatiza: “Todos os dias enfrentamos riscos. Fazemos entrevistas e estamos em contacto com o recluso. Por exemplo, há aqueles reclusos que têm o modelo americano, em que têm um vidro e um telefone para falarem com a população exterior [visitas]. Mas quando estão connosco, estão diretamente. Portanto, nós corremos o risco de vida todos os dias”.
Casos de agressões existem “com frequência, até com os menores. As duas últimas agressões de que tivemos conhecimento aconteceram com duas colegas em centros educativos, que foram espancadas. Uma delas tem de se apresentar agora ao serviço e a Direção-Geral recusa-se a transferir o agressor. Cá fora, há o modelo de separação; intramuros, estas mulheres são obrigadas a conviver diretamente com os agressores”, realça.
O salário não vai, para este líder sindical, ao encontro do trabalho que é feito. “Enquanto os técnicos da carreira geral têm um limite que pode ir até aos três mil euros, nós, no máximo, o que podemos ir, até nos reformarmos, é aos 1600 euros”, lamenta.
A falta de recursos humanos é outro tema. “Está em causa a segurança das pessoas. O Centro Nacional de Acompanhamento de Operações [CNAO], em Lisboa, está inoperacional devido à falta de trabalhadores. E essa inoperacionabilidade reflete-se, por exemplo, na vigilância eletrónica, em que os vigiados do Funchal são controlados pela equipa de vigilância do Porto e vice-versa”, denuncia.
“A nossa questão é: como é que quem está no Porto pode ir controlar alguém, ou garantir a segurança, das pessoas que estão em vigilância eletrónica, por motivo de violência doméstica, à distância de um Oceano?” Isto porque, caso um agressor se aproxime da vítima não são acionadas, de imediato, as autoridades. “Primeiro há um contacto telefónico. Mas se a vítima não atender? Ninguém a consegue avisar. Depois desse contacto pode haver um dos nossos trabalhadores a deslocar-se ao local para se certificar como é que está a situação. Nestes casos não se consegue, pela distância”.
Perante as denúncias do sindicato, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) responde: “O CNAO funciona como redundância das equipas de vigilância, embora não substitua as mesmas, no terreno. Isto é, monitoriza os vigiados quando as equipas não o podem fazer, contacta os vigiados e vítimas. Sendo necessário, articula com os órgãos de polícia criminal”.
Ao mesmo tempo, a DGRSP garante que o CNAO “não estará inoperacional, mas com a atividade reduzida e executada por outras equipas, que se encontrarão em redundância. Situação que só ocorrerá durante alguns períodos do dia”.
A DGRSP admite que é a primeira vez que isto acontece e que só se manterá “até setembro”. “As atribuições do CNAO serão redistribuídas pelas várias equipas, de modo a que nenhuma equipa fique sem redundância em momento algum”. E garante segurança:“Deve ter-se presente que, quando o CNAO está a substituir a equipa de Faro também não intervém no terreno, dada a distância geográfica: articula com o agressor, advertindo-o. Fala com a vítima para a alertar e se proteger, não obstante as mensagens escritas que esta recebe nos equipamentos, e ainda articula com os órgãos de polícia criminal locais”.
Miguel Gonçalves prossegue: “Por falta de trabalhadores, Lisboa é controlada por Mirandela. É absurdo! Há sempre alguém [em Lisboa] mas não chega para tudo: para aplicar a vigilância eletrónica, as pulseiras, e, ao mesmo tempo , estar a olhar para os monitores a ver se está a funcionar tudo dentro da normalidade”. E deixa o apelo: “Há falta de funcionários. Ninguém entra e há pessoa a sair, com as reformas e os baixos salários”.
O sindicato terá nova reunião com o Governo a 19 de junho. Miguel Gonçalves conclui: “O Governo não vai, por magia, fazer aparecer aqui uma quantidade de trabalhadores. Isso não existe”.
Guardas prisionais ameaçam com “verão quente”
Os guardas prisionais têm vindo a manifestar-se por aumentos e valorização da carreira.
Leonardo Negrão / Global Imagens
Está prevista para esta terça-feira, 4, uma nova reunião entre guardas prisionais e o Governo, com vista a um acordo sobre os aumentos salariais. Os guardas prisionais rejeitaram, na semana passada, em reunião com a ministra da Justiça, Rita Júdice, e as as secretárias de Estado Adjunta e da Justiça e da Administração Pública, a proposta do Governo para aumentos salariais, igual à apresentada aos polícias, no valor de 180 euros, e alertaram para um possível “verão quente” com greves nas prisões.
À saída dessa reunião, Frederico Morais, dirigente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), disse que a proposta “fica muito aquém” do reivindicado pelos sindicatos, que insistem num valor de 15% do índice 115 da administração pública, o que equivale a 1.026 euros. “Tirando o suplemento que já ganhamos, estaremos a falar numa proposta de cerca de 700 euros. Terão de encontrar aí um meio-termo, a senhora ministra da Justiça e o Ministério das Finanças”, disse Frederico Morais.
A alternativa à ausência de acordo é, garantiu, um “verão quente”, admitindo a possibilidade de greves que podem “parar o sistema prisional”. Por isso, tudo se joga na reunião marcada para esta tarde de terça-feira, 4, pelas 17:30.
Recorde-se que os guardas prisionais correm riscos diários o número de agressões a guardas prisionais subiu para 36 em 2023, tendo o sistema prisional registado ainda 58 mortes de reclusos por doença, nove evasões e 14 suicídios, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). O RASI de 2023, divulgado na terça-feira, 28 de maio, revela que a população prisional conta com 12 193 reclusos, incluindo 347 inimputáveis, o que significa uma diminuição de 190 reclusos comparativamente a 2022.
O documento refere que se registaram mais seis agressões a guardas prisionais em 2023 face ao ano anterior, mais oito mortos de reclusos e mais uma evasão.
Ainda à margem da anterior reunião da passada semana com o Governo, Frederico Morais aproveitou para denunciar outro caso que está a afetar o sistema prisional: uma rutura de água na cadeia de Vale de Judeus, em Alcoentre, onde há vários dias reclusos e guardas prisionais estão sem água corrente, estando a situação a ser minimizada com o abastecimento externo dos bombeiros, com autotanques, para permitir higiene e preparação de refeições, por exemplo.
Segundo referiu o dirigente do SNCGP, há cerca de 500 reclusos neste estabelecimento prisional (EP). Está também a ser afetado o bairro prisional, onde residem os guardas e as suas famílias. Segundo Frederico Morais, não há estimativas para a resolução da rutura, até porque há exigências administrativas que atrasam o processo, como a necessidade de obter três orçamentos para adjudicar a reparação. Contudo, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais esclarece que “a rutura afeta o bairro residencial e não o EP”, prevendo-se uma solução esta terça-feira, 4.
Com Lusa