“Concerto”. Novas buscas a autarquias no caso de alegado “cartel” de consultores de comunicação
Jorge Firmino

“Concerto”. Novas buscas a autarquias no caso de alegado “cartel” de consultores de comunicação

A PJ confirma que um ano após as primeiras buscas, voltou ao terreno no inquérito que visa contratos públicos com agências de comunicação. Uma das “pessoas de interesse” é o consultor Luís Bernardo.
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Discretamente - apenas o Observador noticiou nesta sexta-feira - a Polícia Judiciária (PJ) fez buscas na passada quinta-feira a várias autarquias do país, no âmbito de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que investiga suspeitas de contratações públicas irregulares com agências de comunicação.

A PJ, que optou por não fazer comunicado, confirmou, entretanto, ao DN as buscas realizadas. De acordo com o que foi possível saber, além da câmara municipal do Barreiro (PS), foram também alvo das buscas as autarquias de Faro (PSD), Campo Maior (PS), Póvoa de Lanhoso (PS) e a junta de Freguesia de Pena de França (PS). Não haverá ainda arguidos.

Estas buscas complementam as primeiras feitas há um ano, a 4 de julho de 2024, dia em que que se soube da "Operação Concerto", da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, através da realização de buscas a autarquias, institutos públicos e empresas, num total de 34 locais.

Segundo o comunicado da PJ dessa altura, o inquérito investiga a “adjudicação de contratos, por ajuste direto ou por consulta prévia, em clara violação das regras aplicáveis à contratação pública, designadamente, dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público, causando elevado prejuízo ao erário público”.

Em causa estarão contratos de organismos públicos com um conjunto de dez empresas de consultoria de comunicação, entre as quais a Wonderlevel Partners (WLP), a First Five Consulting (FFC), a Remarkable, e a Sentinelcriterion, que o Ministério Público suspeita terem-se organizado em “cartel” para assegurar que dividiam entre si contratos com organismos públicos.

Isso mesmo indicava a nota divulgada em julho de 2024 pelo DCIAP, falando de “um esquema concertado que passava pela apresentação de propostas em concursos públicos, criando falsamente um cenário de aparente concorrência e legalidade, mas tendo em vista garantir, à partida, quais seriam as vencedoras das adjudicações.”

Luís Bernardo
Luís BernardoPAULO SPRANGER / Global Imagens

Luís Bernardo, dono da WLP, será o principal empresário visado. Ex-jornalista, foi assessor de comunicação de António Guterres, Manuel Maria Carrilho e José Sócrates, esteve à frente do departamento de comunicação do Benfica, foi consultor do Sporting, trabalhou na Global Media (ex-dona do Diário de Notícias) e está atualmente na campanha de Gouveia e Melo.

Além de Luís Bernardo, será também alvo da investigação João Tocha, diretor-geral da FFC e também ele com consultoria de comunicação para vários políticos no currículo — incluindo António José Seguro (enquanto líder do PS), o social-democrata Luís Filipe Menezes (em 2013), o socialista António Costa nas autárquicas de 2009 — assim como para a Associação Nacional de Municípios (no tempo das presidências do social-democrata Fernando Ruas e do socialista Manuel Machado) e para a Liga de Clubes.

Entre os crimes que poderão estar em causa no inquérito contam-se corrupção passiva, corrupção ativa, prevaricação, participação económica em negócio, abuso de poderes (por parte de titulares de cargos políticos) e abuso de poder (regime geral).

Aquando das buscas de há um ano, falou-se na constituição de seis pessoas como arguidas, mas até agora o inquérito não tem arguidos.

Denúncia anónima na origem

A investigação diz respeito, de acordo com o comunicado de julho de 2024 da PGR, a factos ocorridos entre 2020 e 2024, e ter-se-á iniciado em 2022 graças a uma denúncia anónima.

Entre os 34 alvos das buscas de há um ano estiveram, para além das residências de Luís Bernardo e João Tocha, uma universidade, vários municípios (foi noticiado que se trataria de Oeiras, Mafra, Amadora, Alcácer do Sal, Seixal, Ourique, Portalegre, Sintra e Sesimbra), uma freguesia de Lisboa, serviços municipalizados, empresas municipais e a secretaria geral do ministério da Administração Interna.

De acordo com o noticiado pelo Expresso a 11 de julho de 2024, terão sido escutas telefónicas a Luís Bernardo, João Tocha e a outros empresários da comunicação a “justificar” as buscas a autarquias: “No entendimento da equipa de investigação do MP e da PJ, as interceções telefónicas revelaram a existência de conversas comprometedoras entre concorrentes e com elementos de algumas entidades públicas adjudicantes, em que foram combinadas condições para lhes garantir a atribuição de contratos dando, ao mesmo tempo, a aparência de haver um ambiente de concorrência e de cumprimento de regras.”

Tendo efetuado “uma análise aos contratos com o Estado ganhos pelas empresas consideradas suspeitas na Operação Concerto, disponíveis no portal BASE”, o semanário diz ter identificado “mais de 30 situações ocorridas entre 2018 e 2014 em que a Wonderlevel Partners de Luís Bernardo surge em consultas públicas em que estiveram também presentes a First Five Consulting, a Remarkable, a Tocha Global Communication” e outras empresas ligadas a João Tocha e a Rui Farias [dono da FFC e, segundo o Expresso, gerente de uma empresa inativa de Luís Bernardo, a Portugalevet].

O conluio, ou “concerto” (daí o nome da operação, que terá começado por ser crismada “fratelli”, palavra italiana para irmãos), que estará em causa nesta investigação ocorre, como informa o site da Autoridade da Concorrência, quando os candidatos a um contrato público “celebram acordos secretos entre si de forma a concertar propostas (Bid Rigging na expressão inglesa)”.

Estes conluios, explica-se no dito site, podem assumir várias formas: “propostas rotativas”, nas quais “os concorrentes combinam esquemas de rotatividade da proposta vencedora, alternando entre si o vencedor do procedimento”; “propostas fictícias ou de cobertura”, em que “as empresas combinam submeter propostas com um preço mais elevado do que o da proposta da empresa previamente escolhida para vencer o procedimento, para que o contrato lhe seja adjudicado”; “supressão de propostas”, quando “algumas empresas participantes no conluio acordam em não submeter proposta ao procedimento ou em retirar uma proposta previamente apresentada, para que o contrato seja adjudicado à empresa que escolheram para vencer o procedimento”; “repartição de mercado”, quando “as empresas combinam um esquema de apresentação de propostas com o objetivo de repartir o mercado entre si. Esta repartição pode incidir sobre a carteira de clientes, o tipo de produtos/serviços ou a zona geográfica”; “subcontratação”, em que “as empresas acordam facilitar o sucesso da proposta da empresa que escolhem para vencer o procedimento, em contrapartida da subcontratação de fornecimentos no âmbito do contrato em causa.”

“Especulações absurdas”, diz Bernardo

Logo na altura das primeiras buscas, Luís Bernardo reagiu, em comunicado para a Lusa, àquilo que reputou de “especulações absurdas e fantasiosas”, assegurando que não fora constituído arguido. “Foi com total estupefação e surpresa”, lia-se no comunicado, “que ouvi um conjunto de especulações, absurdas e fantasiosas, em alguns órgãos de comunicação social, que só podem resultar de motivações que não sejam a de informar. Termino o dia na mesma situação em que o comecei e continuo totalmente disponível para colaborar com as autoridades".

Já João Tocha escreveu no Facebook: “No mercado da comunicação empresarial e da comunicação política, as empresas e os consultores não são assim tantos, o que faz com que muitas vezes ou trabalhem, ou partilhem clientes, prestando serviços complementares”. Logo, concluía, “não há aqui nenhuma situação errada, a não ser na cabeça de quem não conhece o sector”.

Em abril último, o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo reagiu, em comunicado, a um artigo da Sábado com o título “Ex-assessor de Sócrates na equipa de Gouveia e Melo”. “Importa reconhecer que [Luís Bernardo] é um profissional reconhecido no meio, com grande experiência de comunicação e marketing político”, disse o candidato, prosseguindo: “A revista lembra que Luís Bernardo trabalhou com o ex-PM José Sócrates, mas não releva que trabalhou com o Eng. António Guterres, Secretário-geral da ONU, ou com o ex-SG do PS António José Seguro".

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