Discretamente - apenas o Observador noticiou nesta sexta-feira - a Polícia Judiciária (PJ) fez buscas na passada quinta-feira a várias autarquias do país, no âmbito de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que investiga suspeitas de contratações públicas irregulares com agências de comunicação.A PJ, que optou por não fazer comunicado, confirmou, entretanto, ao DN as buscas realizadas. De acordo com o que foi possível saber, além da câmara municipal do Barreiro (PS), foram também alvo das buscas as autarquias de Faro (PSD), Campo Maior (PS), Póvoa de Lanhoso (PS) e a junta de Freguesia de Pena de França (PS). Não haverá ainda arguidos.Estas buscas complementam as primeiras feitas há um ano, a 4 de julho de 2024, dia em que que se soube da "Operação Concerto", da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, através da realização de buscas a autarquias, institutos públicos e empresas, num total de 34 locais. Segundo o comunicado da PJ dessa altura, o inquérito investiga a “adjudicação de contratos, por ajuste direto ou por consulta prévia, em clara violação das regras aplicáveis à contratação pública, designadamente, dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público, causando elevado prejuízo ao erário público”.Em causa estarão contratos de organismos públicos com um conjunto de dez empresas de consultoria de comunicação, entre as quais a Wonderlevel Partners (WLP), a First Five Consulting (FFC), a Remarkable, e a Sentinelcriterion, que o Ministério Público suspeita terem-se organizado em “cartel” para assegurar que dividiam entre si contratos com organismos públicos. Isso mesmo indicava a nota divulgada em julho de 2024 pelo DCIAP, falando de “um esquema concertado que passava pela apresentação de propostas em concursos públicos, criando falsamente um cenário de aparente concorrência e legalidade, mas tendo em vista garantir, à partida, quais seriam as vencedoras das adjudicações.”. Luís Bernardo, dono da WLP, será o principal empresário visado. Ex-jornalista, foi assessor de comunicação de António Guterres, Manuel Maria Carrilho e José Sócrates, esteve à frente do departamento de comunicação do Benfica, foi consultor do Sporting, trabalhou na Global Media (ex-dona do Diário de Notícias) e está atualmente na campanha de Gouveia e Melo.Além de Luís Bernardo, será também alvo da investigação João Tocha, diretor-geral da FFC e também ele com consultoria de comunicação para vários políticos no currículo — incluindo António José Seguro (enquanto líder do PS), o social-democrata Luís Filipe Menezes (em 2013), o socialista António Costa nas autárquicas de 2009 — assim como para a Associação Nacional de Municípios (no tempo das presidências do social-democrata Fernando Ruas e do socialista Manuel Machado) e para a Liga de Clubes.Entre os crimes que poderão estar em causa no inquérito contam-se corrupção passiva, corrupção ativa, prevaricação, participação económica em negócio, abuso de poderes (por parte de titulares de cargos políticos) e abuso de poder (regime geral).Aquando das buscas de há um ano, falou-se na constituição de seis pessoas como arguidas, mas até agora o inquérito não tem arguidos.Denúncia anónima na origemA investigação diz respeito, de acordo com o comunicado de julho de 2024 da PGR, a factos ocorridos entre 2020 e 2024, e ter-se-á iniciado em 2022 graças a uma denúncia anónima. Entre os 34 alvos das buscas de há um ano estiveram, para além das residências de Luís Bernardo e João Tocha, uma universidade, vários municípios (foi noticiado que se trataria de Oeiras, Mafra, Amadora, Alcácer do Sal, Seixal, Ourique, Portalegre, Sintra e Sesimbra), uma freguesia de Lisboa, serviços municipalizados, empresas municipais e a secretaria geral do ministério da Administração Interna.De acordo com o noticiado pelo Expresso a 11 de julho de 2024, terão sido escutas telefónicas a Luís Bernardo, João Tocha e a outros empresários da comunicação a “justificar” as buscas a autarquias: “No entendimento da equipa de investigação do MP e da PJ, as interceções telefónicas revelaram a existência de conversas comprometedoras entre concorrentes e com elementos de algumas entidades públicas adjudicantes, em que foram combinadas condições para lhes garantir a atribuição de contratos dando, ao mesmo tempo, a aparência de haver um ambiente de concorrência e de cumprimento de regras.” Tendo efetuado “uma análise aos contratos com o Estado ganhos pelas empresas consideradas suspeitas na Operação Concerto, disponíveis no portal BASE”, o semanário diz ter identificado “mais de 30 situações ocorridas entre 2018 e 2014 em que a Wonderlevel Partners de Luís Bernardo surge em consultas públicas em que estiveram também presentes a First Five Consulting, a Remarkable, a Tocha Global Communication” e outras empresas ligadas a João Tocha e a Rui Farias [dono da FFC e, segundo o Expresso, gerente de uma empresa inativa de Luís Bernardo, a Portugalevet]. O conluio, ou “concerto” (daí o nome da operação, que terá começado por ser crismada “fratelli”, palavra italiana para irmãos), que estará em causa nesta investigação ocorre, como informa o site da Autoridade da Concorrência, quando os candidatos a um contrato público “celebram acordos secretos entre si de forma a concertar propostas (Bid Rigging na expressão inglesa)”. Estes conluios, explica-se no dito site, podem assumir várias formas: “propostas rotativas”, nas quais “os concorrentes combinam esquemas de rotatividade da proposta vencedora, alternando entre si o vencedor do procedimento”; “propostas fictícias ou de cobertura”, em que “as empresas combinam submeter propostas com um preço mais elevado do que o da proposta da empresa previamente escolhida para vencer o procedimento, para que o contrato lhe seja adjudicado”; “supressão de propostas”, quando “algumas empresas participantes no conluio acordam em não submeter proposta ao procedimento ou em retirar uma proposta previamente apresentada, para que o contrato seja adjudicado à empresa que escolheram para vencer o procedimento”; “repartição de mercado”, quando “as empresas combinam um esquema de apresentação de propostas com o objetivo de repartir o mercado entre si. Esta repartição pode incidir sobre a carteira de clientes, o tipo de produtos/serviços ou a zona geográfica”; “subcontratação”, em que “as empresas acordam facilitar o sucesso da proposta da empresa que escolhem para vencer o procedimento, em contrapartida da subcontratação de fornecimentos no âmbito do contrato em causa.” “Especulações absurdas”, diz Bernardo Logo na altura das primeiras buscas, Luís Bernardo reagiu, em comunicado para a Lusa, àquilo que reputou de “especulações absurdas e fantasiosas”, assegurando que não fora constituído arguido. “Foi com total estupefação e surpresa”, lia-se no comunicado, “que ouvi um conjunto de especulações, absurdas e fantasiosas, em alguns órgãos de comunicação social, que só podem resultar de motivações que não sejam a de informar. Termino o dia na mesma situação em que o comecei e continuo totalmente disponível para colaborar com as autoridades".Já João Tocha escreveu no Facebook: “No mercado da comunicação empresarial e da comunicação política, as empresas e os consultores não são assim tantos, o que faz com que muitas vezes ou trabalhem, ou partilhem clientes, prestando serviços complementares”. Logo, concluía, “não há aqui nenhuma situação errada, a não ser na cabeça de quem não conhece o sector”.Em abril último, o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo reagiu, em comunicado, a um artigo da Sábado com o título “Ex-assessor de Sócrates na equipa de Gouveia e Melo”. “Importa reconhecer que [Luís Bernardo] é um profissional reconhecido no meio, com grande experiência de comunicação e marketing político”, disse o candidato, prosseguindo: “A revista lembra que Luís Bernardo trabalhou com o ex-PM José Sócrates, mas não releva que trabalhou com o Eng. António Guterres, Secretário-geral da ONU, ou com o ex-SG do PS António José Seguro".