Adriano Carvalho tem uma drogaria em Benfica, das poucas que ainda restam em Lisboa.
Adriano Carvalho tem uma drogaria em Benfica, das poucas que ainda restam em Lisboa.Leonardo Negrão

Comércio tradicional sobrevive em Lisboa. Carlos Moedas: “É uma prioridade”

Drogarias, peixarias, mercearias portuguesas, talhos, frutarias são raridades nas ruas capital. O presidente da câmara garante estar atento às dificuldades dos pequenos comerciantes e revela que está a desenvolver uma estratégia para os aproximar dos residentes.
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“Tenho de tudo. Ceras antigas, branqueador para a roupa, bicarbonato, borato, sabão em barras grandes, torradeiras de pôr em cima do bico do fogão. Quando alguém não encontra o que quer vem aqui. Os clientes dizem que vêm ao ‘tem tudo’”, revela Adriano Carvalho, 62 anos, dono da drogaria Adriano, em Benfica, Lisboa. 


Uma loja que parece um museu. Por ali há a tradicional água de colónia Lavanda, sabonetes e cremes de antigamente para além da tradicional pasta dentífrica Couto - esse clássico! -. Não falta a tradicional pedra 444, marca portuguesa fundada nos anos 50, usada pelos mais velhos para passar no rosto após o barbear e estancar, imediatamente, qualquer pingo de sangue. Há pouco tempo voltaram os desodorizantes em stick em frascos de vidro, tão usuais nas últimas décadas do século XX.


E o que não cabe nas prateleiras da drogaria, tal como se via há décadas, está pendurado no teto. “O negócio vai andando. Não podemos esticar muito os preços que é para andar”, explica Adriano.” Temos a concorrência dos supermercados mas há muitos produtos, como detergentes, que vendemos mais barato. Além disso, temos outras coisas que eles não têm: os cimentos, os ácidos muriáticos, a soda cáustica, diluentes”.

Mas, de facto, o comércio tradicional está a desaparecer aos poucos. “Haver uma loja que seja só drogaria é difícil de encontrar, está tudo a desaparecer”, avança o dono da casa. E os que ficam sobrevivem com dificuldades. “Lá vou andando... Já houve alturas em que foi melhor”, garante o comerciante.

Carlos Moedas apoia o comércio tradicional em Lisboa.
Foto: Gerardo Santos/Global Imagens


Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) sabe disso. “O comércio de proximidade é uma prioridade deste executivo. Com efeito, e porque os desafios são visíveis, temos procurado incrementar a defesa do comércio que é identitário da cidade e que contribui para a nossa memória coletiva”, começa por dizer ao DN. “Queremos preservar e salvaguardar os estabelecimentos e o seu património material, histórico e cultural, e por outro lado, dinamizar e reativar a atividade comercial, essencial para a sua existência.” 


Carlos Moedas está focado não só no Programa das Lojas com História mas também em apoiar estes pequenos comerciantes de bairro. “Estamos empenhados em conseguir novas respostas. A título de exemplo, a câmara  está a trabalhar na elaboração de um novo regulamento para o Programa das Lojas com História. E, numa perspetiva mais abrangente, a autarquia está a desenvolver uma nova estratégia para a economia de proximidade, onde procura, por diferentes meios, e de acordo com o conceito da ‘cidade dos 15 minutos’, ter uma Lisboa aberta e que serve, eficazmente, as necessidades dos seus residentes.


O presidente da câmara garante que tem algum contacto direto com estes lojistas. “Sei bem, porque converso nas ruas com muitos comerciantes, as dificuldades que sentem no seu dia a dia e o esforço que fazem para manter os seus espaços a funcionar e a servir a população nos seus bairros. Agradeço essa dedicação e muitas vezes o verdadeiro serviço público que prestam nas comunidades onde estão inseridos”, realça Carlos Moedas.


De facto, muita da clientela é composta por população idosa, que ainda reside na cidade. “A nossa clientela é mais velha. É o tipo de cliente que ainda se preocupa em falar com o empregado de balcão, perguntar-lhe sugestões. Temos muitos clientes que são fieis desde que a loja abriu”, avança Sérgio Fernandes, 47 anos, um dos sócios do Mercado da Morais Soares, um pequeno mercado onde há secção de talho, frutaria, charcutaria e cafetaria.

O negócio vai-se mantendo “com muito esforço. E também com muitas horas de trabalho. Se não fosse assim, devido às ofertas que há nas grandes superfícies, éramos completamente esmagados”. 


Em Alcântara encontrámos a peixaria Pensamento do Mar. Outra raridade, numa época em que a maior parte do pescado é vendido nos hiper e supermercados ou nas praças. “Temos todo o tipo de clientela, de todas as classes sociais, e todos os clientes são importantes”, afiança Tânia Antunes, 35 anos, que sempre foi peixeira. “Já trabalho com peixe há 20 anos, comecei com a minha tia que vendia no mercado da Quinta do Conde [Sesimbra].


De volta à clientela, a peixeira explica que, além dos mais velhos, “temos pessoas mais novas, aquelas que não sabem comer peixe e vêm com muita curiosidade para comer peixe. Nós, deste lado, também estamos aqui para ensinar e aconselhar. O peixe não é só para cozer, grelhar e fritar, há muitas maneiras de o cozinhar”, afiança Tânia, que tem na sardinha o seu peixe preferido. Este é, aliás, o produto mais vendido, “quando é a sua época”.


Nesta mesma freguesia de Lisboa fica o talho Central de Alcântara. Por aqui, o negócio corre bem e a loja tem nove empregados, para dar conta das vendas ao balcão mas também das encomendas para fora. “Vive-se bem com este negócio, aliás tenho outro talho, no largo do Calvário, também aqui em Alcântara”, revela Henrique Machado, 50 anos, o dono do negócio. 


Para chegar a esta posição de sucesso, Henrique começou a trabalhar muito jovem. “Vim para os talhos com 13 anos. Aprendi a ser cortador. Aos 25 anos comprei os meus talhos. Quando era mais novo queria era ganhar alguma coisa para depois vir a ter um negócio”. 


O segredo para o sucesso parece simples. “Procuramos ter mais qualidade e um atendimento personalizado. É muito diferente de um supermercado”, avisa. “Explicamos ao cliente o que é melhor, temos os preparados [carnes prontas a cozinhar, já temperadas] para as pessoas mais novas que não têm tanta vontade de cozinhar, e explicamos como preparar a carne”, afirma Henrique Machado que, à sua mesa, prefere “a carne de vaca, que tem de ser gorda, e a de porco”.

Também nos talhos de Henrique o grosso da clientela “são pessoas mais velhas, muitas que residem próximo dos talhos. Mas também temos outros clientes, fazemos entregas”.


Basta atravessar a rua para entrarmos na frutaria Maçãs de Adão. O aroma adocicado das frutas espalha-se pelo ar, numa loja bem arrumada e colorida. “Este comércio agora não é muito fácil por causa da concorrência. Basicamente em cada esquina há um comércio alimentar. É bom para o consumidor mas para quem tem a responsabilidade de pagar as contas ao fim do mês não é fácil”, lamenta Luís Alves, 59 anos, um dos sócios. 


Luís herdou a sua quota da frutaria do pai, já falecido. E aponta as vantagens do comércio tradicional.  “É provável que no hipermercado haja algumas coisas mais baratas, mas aqui  o atendimento é personalizado: já sabemos o que é que cada cliente quer, que maçãs é que gosta”, argumenta.

Além disso, acrescenta: “ Temos alguns produtos que os hipermercados não conseguem ter, de pequenos produtores, com muita qualidade, com quem temos parcerias há muitos anos. São pessoas que têm ali uns moranguinhos daquele sítio, que são muito bons, e que nunca vão vender aos hipermercados porque não têm grande quantidade”. 


O sócio da frutaria explica, ainda, como são feitas as compras para a loja, garantindo melhor qualidade. “Nós vamos ao mercado e selecionamos a flor das frutas. Um hipermercado tem de comprar dez paletes de cerejas, para a central de compras, e depois distribuir pelas lojas. Nós vimos lá dez paletes e escolhemos, entre elas, as melhores dez  caixas de cerejas para trazer para a loja. O consumidor pode pagar um pouco mais, mas quem gosta de qualidade sabe que encontra aqui”.


De Alcântara o DN vai até ao Bairro Alto. É no coração deste bairro histórico da cidade, famoso pela vida noturna, que encontramos uma das raras mercearias geridas por um português. Hoje, recorde-se, estes comércios estão nas mãos, sobretudo, de imigrantes asiáticos. “Tenho tudo. Desde leite à farinha, o açúcar branco, a massinha, a estrelinha para a canja, conservas a preço acessível. Depois tenho também a parte mais turística”, explica Júlio da Silva, 54 anos, dono da Mercearia do Pai Júlio, na rua do Diário de Notícias.

Imitanto tempos antigos, à mercearia juntou umas mesas e também serve vinhos e petiscos.   “Copiei o que se passava nos anos 80. Continuo a ter tudo de mercearia, latas de feijão, salsichas e leite. Depois tenho a tasca com salgados, tapas, conservas abertas, vinho a copo, imperial. E trabalhamos um bocadinho com o turismo. É a única maneira de sobreviver aqui, nesta zona da cidade, onde há mais turismo”, finaliza o merceeiro.

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