Resolvido que foi, em cerca de 11 horas, o apagão que afetou milhões de portugueses, surge agora o momento de analisar o que correu mal e o que poderia ter sido feito melhor. O DN ouviu vários especialistas - ex-responsáveis com funções operacionais nas redes de alta tensão elétrica em Portugal - e obteve visões diferentes.Um antigo alto responsável da REN recorreu a uma analogia para explicar como se fazem os equilíbrios do sistema elétrico de um país. “O sistema de alta tensão é como um elástico, tem que estar permanentemente esticado e sempre que desaparece potência, algo tem que entrar imediatamente para o seu lugar. E isso as fontes intermitentes [eólicas e solar] não permitem. As centrais de ciclo combinado [a gás ou de carvão], permitem”.Na manhã de segunda-feira desaparecem do sistema em Espanha cerca de 15 GigaWatts (em cinco segundos). É algo que as centrais produtoras de renováveis intermitentes em Portugal não conseguem repor, porque não têm potência suficiente para isso. As centrais de ciclo combinado, diz este especialista, permitem isso. Mas têm de estar a funcionar pelo menos em meia-carga em permanência, à espera de um eventual problema. Isso teria de ser combinado com uma retirada de consumos, a grandes grupos industriais intensivos em eletricidade ou a determinadas regiões. “Tínhamos de deslastrar (tirar lastro) imediatamente. Retirar os consumos. E se tivéssemos as centrais de ciclo combinado a meia-carga ou se tivéssemos barragens a funcionar para esse fim, seria instantâneo”, afiançou.“Quando os espanhóis cortam de repente, Portugal teria que aumentar instantaneamente a sua produção. E simultaneamente teria que retirar carga, ou consumo. Tínhamos de fazer as duas coisas para acompanharmos o elástico, o mais rapidamente possível. Não foi feito e o elástico partiu. Desapareceu o sistema e ficamos às escuras”.Outro especialista ouvido pelo DN discorda. No seu entender “a intensidade do que aconteceu em Espanha não deu qualquer capacidade de resposta a Portugal”. Na altura em houve o apagão, estávamos com um consumo de cerca de 8 Gigawatts, um pouco mais de 2 GWatts importados de Espanha. “Quando Espanha fica, de repente, sem 15 Gigawatts, isso cria uma ‘onda’ que faz disparar todas as centrais no mesmo sistema. É uma descompensação que funciona como um vírus. Onde toca, faz apagar a central”, explicou esta fonte, um antigo alto responsável operacional.Foi tão forte, disse, que apagou centrais no sul de França, um ‘doente’ maior do que o país que o enviou e com fracas interligações elétricas através dos Pirinéus. E as históricas fracas interligações de sul para norte de França permitiu às autoridades francesas isolarem partes do país.“Portugal, um ‘doente’ mais pequeno, com uma brutalidade de interligações com Espanha no Minho, nas Beiras, no Algarve, e quase todo ele fronteira com Espanha, não teve hipótese”, disse. Uma vez o país apagado, todas as atenções se voltaram para as centrais de arranque autónomo, conhecidas como “black start”. Em Portugal existem apenas duas com essa capacidade - Tapada do Outeiro, perto do Porto, e Castelo do Bode. O número mínimo de centrais com essa capacidade foi fixado por um decreto lei de 2022, quando António Costa estava no poder. Ontem, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o Governo vai alargar essa capacidade a mais duas centrais elétricas, as do Baixo Sabor e do Alqueva.Essa medida terá custos de cercas de 10 milhões de euros por ano, estimam os especialistas, mas poderia ter produzido resultados no apagão de ontem? A resposta das fontes ouvidas pelo DN é que sim.“O arranque destas centrais faz-se produzindo eletricidade primeiro em pequenas ilhas, que depois se juntam a outras ilhas e criam cada vez mais potência. Até produzir um efeito em cadeia”, explicou o especialista. A REN terá tentado algumas vezes, sem sucesso, arrancar o sistema.“A existência de mais duas centrais, juntando-se às atuais, representa maiores probabilidades de fazer o arranque. Das cerca de 11 horas que demorou, o tempo do apagão poderia passar para cerca de 3 horas”, concluiu..Restaurantes pedem apoios mas não quantificam perdas. Executivo ainda está a avaliar danos do apagão .O dia depois do apagão: “Isto foi um avisozinho, não foi?” .Apagão. MAC teve ventiladores em risco, consultas e cirurgias adiadas e receitas voltaram ao papel