No fim como no início, José Sócrates terminou o seu primeiro dia de julgamento lançando críticas. Durante a manhã - e nas vezes em que falou fora da sala de audiências -, o antigo primeiro-ministro foi deixando ‘bicadas’ à acusação e à juíza Susana Seca, que preside ao coletivo, considerando que a magistrada está a ser “completamente parcial”. Já durante a tarde, por volta das 17h30, quando deixou o Campus de Justiça, apontou baterias a... António Costa.Após a primeira sessão de julgamento, o antigo primeiro-ministro acusou o agora presidente do Conselho Europeu (que chamou como testemunha deste processo) de ser covarde pelo facto de se manter em silêncio sobre o seu papel na relação Sócrates-Manuel Pinho. “Convoco-o para para que esta verdade seja clara: foi ele quem me apresentou Manuel Pinho. Não foi Ricardo Salgado nenhum. O que eu lamento, isso sim, é que o doutor António Costa estivesse calado durante todos estes anos sobre essa verdade. Podia-a ter dito imediatamente. É apenas covardia”, disse Sócrates à porta do edifício A, onde decorre o julgamento, no qual o antigo primeiro-ministro é o principal arguido.E, tal como de manhã e nos dias anteriores, José Sócrates voltou a falar num “lapso de escrita” como motivo da acusação, que terá levado a uma alteração da qualificação dos crimes imputados. Tudo, segundo o antigo primeiro-ministro, para manter a possibilidade de o levar a julgamento. O objetivo? “A humilhação.”.Operação Marquês: Primeira sessão de julgamento acabou. À saída, Sócrates acusa António Costa de covardia.À saída do Campus de Justiça (que foi por si inaugurado em 2009), José Sócrates afirmou ainda que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que sustenta a acusação em julgamento tem como base “uma nulidade absoluta”. No entender do primeiro-ministro e da sua defesa, “a Relação não pode pronunciar ninguém, nenhum cidadão, a não ser que seja procurador ou que seja juiz. Ora, eu não sou nem procurador, graças a Deus, nem juiz. E, portanto, não posso ser pronunciado pela Relação como elas [as juízas] pretendem. Isto é, as juízas estão aqui a manter um embuste”.Julgamento já tem sessões marcadas até fim do anoNo entanto,o julgamento que esta quinta-feira, 3 de julho, arrancou terá (muitos) mais capítulos. A começar já na próxima terça-feira, dia 8 de julho, quando o primeiro-ministro falará pela primeira vez perante o coletivo de juízes (composto, além da presidente, por Rita Seabra e Alexandra Pereira) e magistrados do Ministério Público (Rómulo Mateus, Rui Real e Nadine Xarope).A certa altura durante a audição pensou-se que José Sócrates falasse logo ontem, mas os sucessivos requerimentos formalizados pela defesa do antigo primeiro-ministro acabaram por atrasar bastante a sessão, que não passou da identificação dos arguidos.Mas, anunciou a juíza no final da sessão de julgamento, o processo já tem outras audiências agendadas até ao final do ano. Decorrerão sempre às terças, quartas e quintas-feiras.Ao todo, antes de se pronunciarem sobre uma sentença, os magistrados terão de ouvir 527 testemunhas. 229 destes nomes foram arrolados pelo Ministério Público, enquanto as defesas dos arguidos chamaram a tribunal 298 pessoas para dar a sua visão sobre os acontecimentos que, alegadamente, consubstanciam 117 crimes, entre os quais corrupção, brnaqueamento de capitais e fraude fiscal. Se se contarem ainda as testemunhas que não serão chamadas a depor em tribunal, o número, segundo dados recolhidos pelo jornal Observador, andará perto das 650.Isto devido a um caso, cuja acusação (deduzida em 2017) tem mais de quatro mil páginas. Sócrates, o primeiro antigo primeiro-ministro a sentar-se no banco dos réus, vai a julgamento pela prática de 22 alegados crimes (13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada). Além de José Sócrates, há ainda mais 21 arguidos, sendo 18 singulares (18) e também três empresas.Requerimentos atrasaram uma sessão que teve três arguidos ausentesInicialmente marcada para arrancar às 9h30, a primeira sessão do processo Marquês começou com mais de uma hora de atraso. E se o começo dos trabalhos retardou, o atraso ficou ainda pior devido às trocas de argumentos entre Pedro Delille, advogado de José Sócrates, e a juíza Susana Seca.Depois da magistrada passar em revista, um a um, cada crime que consta da acusação do Ministério Público, o representante do antigo primeiro-ministro interveio para formalizar o requerimento para pedir a recusa da juíza e do Procurador-Geral da República (PGR), representado pelos magistrados do Ministério Público. Na argumentação de Delille, a juíza tomou decisões que extravasam as competências. E, até que existisse uma avaliação destes pedidos de recusa, pedia a defesa do antigo primeiro-ministro que não fosse praticado “nenhum ato” do julgamento.Após ser formalizada a entrega dos requerimentos, a juiz-presidente declarou a interrupção dos trabalhos por 10 minutos com objetivo de apreciar os argumentos da defesa. E comunicou depois: “Entende o tribunal que o pedido de recusa não impede o prosseguimento da audiência.”Perante isto, Delille insistiu, argumentando que a juíza devia seguir a recomendação de juntar os dois processos nos quais Sócrates é arguido. Mas os argumentos caíram em saco roto, com a juíza a dizer que “não se vislumbram” argumentos para a suspensão dos trabalhos.Com a tentativa de Pedro Delille em continuar a apresentar requerimentos em relação ao julgamento, Susana Seca não permitiu a intervenção do causídico, deixando-lhe um ‘raspanete’: “Peço que que apresenta seja conciso e objetivo nos requerimentos que apresenta para que o tribunal perceba os fundamentos do requerimento e o que é pedido. Não é uma alegação nem uma exposição introdutória. Solicito a colaboração do coutor para esse efeito, senão estamos a ouvir o coutor e não é o momento para fazer exposições introdutórias ou alegações finais. (...) Quem preside a esta audiência de julgamento é a presidente do coletivo, não é o senhor. Vamos ficar muito claros quanto a isso. O tribunal não pode compactuar com condutas processuais que vão entorpecer o julgamento e não vai compactuar. O senhor não interrompe o tribunal coletivo, nem determina quando fala.”Em resposta, Pedro Delille deixou expressa a sua posição: “Vou arguir a nulidade desta interrupção, porque significa que não posso fazer os requerimentos que entendo do modo que quero para a defesa do meu cliente.”Antes, a juíza já havia repreendido José Sócrates, após o antigo primeiro-ministro se ausentar da sala sem autorização. Interpelado pela oficial de justiça, o arguido questionou com espanto: “Agora tenho de dizer quando vou à casa de banho?”. Depois de retomar o seu lugar na fila destinada aos arguidos (onde ficou lado a lado com Santos Silva, seu amigo e alegado testa de ferro, com quem foi trocando palavras), Sócrates pediu a palavra à juíza, que lha rejeitou por estarem a ser discutidas “questões processuais”. “O senhor terá de se sentar e esperar pela sua vez de intervir, que não é agora”, atira a juíza, após Sócrates questionar: “Pedi para falar e agora não me dá a palavra?”Nos intervalos da sessão, Sócrates trocou ainda impressões com outros arguidos, como Sofia Fava, sua ex-mulher.“Infelizmente, separado” e “por enquanto, solteiro”A primeira sessão de julgamento da Operação Marquês teve, no entanto, momentos de algum alívio por entre toda a tensão e troca de argumentos.O primeiro surgiu cedo, pela defesa de Armando Vara. Quando a juíza questionava os advogados de cada arguido sobre a intenção de falarem ou não, Tiago Rodrigues Bastos confirmou a intenção do arguido (que já foi condenado a pena de prisão no âmbito do processo Face Oculta) em prestar declarações perante o coletivo de juízes. Mas não agora. “Daqui a quatro ou cinco anos, não sei”, atirou o advogado, ao que a juíza respondeu bem humorada, provocando alguns risos na sala: “Gabo-lhe o otimismo, senhor doutor.”Durante a tarde, quando se procedia à identificação dos arguidos, houve mais dois momentos curiosos e ambos sobre o mesmo tema: o estado civil. O primeiro foi quando Zeinal Bava, antigo administrador da Portugal Telecom, foi inquirido pela juíza sobre esse assunto. A resposta? “Infelizmente, solteiro.”Já quando João Perna, ex-motorista de Sócrates e suspeito de alegadamente transportar dinheiro entre o ex-PM e Santos Silva, foi questionado sobre o tema, a resposta acabou por causar também alguns risos tímidos na sala. Qual o estado civil do arguido? “Por enquanto, solteiro.”.Operação Marquês: mais de 10 anos e 50 recursos depois, arranca o julgamento de José Sócrates.De Carlos Alexandre a José Sócrates: Quem é quem na teia do 'Processo Marquês'?